Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

quarta-feira, 28 de abril de 2010

UM PARECER sobre a Lei de Drogas (Por: Júlio Medeiros)

A Lei de Drogas, ao não admitir a liberdade provisória, o indulto, o sursis, o recurso em liberdade e nem a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos demonstra a existência de uma política criminal de drogas inconsistente, temerária, reprodutora de violência; uma política criminal flexibilizadora dos direitos e das garantias processuais, seletiva e de controle social. Não há adequação constitucional porquanto o art.5º, XLIII, da CF/88 não possui todas estas vedações (fiança, anistia e graça).

Ademais, com as alterações introduzidas pela novel Lei 11.464/07 não resta dúvida de que o juiz poderá conceder ao réu liberdade provisória, fundamentadamente. A possibilidade de progressão de regime, até então vedada e a possibilidade de o réu em crimes hediondos apelar em liberdade são indicativos que corroboram com tal assertiva.

Por outro lado, se a prisão em flagrante for convertida em prisão preventiva, nada obsta, posteriormente, a sua revogação caso desapareça sua necessidade (por ausência de legalidade, homogeneidade ou instrumentalidade). Aliás, a decisão que decreta a prisão preventiva tem o caráter rebus sic stantibus; nesse sentido, de toda a sorte, seria concedida liberdade ao acusado de tráfico de drogas.

Quem vive num Estado Democrático de Direito não tem outra opção a não ser aceitar, aplaudir e estimular o garantismo penal. Ler BECCARIA ou FERRAJOLI e não concordar com os seus argumentos é muito difícil. E mais: é praticamente impossível ler os textos que defendem o direito penal do inimigo e não ficar assustado com aquela nefasta doutrina, inserida no contexto do movimento da “Lei e Ordem”.

Nos períodos de exceção, todos criticam a política autoritária e ficam, aos quatro ventos, clamando por liberdade, por democracia. Mas, quando cessa o período ditatorial, e o País se reencontra com a democracia e a liberdade, e os nossos constituintes elaboram leis que vêm ao encontro dos anseios libertários, proclamando plena publicidade do processo, paridade absoluta dos direitos e poderes da acusação e da defesa, inviolabilidade do domicílio, a obrigatoriedade de fundamentação judicial, o due process of law, a presunção de inocência, é de todo injustificável e inadmissível venha a justiça – e logo a justiça – a caminhar para o lado oposto, no sentido de retorno à época de propósitos autoritários.

A liberdade é o ponto culminante dos valores que o Direito busca preservar. Os institutos jurídicos, mercê das transformações, ganham características; tantas vezes, tornam-se incompatíveis com a nova ordem, revelando-se o Processo Penal como verdadeiro “sismógrafo da Constituição”.

O Judiciário é, por isso, convocado para decidir quanto à eficácia de normas que disciplinam relações jurídicas. O tema não se reduz a mera técnica de interpretação. Vai além. Toca a essência do Direito. Especificamente a finalidade do Direito que, insista-se, não pode ser visto como simples esquema formal de leis como sonhou o austríaco Hans KELSEN.

Quanto aos dispositivos legais, o art.2º da Lei 8.072/90, como é de conhecimento comum, veio para regulamentar o inc. XLII, do art.5º da CF, que estabelece: “A lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (...)”.

Como se vê, não consta da vedação constitucional a liberdade provisória e o indulto, apenas a afiançabilidade, anistia e graça. E, ademais, como lição comezinha em Processo Penal tem-se que fiança e liberdade provisória são institutos autônomos; distintos.

A conclusão é simples: se o art.2º da Lei 8.072/90 veio para regulamentar o preceito constitucional do inc. XLII do art.5º da CF, não podia ele proibir além do que foi proibido no texto da Carta Maior. O que, na verdade, ofende o princípio da proporcionalidade sob a vertente proibição do excesso.

É oportuno lembrar que a liberdade provisória é sempre admitida quando não houver comprovadamente nos autos, a hipótese de imprescindibilidade da decretação da prisão preventiva (v. art.324 do CPP), necessidade esta que não pode ser presumida em lei, haja vista que o periculum libertatis deve ser aferido em cada caso concreto.

Nunca é demais repetir que entre os primados da nossa Constituição estão o direito à liberdade da pessoa humana e da presunção da inocência. A Carta Magna de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais, já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial.

Aliás, a idéia de que tais direitos e garantias devem ter eficácia imediata (art.5º, §1º da CF) ressalta, também, a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância.

Afastar, portanto, sem qualquer exame, a possibilidade da liberdade provisória, como quer o legislador ordinário, apenas considerando a natureza da infração; portanto, em caráter genérico e absoluto para certa tipologia de delitos, sem averiguar a presença dos pressupostos da prisão preventiva, representa, segundo o que se está defendendo, não só uma agressão à Constituição como também retorno ao passado, quando a prisão preventiva obrigatória, de triste memória, vigorava entre nós.

Tal como na “prisão preventiva obrigatória”, o art.44 da Lei nº 11.343/06 presume, a priori, a existência de periculum libertatis; o que está vedado pelo art.5º, LXI da Lex Mater, ao exigir decisão fundamentada da autoridade judiciária competente. Trata-se de uma “indevida solução padronizada” (que transforma o magistrado num autômato) a ser aplicada para quem for preso em flagrante traficando drogas.

Firme na imperiosidade da máxima otimização do controle de constitucionalidade das leis, tem-se que todos os Julgadores, por conseguinte, contam com o impostergável dever de sempre examinar o conteúdo legislativo produzido, antes de dirimir cada um dos conflitos de interesses deduzidos em juízo. A conclusão do juiz, por conseguinte, obrigatoriamente deve se atrelar ao direito fundado na constitucionalidade plena; secundum ius e não secundum lege.

Esta norma da Lei de Drogas é inconstitucional, pois mesmo em se considerando o tratamento diverso desejado pelo constituinte para esses crimes (inciso XLII do art.5º da CF), não há – nem mesmo poderia haver, porquanto se consubstanciaria em verdadeira contradição constitucional interna – prisão cautelar obrigatória, ante tempus, que impeça, de modo apriorístico e sem considerações para o caso concreto, a concessão de liberdade provisória.

Não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços, mas sim na sua totalidade. Uma porção dela não prevalece sobre outra quando a interpretamos. A lógica da Constituição é incindível e sua interpretação está sujeita a determinados limites, sem o que será transformada em prática de subjetivismo.

Além do que, proibindo-se o benefício da liberdade provisória somente para o tráfico de drogas e não para outros delitos elencados na Lei 8.072/90 (alguns até mais graves como, por exemplo, o latrocínio) terminar-se-ia, ao final das contas, ferindo-se o próprio princípio da proporcionalidade, de extração constitucional, tornando-se o aludido dispositivo “refém de si mesmo”.

De outro modo, não obstante a interdição à liberdade provisória tenha sido, em tese, estabelecida para crimes de suma gravidade, a Constituição não permite a prisão ex lege, sem motivação, a qual viola frontalmente os princípios constitucionais da presunção de inocência, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art.5º, LV, LVII e LXI, da CF).

Essa orientação foi respeitada, inclusive, em relação às recentes reformas no processo penal, haja vista que a revogação dos parágrafos do art.408 do CPP, expressa a inadmissibidade da prisão processual como efeito automático da lei; prisão ex vi legis já não mais deve existir nos dias de hoje.

A questão é saber se, diante da regra geral da liberdade de todos durante o curso processual, estão presentes os requisitos da cautelaridade aptos a, sob os auspícios dos critérios da proporcionalidade e necessidade, legitimar uma prisão, haja vista que discursos de caráter autoritário não têm e não podem ter o condão de, por si só, subjugar o status libertatis sem qualquer fundamentação apega a fatos concretos.

A sociedade, e o réu em particular, precisam saber que razões levaram o Magistrado a exigir tamanho sacrifício como condição indispensável ao eventual resultado útil do processo em caso de condenação. Não existe cautelaridade e muito menos instrumentalidade sem a necessária demonstração do periculum libertatis apto a ensejar a custódia ante tempus.

Trata-se de um dado a ser buscado com os olhos voltados para as circunstâncias que autorizam a prisão preventiva stricto sensu, porquanto esta representa, indiscutivelmente, a pedra de toque de toda e qualquer prisão provisória.

Quanto ao acusado, se a Carta Magna presume sua inocência, enquanto não houver trânsito em julgado da sentença condenatória, não tem lógica, é absurdo, um verdadeiro não-senso, frauda a finalidade da lei e ilude as garantias da liberdade a exigência daquela prisão pelo simples fato de não a lei determinar, abstratamente, que tais crimes são insuscetíveis de liberdade provisória, o que se veda é tão somente a fiança, espécie do gênero.

Haveria uma absurda presunção de perturbação da ordem pública. Essa, aliás, a ratio essendi do referido dispositivo: uma presunção, a priori, da existência do periculum in libertatis, de que, se solto estiver, o acusado perturbará a garantia da ordem pública. Custódia em face da pretensa gravidade do delito, meramente afirmada, não guarda relação com a função cautelar no interesse do processo, e sim, com execução temporã da pena.

Mas, se a Lei Maior presume a inocência, como pode lei infraconstitucional, ou até mesmo o direito pretoriano, invocar presunção contrária àquela? É o Código de Processo Penal que deve ser interpretado conforme a Constituição Federal, e não o contrário.

Apenas para destacar, o Supremo Tribunal Federal consolidou, no julgamento do HC 84.078 o “direito de recorrer em liberdade” e, quando do julgamento do HC 97.457, permitiu que acusados de homicídio qualificado (crime hediondo assim como o tráfico de drogas) recorressem extraordinariamente em liberdade por incontestável força do princípio da presunção da inocência. Por que, então, agora no âmbito da Lei de Drogas, a presunção de periculosidade do agente deve prevalecer sobre tal princípio constitucional?

Uma norma, cujos termos gerais parecem satisfatoriamente justos e que não suscitam nenhuma objeção, pode, num caso particular, produzir notórias conseqüências injustas. Direito perfeito é somente o das normas individualizadas na sentença.

A Lei 11.464/2007, ao suprimir do artigo 2º, II da Lei 8.072/1990 a vedação à liberdade provisória nos crimes hediondos, apenas adequou a lei infraconstitucional ao texto da Constituição Cidadã, sendo inadmissível a manutenção do acusado no cárcere quando não demonstrados os requisitos autorizadores de sua prisão preventiva. O legislador constitucional se referiu apenas à fiança, espécie de liberdade provisória, mas não o fez em relação às demais espécies, porquanto não abarcou o gênero do instituto.

Assim, o ideal é se buscar o ponto de equilíbrio, verificando se a prisão resguarda a segurança social e a medida não se mostra injusta ou desnecessária, haja vista que a manutenção de uma pessoa na prisão, nos dias atuais, deve ser decidida com a máxima cautela possível, em razão da superlotação de nossos estabelecimentos prisionais e da violência ali reinante.

Se responsáveis existem pela criminalidade, não são apenas os criminosos, mas todos os que (ainda que no desempenho de alguma competência formal bem justificada) não enxergam além da pena e que singelamente silenciam diante da realidade eliminadora de vida, de dignidade, de oportunidade e de igualdade.

Por: Júlio Medeiros

ENTREVISTA: Promotora de Justiça do caso de Luziânia explica o que efetivamente ocorreu e expõe o que pensa sobre o sistema criminal brasileiro

Blog do Marcelo Cunha (http://marcelocunhadearaujo.blogspot.com):

Dra. Maria José Miranda Pereira, quais são suas impressões sobre o real funcionamento do sistema criminal brasileiro?

Dra. Maria José Miranda Pereira: Fiquei 16 anos no Tribunal do Júri e lá a gente vê penas grandes e, mesmo sabendo que elas só existem no Brasil de mentirinha, no Brasil do papel, era possível uma sensação de ter feito justiça nos casos concretos.

Agora que estou no esgoto penal (nome oficial: Promotoria de Execuções Penais), estou estarrecida, perplexa e angustiada com a impunidade que impera. É muito triste ver a pequenez das penas em geral, principalmente para os crimes mais bárbaros, mais horripilantes. E depois, ainda ter de ver que aquele "tiquinho" não é cumprido... É revoltante termos a mais execrável lei de execuções penais do mundo, a premiar com a impunidade os mais nefandos crimes...

Não fosse isso suficientemente trágico, ainda temos de conviver com a simpatia do sistema com o criminoso. Sim, SIMPATIA extrema. Antes, o sistema juridico-brasileiro tinha tolerância, leniência, condescendência com o criminoso e, por consequencia, com o crime. Hoje essa frouxidão involuiu para verdadeira simpatia, num desprezo elitista pelo senso comum do povo. O que chamam "garantismo", seria muito melhor classificado como PROTECIONISMO DO CRIMINOSO. E o protecionismo é mais abjeto em razão de os protecionistas não terem a honradez de assumir que são protecionistas e se travestirem de garantistas. Garantistas somos nós, que garantimos aos criminosos todos os seus legítimos direitos. Mas o Princípio foi tão alargado, tão prostituído, que não podemos mais chamá-lo garantismo. Seria garantismo se encontrasse limites em outros princípios, limites na ética, na moral...

Entretanto, atualmente, tudo, desde que pró-criminoso, tudo é tolerado e até elogiado pelo sistema, como algo mais-que-sagrado. Quanto às vítimas... ah, as vítimas, esse mero detalhe! Quem falou que elas devem ter algum direito?

Desculpe o desabafo, mas hoje estou amargurada de ver umas decisões premiando estupradores covardes. Não sei em outros Estados, mas no DF é comum apenarem com 6 anos um estuprador que barbarizou a vítima, que introduziu garrafa em suas cavidades naturais, que praticou sexo anal, seguido de oral, com exigência de que ela engolisse o esperma, para só ao final praticar o sexo vaginal. Vítimas com vidas indiscutivelmente destruídas, com sequelas irreversíveis, têm de suportar o estupro praticado pelo judiciário: aplicação de pena mínima. Não há como me conformar com isso.

Blog do Marcelo Cunha (http://marcelocunhadearaujo.blogspot.com): Dra. como esse sistema ineficaz e ineficiente contribuiu para a tragédia anunciada de Luziânia?

Dra. Maria José Miranda Pereira: Sobre o caso do monstro de Luziânia, esclareço o seguinte: ele foi preso em flagrante por atentados violentos ao pudor praticados contra duas crianças, com requintes de crueldade.

O Juiz Gilmar Soriano o condenou a 15 anos pelo primeiro crime (em continuidade delitiva quanto ao crime contra a segunda vítima). Julgando a apelação da defesa, o desembargador Aquino Perpétuo votou pela redução da pena de 15 para 7 anos e 7 meses, mesmo reconhecendo que as consequências para as vítimas foram as mais trágicas possíveis. Um dos meninos teve de ficar internado, tomou coquetel para HIV, não teve mais coragem de estudar com vergonha dos coleguinhas, etc, etc, etc. A Desembargadora Nilsoni votou pela manutenção da pena, por correta e justa. A Desembargadora Gislene Pinheiro proferiu o voto que prevaleceu: ficou na média, 10 anos e 10 meses.

A pedido do MP das Execuções foi feito o laudo criminológico, que encontrou traços de personalidade que indicam conflitos sexuais que aumentam a possibilidade de reincidência nesses crimes. Trecho do laudo: “Há sinais inclusive de sadismo, uma perversão sexual em que a busca do prazer se efetua através do sofrimento do outro. Sinais de transtorno psicopático também se fizeram presentes. Recomendou tratamento psiquiátrico e psicológico, já indicados pelo juiz sentenciante. Insistiu em que esse tipo de comportamento não desaparece com o transcurso do tempo, mas, ao contrário, tende a cronificar-se. Expressa a necessidade de tratamento, ressaltando que não pode ser em sessões esporádicas, mas, pelo menos, semanalmente”. Quem é que não sabe que psicopatia não tem cura??

Mesmo assim, a Promotora da Execuções pediu, inúmeras vezes, que fosse feito o tratamento recomendado. Quando o sádico atingiu requisito temporal para o semi-aberto, a Promotora ainda o "segurou" sem saídas temporárias, em razão da periculosidade, aliada à falta do tratamento. Foram inúmeros ofícios para que o psicopata fizesse o tratamento. Todos em vão. Um século depois, uma psiquiatra que o atendeu uma única vez, ficou em cima do muro: disse apenas que ele não era doente mental e não precisava de medicação controlada. E disse que a necessidade de tratamento psicológico ficava condicionada a uma avaliação dessa necessidade pelo psicólogo do presídio. A seguir, vem um micro-relatório de um psicólogo que apenas diz: o interno apresentou-se sempre com polidez e coerência de pensamento, demonstrando crítica acerca dos comportamentos a ele atribuídos. Afirma ter vivido uma vida normal, sem acometimento de transtornos marcantes com maior complexidade. Oras bolas ... O que disseram o psiquiatra e a psicóloga? Nada!

Rapidamente, venceu ele o requisito temporal para a progressão ao regime aberto. Como ele já estava no semi-aberto com saídas temporárias e trabalho externo, e considerando a abolição da necessidade de exame criminológico pela legislação pós 2003, outra Promotora opinou favoravelmente à progressão para o aberto.

Recebi os autos em janeiro, após 22 dias do fato consumado (réu em liberdade). Requeri o seguinte: “MM. Juiz, considerando- se que não existe ex-estuprador e, diante da extrema gravidade dos ignóbeis crimes pelo sentenciado cometidos, requeiro sejam expedidos mandados para fiscalização sistemática e reiterada. Tal medida pode salvar a dignidade sexual de muitas crianças". Parece premonitório, não? Mas, eu apenas adverti do óbvio. Era só esperar. Afinal, é isso que vejo reiteradamente aqui no esgoto penal. Aqui a gente só vê o intenso trabalho dos Promotores saindo pelo ralo. Dói fundo ver o império da impunidade, a indiferença ou o desprezo do sistema com a dor das vítimas, os decretos natalinos de comutação em cascata e indultos plenos até para quem tem condenação a mais de 8 anos... É TRÁGICO, É CATASTRÓFICO! !!

Fonte: Blog do Marcelo Cunha

Publicado em 20 de abril de 2010.

PROGRESSÃO DE REGIME, UM ABSURDO,QUANDO FEITA DE FORMA INCOMPETENTE

CHEGA A SER IRRESPONSABILIDADE E OMISSÃO DO ESTADO , SOLTAR PRESOS PERIGOSOS .

NA BAHIA , O EX-SECRETÁRIO DE JUSTIÇA, DEPUTADO NELSON PELEGRINO, QUE FOI O LIDER DO GOVERNO LULA NO CONGRESSO EM 2003, FOI CONTRA O EXAME CRIMINOLÓGICO. OCORRE, QUE O GOVERNO FEDERAL E OS ESTADUAIS, TODOS, ERAM CONTRA O EXAME CRIMINOLÓGICO, POIS, TAIS EXAMES GERAVAM CUSTOS ELEVADOS PARA OS GOVERNOS.

E FOI EM 2003, QUE FOI APROVADA A LEI QUE DESMONTOU O EXAME CRIMINOLÓGICO NO BARSIL. AGORA O APRESENTADOR JOSÉ LUIS DATENA ESTÁ CERTO, E QUER SABER, AGORA, NA HORA DA ELEIÇÃO, QUEM FOI CONTRA O EXAME CRIMINOLÓGICO.

SE O SENHOR OU SENHORA DESEJAR VOTAR NELES, TUDO BEM, CASO CONTRÁRIO, VAMOS MOBILIZAR E DIZER NÃO A ESTES CIDADÃOS, QUE SE ELEGEM PARA TRAIR OS INTERESSES DO POVO E DA SOCIEDADE

AFINAL DE CONTAS, É MAIS IMPORTANTE GASTAR EM PROPAGANDA, COMO FAZ O GOVERNO DA BAHIA.

AGORA, DEPOIS DAS MORTES DOS ADOLESCENTES DE LUIZIÂNIA GOIÁS, POR UM PEDREIRO QUE SAIU PARA REGIME ABERTO, E MATOU ,POR CULPA EXCLUSIVA DO ESTADO, O MINISTRO DA JUSTIÇA, ADMITIU A RESPONSABILIDADE ESTATAL, ATÉ QUE ENFIM.

PORÉM, OS ADOLESCENTES MORTOS NÃO VOLTAM, QUEM VAI PAGAR POR ISSO ?

COMO FICA, ENTÃO, A SAÍDA DE PRESO SEM EXAME CRIMINOLÓGICO?

É A FAVOR OU CONTRA O EXAME CRIMINOLÓGICO O DEPUTADO FEDERAL NELSON PELEGRINO? A BAHIA QUER SABER, POIS, VAMOS DEBATER ESTE ASSUNTO, E O ANO É ELEITORAL.

OUÇA AGORA O QUE INTERESSANTÍSSIMO PRONUNCIAMENTO DO SENADOR DEMOSTENES TORRES:

"FERNANDINHO BEIRA-MAR É UMA VÍBORA, TODO MUNDO SABE DISSO,E EU APOSTO QUE ELE TEM UM COMPORTAMENTO CARCAERÁRIO EXEMPLAR, PORQUE ELA SABE QUE VAI CHEGAR O MOMENTO QUE ELE VAI SER COLOCADO PARA FORA (...) ISSO É UM VEXAME NO BRASIL..."

UMA MATÉRIA QUE, SEM DÚVIDA, INTERESSA À SOCIEDADE. "PRENDER É DEMOCRÁTICO TAMBÉM"

Fonte: Rádio Justiça

Por: Júlio Medeiros.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Prisão preventiva e a garantia da ordem pública: combate aos exageros é necessário

Sempre interpretei a garantia da ordem pública o mais restritamente possível, uma vez que encontro imensas dificuldades em visualizar o seu caráter instrumental quando se tem em mente o eventual resultado útil do processo.

Nessa hipótese, entendo que a potestas coercendi do Estado atua, então, não mais para tutelar o processo condenatório a que está instrumentalmente conexa, e sim os anseios da sociedade e a credibilidade da justiça.

Primus icto oculi, nem mesmo o Supremo Tribunal Federal mostrou-se capaz de fornecer linhas de atuação, deixando quase ao sabor arbitrário do julgador em cada caso concreto entender o que é ou não ordem pública.

De tal arte, a ausência de parâmetro faz com que aflore o uso da fórmula em seu aspecto puramente retórico, nela podendo ser inserida ou retirada a hipótese desejada sem que trauma formal algum seja sentido.

Destarte, o clamor público, a intranquilidade social e o aumento da criminalidade não são, a meu ver, suficientes à configuração do periculum libertatis; são, pois, dados genéricos sem qualquer conexão com o fato delituoso praticado pelo réu, logo, não podem atingir as suas garantias processuais.

Sob outro prisma, o aumento da criminalidade e o clamor público são pomos da estrutura social vigente, que se encarrega de os multiplicar nas suas próprias excrescências.

Por conseguinte, não me afigura razoável que tais elementos – genéricos o suficiente para levar qualquer cidadão ao carcer ad custodiam – sejam valorados para determinar o encarceramento prematuro, ante tempus.

Ora, a gravidade do delito, por si só, também não justifica a imposição da prisão cautelar, seja porque a lei penal não prevê prisão provisória automática para nenhuma espécie delitiva - e nem o poderia porque a Lex Major não permite -, seja porque não desobriga em caso algum o atendimento aos requisitos legais estampados no art.312 da lei Instrumental Penal.

Quanto à intensidade do dolo, referenciado por muitos, sempre entendi como matéria condizente à aplicação da pena e nada mais.

Sobre essa problemática, encontrei interessante trecho presente em uma SENTENÇA prolatada pelo juiz Alexandre Morais da Rosa:

(...)

O fato de ser imputada, eventualmente, conduta apenada com reclusão, por si, como antes demonstrado, não pode ser óbice para o deferimento do pedido, em nome de uma difusa ordem pública, até porque, como bem aponta Aury Lopes Jr (Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, v. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 110-111): "Muitas vezes a prisão preventiva vem fundada na cláusula genérica 'garantia da ordem pública', mas tendo como recheio uma argumentação sobre a necessidade de segregação para o 'reestabelecimento da credibilidade das instituições'.

É uma falácia. Nem as instituições são tão frágeis a ponto de se verem ameaçadas por um delito, nem a prisão é um instrumento apto para esse fim, em caso de eventual necessidade de proteção. (...)

Noutra dimensão, é preocupante – sob o ponto de vista das conquistas democráticas obtidas – que a crença nas instituições jurídicas dependa da prisão de pessoas. Quando os poderes públicos precisam lançar mão da prisão para legitimar-se, a doença é grave, e anuncia um grave retrocesso para o estado policialesco e autoritário, incompatível com o nível de civilidade alcançado.

Na mais das vezes, esse discurso é sintoma de que estamos diante de um juiz 'comprometido com a verdade', ou seja, alguém que, julgando-se do bem (e não se discutem as boas intenções), emprega uma cruzada contra os hereges, abandonado o que há de mais digno da magistratura, que é o papel de garantidor dos direitos fundamentais do imputado. Como muito bem destacou o Min. Eros Grau (HC 95.009-4) 'o combate à criminalidade é missão típica e privativa da Administração (não do Judiciário). (...)

No que tange à prisão preventiva para em nome da ordem pública sob o argumento de risco de reiteração de delitos, está se atendendo não ao processo penal, mas sim a uma função de polícia do Estado, completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal. Além de ser um diagnóstico absolutamente impossível de ser feito (salvo para os casos de vidência e bola de cristal), é flagrantemente inconstitucional, pois a única presunção que a Constituição permite é a de inocência e ela permanece intacta em relação a fatos futuros. (...)

A prisão para garantia da ordem pública sob o argumento de 'perigo de reiteração' bem reflete o anseio mítico por um direito penal do futuro, que nos proteja do que pode (ou não) vir a ocorrer. Nem o direito penal, menos ainda o processo, está legitimado à pseudotutela do futuro (que é aberto, indeterminado, imprevisível). Além de inexistir um periculosômetro (tomando emprestada a expressão de ZAFFARONI), é um argumento inquisitório, pois irrefutável.

Como provar que amanhã, se permancer solto, não cometerei um crime? Uma prova impossível de ser feita, tão impossível como a afirmação de que amanhã eu o praticarei. Trata-se de recusar o papel de juízes videntes, pois ainda não equiparam os foros brasileiros com bolas de cristal..."

Por: Júlio Medeiros.

Fonte: Blog do juiz Alexandre Morais da Rosa.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

O mito da proibição de provas ilícitas no processo penal

Está muito em voga, hodiernamente, a utilização ad argumentandum tantum, por aqueles que perpetram delitos bárbaros e hediondos, dos indigitados direitos humanos. Pasmem, ceifam vidas, estupram, sequestram, destroem lares e trazem dor a quem quer que seja, por nada, mas depois, buscam guarida nos direitos humanos fundamentais. É verdade que esses direitos devem ser observados, mas por todos, principalmente, por aqueles que, impensadamente, cometem os censurados delitos, trazendo a dor ao familiares das vítimas.

Primus icto oculi, pelo sistema constitucional vigente não há como se falar em garantia absoluta, extremada e isenta de restrição decorrente do respeito que deve ter outras garantias de igual ou superior relevância. Nesse prisma, aliás, Ada Pellegrini GRINOVER confirma que os direitos e garantias fundamentais não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do “princípio de sua convivência, que exige a interpretação harmônica e global das liberdades constitucionais” (destacamos).

Ora, a interpretação da Lei Fundamental, conforme Peter HÄBERLE, é “processo” aberto e sua compreensão há de ser a mais dilatada possível (Constituição em sentido lato), de modo que, sobre acolher aquela interpretação que se faz em âmbito mais restrito, principalmente na esfera jurídica dos tribunais, venha a abranger por igual aqueles que ativa ou passivamente participam da vida política da comunidade.

De fato, a adaptação da Lex Mater à sua época preocupa de maneira constante o formulador da nova concepção interpretativa, tanto que ao fator tempo se atribui importância capital. Não é à toa, segundo Paulo BONAVIDES , que HÄBERLE assevera ser necessário “viver o Direito Constitucional prima facie numa específica problemática de tempo” e que a continuidade da Constituição somente é possível quando o passado e o futuro nela se acham conjugados.

Tem-se, enfim, e a partir de tais considerações, a chamada "ponderação de valores constitucionais em conflito", com a aplicação do princípio da proporcionalidade , uma vez que, como já examinado, a ordem jurídica não admite que uma garantia constitucional seja invocada para acobertar uma prática criminosa.

Então, pergunta-se: seria possível, em determinado caso concreto e a partir dessa ponderação, concluir-se pela possibilidade da admissão de provas ilícitas em favor da acusação no processo penal?

A perspectiva constitucional do fenômeno das provas ilícitas no ordenamento jurídico, como bem ressalta Torquato AVOLIO , deve-se, pioneiramente, a Ada Pellegrini GRINOVER, que em obra escrita ainda sob a égida da Constituição anterior explica ser “inaceitável a corrente que admite as provas ilícitas, no processo, preconizando pura e simplesmente a punição do infrator pelo ilícito material cometido” , numa simples visão unitária que pretende superar a distinção entre ilícito material e inadmissibilidade processual do ponto de vista da obtenção da prova.

Por sua vez, posicionando-se contra a adoção de provas ilícitas pro societate no processo penal, Nestor TÁVORA e Rosmar ANTONNI argumentam que a proteção da sociedade está mais bem amparada pela preservação do núcleo básico de garantias de todos, sendo que “a ponderação de interesses dá vazão a uma ampla fluidez e instabilidade de garantias, podendo visivelmente albergar arbítrios na concepção utilitária e maniqueísta, já ressaltada, entre interesse social contrapondo-se aos do réu” .

No mesmo sentido, o processualista Aury LOPES JR. defende que o próprio conceito de proporcionalidade é constantemente manipulado e “serve a qualquer senhor”, segundo o autor, basta ver a quantidade imensa de decisões e até de juristas que ainda operam no reducionismo binário do interesse púbico versus interesse privado, para justificar a restrição de direitos fundamentais (e, no caso, até a condenação) a partir da prevalência do interesse público .

E, ademais, conforme AVOLIO encontra-se superada, no atual estágio de evolução das liberdades públicas, a “visão do processo penal como instrumento voltado à busca da verdade real ou material” . No entanto, ressalva o autor - com acerto, diga-se -, que a idéia de proporcionalidade é indissociável da noção de direito e se encontra presente desde as fases mais remotas.

Aqui merece ser feito parênteses. Nosso objetivo primordial não é detalhar o princípio da proporcionalidade (para a doutrina alemã) ou razoabilidade (para a doutrina norte-americana), falando sobre sua origem, natureza e vertentes, mas apenas é de destacar sua aplicabilidade ao caso concreto.

Limitamo-nos, posto isso, a assinalar que tal princípio tem extração constitucional, mais precisamente no postulado do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), em seu aspecto substantivo ou material. Esta é a atual posição do Supremo Tribunal Federal (HC nº 94.403/SP), sob a relatoria e cuidados do Min. CELSO DE MELLO. E, sob outro prisma, também encontraria espeque no art. 5º, §2º, da CF, provindo “do regime e dos princípios por ela (Constituição) adotados”.

Destarte, no que tange à aplicação do princípio da proporcionalidade pro societate – e segundo o que se está defendendo - somente poderia ser invocado em situações extremas, como em crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura, terrorismo e crime organizado, nas quais a aplicação da vedação da prova ilícita causasse flagrante e notória injustiça. Sendo que, para tanto, jamais se poderia admitir a prática da tortura; por violar normas de direito natural anteriores e superiores à nossa própria Lei Fundamental.

Ora, não se pode duvidar que o crime deva ser respondido dentro do devido processo penal em qualquer situação; o que não significa, obviamente, que não deva haver punição. Quanto àqueles que criticam o princípio processual da busca da verdade real (ou material), deveras é certo que o direito não exprime a verdade absoluta: a sua verdade é apenas relativa e mede-se pelo seu fim, mas como se deixou vincado, a interpretação do Texto Constitucional é processo aberto realizado de acordo com o volver do direito, que deve mesmo ser infinitamente variado.

Sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade ao caso concreto - em favor da acusação e com fulcro em provas obtidas ilicitamente -, nesta fase (preliminar) o escopo é decidir da forma que ofereça menos desvantagem, por meio da resposta à seguinte pergunta: existe um meio fático menos gravoso, que não a prova ilícita, que possibilite, a partir dele, a obtenção da prova da autoria e materialidade de um determinado delito?

Isto é, do cotejamento entre o princípio da vedação da utilização de prova ilícita em processo e o bem jurídico constitucionalmente relevante consubstanciado na persecutio criminis in judictio, pode-se concluir pela possibilidade da utilização das provas ilícitas - sempre em situações estritamente necessárias - no processo penal?

Situando melhor a questio juris, Fernando CAPEZ elabora uma elucidativa pergunta: “seria mais importante proteger o direito do preso ao sigilo de sua correspondência epistolar, do qual se serve para planejar crimes, do que desbaratar uma poderosa rede de distribuição de drogas, que ceifa milhões de vidas de crianças e jovens? Certamente não. Não seria possível invocar a justificativa do estado de necessidade?” (sem grifos no original).

A propósito, é bom não esconder que no julgamento do RE nº 251.445/GO (DJU 3.8.2000), Rel. Min.CELSO DE MELLO, a violação, covarde, de direitos fundamentais (à segurança, à proteção da incapacidade, à intimidade e outros tantos) de vários menores não mereceu a aplicação do princípio da proporcionalidade, preferindo-se manter a proteção do domicílio do acusado, já que, como se sabe, é essa (inviolabilidade do domicílio) uma garantia individual expressa (art. 5º, XI, da CF).

Sob a ótica de Eugênio Pacelli de OLIVEIRA , a Suprema Corte perdeu uma grande oportunidade de aplicação do critério da proporcionalidade, sobretudo porque se encontrava diante de uma situação em que as lesões, presentes e futuras, causadas pela infração criminal eram (e serão), a senso comum, imensamente maiores que aquela decorrente da violação do domicílio.

O mais interessante, porém, é que o Direito norte-americano, exatamente a fonte de nossa vedação das provas ilícitas, segundo OLIVEIRA , aceita, sem maiores problemas, a prova obtida ilicitamente por particulares. O fundamento, conforme a conhecida doutrina de GONZALEZ-CUELLAR SERRANO , é que a norma da vedação da prova ilícita dirige-se ao Estado, produtor da prova, e não ao particular.

Pacelli de OLIVEIRA ainda cita um julgamento não muito distante, envolvendo a extradição de uma artista mexicana, e diante da alegação, feita por esta, de que teria sido vítima de estupro no interior das dependências da Polícia Federal, o Supremo Tribunal Federal deferiu, na Rcl nº 2.040/DF , a produção de exame de DNA na placenta da gestante, recolhida sem a autorização desta, com fundamento em uma necessária ponderação, entre valores constitucionais contrapostos, admitindo, então, a aplicação da proporcionalidade na produção da prova.

E, sobre o teor de tal decisão, o autor entende que, inegavelmente, a Suprema Corte valeu-se de critério de proporcionalidade para a aceitação de prova não prevista em lei, portanto, inicialmente inadmissível. E mais: em favor da acusação.

Ad argumentandum, em julgamento mais longíquo, o STF já admitira a violação da correspondência dos presidiários pela administração penitenciária, sob o fundamento que o direito ao sigilo não pode ser invocado para a prática de infrações por parte daquele que está preso. Isso no bojo do HC nº 70.814/SP .

Prodeceu-se, pois, no thema decidendum do writ citado, a uma ponderação de interesses a partir de uma prova obtida ilicitamente em desfavor do preso, isto é, pro societate. É um vício constante em doutrina afirmar que as provas ilícitas incriminatórias não podem jamais ser utilizadas contra o réu, conforme ensina Rudolf Von JHERING , “o direito não só pode, mas deve mesmo ser infinitamente variado”.

De fato, de acordo com Roberto Prado de VASCONCELOS, o problema de se tratar assuntos tão importantes apenas no âmbito da abstração, sem testar suas construções doutrinárias com exemplos hipotéticos, leva a injustiças frequentes, bem como ao esquecimento dos problemas crônicos que necessitam de soluções urgentes. Exemplifique-se com o caso do combate ao tráfico; não se pode negar que é notória a frequência com que os meios convencionais fracassam na resolução destes problemas.

A admissibilidade das provas ilícitas em favor da acusação, ao contrário do que pensam alguns insígnes juristas, não revela uma visão privatística dos direitos e das provas. Se, por um lado, é inquestionável que nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de Direito; no devido processo penal, a busca da verdade se transmuda num valor mais precioso do que a própria proteção da liberdade individual do acusado.

De fato, são diversas as vozes em doutrina (nacional e internacional) que criticam tal posicionamento, mas o que deve ser dito e repetido, em alto e bom som, e este sim se refere ao punctum saliens da aludida controvérsia, é que no julgamento do RE nº 251.445/GO - há quase uma década - a violação covarde dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes não mereceu, por parte do STF, a aplicação do princípio da proporcionalidade sob a perspectiva da vedação da proteção deficiente.

Ora, conquanto o Direito não deva ser realizado a qualquer preço, a prova, se imprescindível, deve ser aceita e admitida (sempre em situações de estrita necessidade), a despeito de ilícita, por adoção do princípio da proporcionalidade - que deve ser pro reo ou pro societate -, mas desde que produzida pelo particular, e não pelo Estado.

Em face disso - sem prejuízo da possibilidade de alegação do estado de necessidade pelo particular -, tomando-se como parâmetro que o Direito deve ser infinitamente variado, é possível prestigiar aquele direito fundamental que, em determinado caso concreto merece maior respaldo em virtude da busca da verdade real ou em face da aplicação do princípio da proporcionalidade, apto a autorizar o sopesamento e consequente flexibilização de alguns direitos fundamentais como, inclusive, já procedeu a Suprema Corte outrora.


BIBLIOGRAFIA

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilicitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandetinas. 3. ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21. ed. atual, 2007.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. Sâo Paulo: Saraiva, 2009.
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997.
GONZALEZ-CUELLAR SERRANO, José Francisco. Proporcionalidad y derechos fundamentales en el proceso penal. Madrid: Colex, 1990.
GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
_______________________ Liberdades públicas e processo penal – As interceptações telefônicas. São Paulo: Saraiva, 1976.
HÄBERLE, Peter. Verfassung als öffentlicher prozess, 1978.
JHERING, Rudolf Von. A luta pelo Direito. Trad. Richard Paul Neto, Rio de Janeiro, 1978.
LOPES JR., Aury. Direito processual e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Altas, 2002.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
ROXIN, Claus. Derecho procesal penal. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2000.
TÁVORA, Nestor e ANTONNI, Rosmar. Curso de direito processual penal, 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2009.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
VASCONCELLOS, Roberto Prado de. Provas Ilícitas (Enfoque Constitucional) In: Revista dos Tribunais, nº 791, setembro de 2001.


Por: Júlio Medeiros

Análise profunda da reforma processual quanto ao Tribunal do Júri (Lei nº 11.689/08)

Lei Maria da Penha e Lei de Drogas

Teoria da Imputação Objetiva

REFORMA PROCESSUAL PENAL - Provas e procedimentos (Revista da ESMP)

domingo, 25 de abril de 2010

Íntegra da decisão que desconsidera processos em andamento como maus antecedentes

Leia a decisão do ministro Celso de Mello no Habeas Corpus (HC) 96618, na qual ele concedeu liberdade ao economista Antônio Carlos Prado – preso por estelionato. O ministro entende que o réu não perde sua condição de primário apenas por responder a outros processos criminais nos quais ainda há possibilidade de recursos.

Fonte: STF

Íntegra do voto do Min. Eros Grau no HC de Daniel Dantas

EMENTA do julgamento do HC sobre EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA e VOTO DO MIN. EROS GRAU

05/02/2009

TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 84.078-7 MINAS GERAIS
RELATOR : MIN. EROS GRAU
PACIENTE(S) : OMAR COELHO VITOR
IMPETRANTE(S) : OMAR COELHO VITOR
ADVOGADO(A/S) : JOÃO EDUARDO DE DRUMOND VERANO E
OUTRO(A/S)
ADVOGADO(A/S) : LUÍS ALEXANDRE RASSI
COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA
CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART.
1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso
extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez
arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os
originais baixarão à primeira instância para a execução da
sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução
da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da
sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988
definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória”.
2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n.
7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente,
sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art.
637 do CPP.
3. A prisão antes do trânsito em julgado da
condenação somente pode ser decretada a título cautelar.
4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de
modo restrito. Engloba todas as fases processuais,
inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso
a execução da sentença após o julgamento do recurso de
apelação significa, também, restrição do direito de defesa,
caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de
aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa
pretensão.
5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da
interposição de recursos em matéria penal e punição
exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos”
exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou
na seguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando
punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o
mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente”.
6. A antecipação da execução penal, ademais de
incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia
ser justificada em nome da conveniência dos magistrados ---
não do processo penal. A prestigiar-se o princípio
constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF]
serão inundados por recursos especiais e extraordinários e
subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais
será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação
à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a
amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A
comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do
STF não pode ser lograda a esse preço.
7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski,
quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de
lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de
servidores públicos afastados de suas funções por
responderem a processo penal em razão da suposta prática de
crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova
redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade,
que o preceito implica flagrante violação do disposto no
inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso
porque --- disse o relator --- “a se admitir a redução da
remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia
validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta
tenha sido precedida do devido processo legal, e antes
mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja
previsão de devolução das diferenças, em caso de
absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade,
sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da
lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo
unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito
afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em
julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no
preceito constitucional em nome da garantia da propriedade
não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade,
mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a
ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes
subalternas.
8. Nas democracias mesmo os criminosos são
sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se
transformarem em objetos processuais. São pessoas,
inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação
constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da
Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão
social, sem que sejam consideradas, em quaisquer
circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o
que somente se pode apurar plenamente quando transitada em
julgado a condenação de cada qual
Ordem concedida.


Para ver a íntegra do voto do Min.EROS GRAU sobre o tema, clique no link acima.

Íntegra do voto do ministro Celso de Mello no HC do governador Arruda

Fonte: STF

O STF e a fundamentação do decreto de prisão preventiva

Artigo elaborado pelo Juiz federal André Lenart

Fonte: Reserva de Justiça

sábado, 24 de abril de 2010

PARECER do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) sobre o projeto do Código de Processo Penal

EMENTA: Segunda Turma do STF reconhece ao Ministério Público o poder de investigação criminal

O Ministério Público (MP) tem, sim, competência para realizar, por sua iniciativa e sob sua direção, investigação criminal para formar sua convicção sobre determinado crime, desde que respeitadas as garantias constitucionais asseguradas a qualquer investigado. A Polícia não tem o monopólio da investigação criminal, e o inquérito policial pode ser dispensado pelo MP no oferecimento de sua denúncia à Justiça.

Entretanto, o inquérito policial sempre será comandado por um delegado de polícia. O MP poderá, na investigação policial, requerer investigações, oitiva de testemunhas e outras providências em busca da apuração da verdade e da identificação do autor de determinado crime.

Com esse entendimento, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu, por votação unânime, o Habeas Corpus (HC) 89837, em que o agente da Polícia Civil do Distrito Federal Emanoel Loureiro Ferreira, condenado pelo crime de tortura de um preso para obter confissão, pleiteava a anulação do processo desde seu início, alegando que ele fora baseado exclusivamente em investigação criminal conduzida pelo MP.

Caso ainda em suspenso no STF

O relator do processo, ministro Celso de Mello, optou por apresentar seu voto, independentemente do fato de que ainda está pendente de julgamento, pelo Plenário da Suprema Corte, o HC 84548, no qual se discute justamente o poder investigatório do MP.

Ele citou vários precedentes da própria Corte para sustentar seu ponto de vista em favor do poder de investigação criminal do MP. Um deles foi o caso emblemático do recurso em HC (RHC) 48728, envolvendo o falecido delegado do extinto Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo Sérgio Paranhos Fleury, tido como personagem-símbolo do então existente “Esquadrão da Morte”, suspeito de eliminar adversários do regime militar e de torturar presos políticos, em ação realizada pelo próprio MP.

No julgamento daquele processo, realizado em 1971 sob relatoria do ministro Luiz Gallotti (falecido), a Corte rejeitou o argumento da incompetência do MP para realizar investigação criminal contra o delegado. A investigação contra Fleury fora comandada pelo então procurador Hélio Bicudo, integrante do MP paulista.

Outro precedente citado pelo ministro Celso de Mello foi o julgamento, pelo Plenário do STF, da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1517, relatada pelo ministro Maurício Corrêa (aposentado), em que a Suprema Corte também reconheceu que não assiste à Polícia o monopólio das investigações criminais.

Caso análogo

O relator se reportou, ainda, ao julgamento do HC 91661, de Pernambuco, relatado pela ministra Ellen Gracie, também envolvendo um policial, em que a Segunda Turma rejeitou o argumento sobre a incompetência do MP para realizar investigação criminal.

O ministro Celso de Mello ressaltou, em seu voto, que este poder investigatório do MP é ainda mais necessário num caso como o de tortura, praticada pela polícia para forçar uma confissão, desrespeitando o mais elementar direito humano, até mesmo porque a polícia não costuma colaborar com a investigação daqueles que pertencem aos seus próprios quadros.

“O inquérito policial não se revela imprescindível ao oferecimento da denúncia, podendo o MP deduzir a pretensão punitiva do estado”, afirmou o ministro Celso de Mello, citando precedentes em que o STF também considerou dispensável, para oferecimento da denúncia, o inquérito policial, desde que haja indícios concretos de autoria.

“Na posse de todos os elementos, o MP pode oferecer a denúncia”, completou. “O MP tem a plena faculdade de obter elementos de convicção de outras fontes, inclusive procedimento investigativo de sua iniciativa e por ele presidido”.

Também segundo ele, a intervenção do MP no curso de um inquérito policial pode caracterizar o poder legítimo de controle externo da Polícia Judiciária, previsto na Lei Complementar nº 75/1993.

Competência constitucional

Contrariando a alegação da defesa de que a vedação de o MP conduzir investigação criminal estaria contida no artigo 144, parágrafo 1º, inciso IV, da Constituição Federal (CF), segundo o qual caberia à Polícia Federal exercer, “com exclusividade, as funções de Polícia Judiciária da União” – o que excluiria o MP –, todos os ministros presentes à sessão da Turma endossaram o argumento do relator.

Segundo ele, a mencionada “exclusividade” visa, apenas, distinguir a competência da PF das funções das demais polícias – civis dos estados, polícias militares, polícias rodoviária e ferroviária federais. Foi esse também o entendimento manifestado pelo subprocurador-geral da República, Wagner Gonçalves, presente ao julgamento.

Celso de Mello argumentou que o poder investigatório do MP está claramente definido no artigo 129 da CF que, ao definir as funções institucionais do MP, estabelece, em seu inciso I, a de “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. No mesmo sentido, segundo ele, vão os incisos V, V, VII, VIII e IX do mesmo artigo.

O ministro ressaltou que o poder investigatório do MP é subsidiário ao da Polícia, mas não exclui a possibilidade de ele colaborar no próprio inquérito policial, solicitando diligências e medidas que possam ajudá-lo a formar sua convicção sobre determinado crime, como também empreender investigação por sua própria iniciativa e sob seu comando, com este mesmo objetivo.

Recursos

Condenado em primeiro grau, o policial recorreu, sucessivamente, sem sucesso, ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), com o mesmo argumento da nulidade do processo. Contra a decisão do STJ, ele impetrou HC no Supremo.

Em 17 de outubro de 2006, o relator, ministro Celso de Mello, rejeitou pedido de liminar formulado no processo. A defesa ainda recorreu dessa decisão por meio de agravo regimental, mas a Segunda Turma não conheceu do recurso, em novembro daquele mesmo ano. A Procuradoria Geral da República opinou pela denegação do pedido.

HC 85419

Os mesmos fundamentos que resultaram no indeferimento do HC 89837, do DF, foram utilizados, também hoje, pela Segunda Turma do STF, para indeferir o HC 85419, impetrado em favor de dois condenados por roubo, extorsão e usura no Rio de Janeiro. Segundo a denúncia, apresentada com base em investigação conduzida pelo Ministério Público, um dos condenados é um ex-policial civil que estaria a serviço de grupos criminosos. Segundo o relator do processo, ministro Celso de Mello, as vítimas do condenado procuraram promotor de Justiça para denunciar a extorsão por não confiar na isenção da Polícia Judiciária para investigar o caso.



E M E N T A:

HC 89.837/DF, rel. Min.CELSO DE MELLO.

“HABEAS CORPUS” – CRIME DE TORTURA ATRIBUÍDO A POLICIAL CIVIL – POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO, FUNDADO EM INVESTIGAÇÃO POR ELE PRÓPRIO PROMOVIDA, FORMULAR DENÚNCIA CONTRA REFERIDO AGENTE POLICIAL – VALIDADE JURÍDICA DESSA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA – CONDENAÇÃO PENAL IMPOSTA AO POLICIAL TORTURADOR - LEGITIMIDADE JURÍDICA DO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL DA TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA PELO “PARQUET” – TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS – CASO “McCULLOCH v. MARYLAND” (1819) – MAGISTÉRIO DA DOUTRINA (RUI BARBOSA, JOHN MARSHALL, JOÃO BARBALHO, MARCELLO CAETANO, CASTRO NUNES, OSWALDO TRIGUEIRO, v.g.) – OUTORGA, AO MINISTÉRIO PÚBLICO, PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, DO PODER DE CONTROLE EXTERNO SOBRE A ATIVIDADE POLICIAL – LIMITAÇÕES DE ORDEM JURÍDICA AO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – “HABEAS CORPUS” INDEFERIDO.


NAS HIPÓTESES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA, O INQUÉRITO POLICIAL, QUE CONSTITUI UM DOS DIVERSOS INSTRUMENTOS ESTATAIS DE INVESTIGAÇÃO PENAL, TEM POR DESTINATÁRIO PRECÍPUO O MINISTÉRIO PÚBLICO.

- O inquérito policial qualifica-se como procedimento administrativo, de caráter pré-processual, ordinariamente vocacionado a subsidiar, nos casos de infrações perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública, a atuação persecutória do Ministério Público, que é o verdadeiro destinatário dos elementos que compõem a “informatio delicti”. Precedentes.

- A investigação penal, quando realizada por organismos policiais, será sempre dirigida por autoridade policial, a quem igualmente competirá exercer, com exclusividade, a presidência do respectivo inquérito.

- A outorga constitucional de funções de polícia judiciária à instituição policial não impede nem exclui a possibilidade de o Ministério Público, que é o “dominus litis”, determinar a abertura de inquéritos policiais, requisitar esclarecimentos e diligências investigatórias, estar presente e acompanhar, junto a órgãos e agentes policiais, quaisquer atos de investigação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras medidas que lhe pareçam indispensáveis à formação da sua “opinio delicti”, sendo-lhe vedado, no entanto, assumir a presidência do inquérito policial, que traduz atribuição privativa da autoridade policial. Precedentes.


A ACUSAÇÃO PENAL, PARA SER FORMULADA, NÃO DEPENDE, NECESSARIAMENTE, DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL.

- Ainda que inexista qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, o Ministério Público, mesmo assim, pode fazer instaurar, validamente, a pertinente “persecutio criminis in judicio”, desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, que o habilitem a deduzir, perante juízes e Tribunais, a acusação penal. Doutrina. Precedentes.


A QUESTÃO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSIVIDADE E A ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA.

- A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, § 1º, inciso IV, da Constituição da República - que não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público - tem por única finalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversos organismos policiais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração dos crimes previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais.

- Incumbe, à Polícia Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada a competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o Ministério Público.

- Função de polícia judiciária e função de investigação penal: uma distinção conceitual relevante, que também justifica o reconhecimento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria penal. Doutrina.


É PLENA A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER DE INVESTIGAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POIS OS ORGANISMOS POLICIAIS (EMBORA DETENTORES DA FUNÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA) NÃO TÊM, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, O MONOPÓLIO DA COMPETÊNCIA PENAL INVESTIGATÓRIA.

- O poder de investigar compõe, em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de “dominus litis” e, também, como expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a “opinio delicti”, em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de iniciativa pública. Doutrina. Precedentes.


CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO: OPONIBILIDADE, A ESTES, DO SISTEMA DE DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, QUANDO EXERCIDO, PELO “PARQUET”, O PODER DE INVESTIGAÇÃO PENAL.

- O Ministério Público, sem prejuízo da fiscalização intra--orgânica e daquela desempenhada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, está permanentemente sujeito ao controle jurisdicional dos atos que pratique no âmbito das investigações penais que promova “ex propria auctoritate”, não podendo, dentre outras limitações de ordem jurídica, desrespeitar o direito do investigado ao silêncio (“nemo tenetur se detegere”), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advogado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais (Lei nº 8.906/94, art. 7º, v.g.).

- O procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos, laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação, não podendo, o “Parquet”, sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por referir-se ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu Advogado.

- O regime de sigilo, sempre excepcional, eventualmente prevalecente no contexto de investigação penal promovida pelo Ministério Público, não se revelará oponível ao investigado e ao Advogado por este constituído, que terão direito de acesso – considerado o princípio da comunhão das provas – a todos os elementos de informação que já tenham sido formalmente incorporados aos autos do respectivo procedimento investigatório.

INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO: UMA CRÍTICA AOS ARGUMENTOS PELA SUA INADMISSIBILIDADE

Em artigo muito bem elaborado (aspectos históricos, posição do STF e ampla consulta bibliográfica) sobre o poder investigatório do Parquet, o defensor público Manuel Sabino Pontes chegou às seguintes conclusões:

1. O debate sobre a titularidade da investigação criminal é mundial. Com a adoção cada vez mais generalizada do sistema acusatório e o respectivo abandono do juizado de instrução, os modelos prevalentes de persecução criminal são o inglês, onde há completa separação entre os poderes de investigar a acusar, e o europeu continental, onde a apuração fica a cargo do Ministério Público, que dispõe da polícia judiciária.

2. No Brasil, a Constituição de 1988 transformou o Ministério Público em uma espécie de ombudsman da sociedade, em um controle externo por excelência com a missão de lutar pela correta aplicação da lei e pela realização da Justiça.

3. No campo penal, a missão do Ministério Público é promover a acusação de forma eficiente, independente e desprovida de qualquer sentimento que não seja o de Justiça. Mesmo acusando crimes, o promotor não deixa de ser um fiscal da lei, apenas lhe sendo lícito promover denúncia se estiver convencido da criminalidade, bem como da existência de lastro probatório mínimo para fundamentar a acusação (justa causa). Da mesma forma, obtendo prova da inocência do acusado ou discordando da pena imposta pelo juiz, por exemplo, tem o dever de atuar no processo em benefício do réu, buscando a correta aplicação da lei.

4. Como o Ministério Público é um órgão imparcial, a quem interessa a busca da verdade e a realização da Justiça, beneficia ao acusado inocente que aquele possa investigar, já que, desta forma, aumentam as chances deste ser inocentado. A sociedade, que deseja que suas regras de convivência sejam respeitadas, também tem interesse que se investigue o máximo possível, justamente para aumentarem as chances de esclarecimento dos fatos. Na verdade, a investigação criminal ministerial apenas deve repulsar ao acusado culpado, àquele que não tem o mínimo interesse em ver a verdade revelada. 5. O titular do direito de ação deve ter a faculdade de colher diretamente, desde que sem ofensa aos direitos e garantias individuais, o conjunto probatório destinado a fundamentar sua demanda, sob pena de se ver suprimido o seu direito de ação. Ao se negar o poder investigatório do Ministério Público, este órgão encontrar-se-á na insólita situação, dentro do nosso ordenamento, de único titular de ação sem a faculdade de colher as informações e documentos necessários para supedanear a sua pretensão, vendo-se eventualmente na contingência de promover ações e arquivamentos temerários.

6. O Ministério Público é um órgão autônomo cujos membros gozam de garantias constitucionais e independência funcional, o que implica maior probabilidade de desenvolvimento e resultado útil de determinadas investigações, especialmente as que envolvem pessoas capazes de exercer pressão sobre a apuração.

7. O Inquérito Policial é peça meramente informativa com a única função de fornecer os elementos de convicção necessários à formação da opinio delicti do titular da ação penal – o Ministério Público – que não está adstrito às conclusões da autoridade policial e pode socorrer-se de quaisquer outros elementos idôneos para exercer seu mister. Se a ação penal pode ser deflagrada sem inquérito policial (art. 46, § 1º, do CPP), se o Ministério Público pode promover inquéritos civis (art. 129, III, da CF) e se, freqüentemente, nestes inquéritos civis surgem indícios da autoria de ilícitos penais (investigação direta derivada) suficientes para o ajuizamento de uma ação penal, soa incoerente e formalista em excesso negar-se a possibilidade daquele desenvolver investigações penais diretas.

8. Inexiste proibição constitucional ou legal a impedir que o Ministério Público atue na fase investigatória. De outra parte, os dispositivos do art. 129, I, II, e VII, CF, em conjunto com dispositivos da Lei Complementar 75/93 e da Lei Federal 8.625/93, consagram previsão implícita e explícita do poder investigatório do Ministério Público.

9. A investigação criminal direta levada a cabo pelo Ministério Público não afeta negativamente a equidade processual e, muito menos, da paridade de armas, já que o acusado também pode investigar e a desproporção é equilibrada pelo princípio do in dúbio pro reo.

10. Não existe monopólio da elucidação de crimes pela polícia. O princípio que rege a investigação criminal é o da não-exclusividade, até porque, desvendar os fatos e aplicar a lei é uma questão de interesse público, que não deve ser sacrificada em prol de corporativismo ou de interesses políticos escusos.

11. A vontade da sociedade ficou bem explícita em pesquisa do IBOPE onde o Ministério Público acabou avaliado como a 4ª Instituição mais acreditada do País, superada apenas pela Igreja Católica, Forças Armadas e Imprensa. Uma das conclusões da pesquisa foi a seguinte: Segundo a opinião de 68% das pessoas consultadas, os promotores e procuradores deveriam investigar todos os crimes, contra o entendimento de apenas 4% que defendem a exclusividade da investigação pela Polícia. (IBOPE, 2004, p. VII).

12. Além de se tratar de um desejo da população brasileira, conforme aponta a pesquisa referida, a investigação criminal direta pelo Ministério Público é uma forma da sociedade exigir respeito às suas regras de convivência, reprimindo e desestimulando a criminalidade, combatendo a impunidade e garantindo a independência e imparcialidade da apuração. Trata-se, pois, de uma questão de interesse público.


13. Por fim, cabe ainda registrar as palavras do Ministro CARLOS AYRES BRITO (2006, p. 2-3) quando, votando no referido Inquérito 1.968-DF, resumiu o sentimento de quem deseja um Ministério Público forte e atuante:

"Investigar fatos, documentos e pessoas, assim, é da natureza do Ministério Público. É o seu modo de estar em permanente atuação de custos legis ou de defesa da lei. De custos iuris ou de defesa do Direito. Seja para lavrar um parecer, seja para oferecer uma denúncia, ou não oferecer, ou seja ainda para pedir até mesmo a absolvição de quem já foi denunciado.

Privar o Ministério Público dessa peculiaríssima atividade de defensor do Direito e promotor da Justiça é apartá-lo de si mesmo. É desnaturá-lo. Dessubstanciá-lo até não restar pedra sobre pedra ou, pior ainda, reduzi-lo à infamante condição de bobo da Corte. Sem que sua inafastável capacidade de investigação criminal por conta própria venha a significar, todavia, o poder de abrir e presidir inquérito policial".

O STF sob a presidência de GILMAR MENDES

Esforço de modernização marca era Gilmar Mendes

Importantes Temas

Sob a presidência de Gilmar Mendes, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou importantes temas para o país, à luz da Constituição Federal. O meio ambiente também foi destaque nos julgamentos realizados pelo STF. A Corte realizou audiências públicas para debater os temas de maior interesse nacional, como as pesquisas com células-tronco embrionárias e a importação de pneus usados.

Sobre a utilização do amianto, produto considerado tóxico e proibido mundo afora, inclusive pela União Européia, o STF deu outra guinada de jurisprudência ao julgar constitucional, em pedido de liminar, uma lei de São Paulo que proibiu a utilização do produto no estado. Foi a primeira vez que o Tribunal, por maioria de votos, considerou que o princípio constitucional da proteção da saúde deveria se sobrepor ao entendimento de que normas estaduais não podem dispor sobre a comercialização de produtos fabricados com amianto, questão de competência da União.

Em maio de 2008, julgou constitucional o artigo 5º da Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) que permite a pesquisa e terapia com células-tronco embrionárias. Gilmar Mendes fez ressalva em seu voto para a necessidade de controle das pesquisas por um Comitê Central de Ética e Pesquisa vinculado ao Ministério da Saúde para atender ao texto constitucional. Para ele, a Lei 11.105/2005 é deficiente para regular a questão das pesquisas, pois tem apenas um artigo sobre o assunto e trata de outro tema – organismos geneticamente modificados. Segundo o ministro, a lei não cria de forma expressa as atribuições de um legítimo comitê central de ética para controlar as pesquisas com células de embriões humanos.

A Corte deu uma guinada de jurisprudência e, pela primeira vez, disse que cabe ao STF avaliar os requisitos constitucionais de urgência e relevância para a edição de MPs. A questão foi discutida por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo PSDB contra a abertura de créditos extraordinários por meio de medida provisória. Com uma liminar, o STF barrou o repasse dos créditos por entender que eles não se destinavam a despesas imprevistas e urgentes, como manda a Constituição Federal. Até essa decisão, o STF deixava a interpretação do que é urgente e relevante a critério do Executivo e do Congresso.

A constitucionalidade da especialização das varas do Poder Judiciário também foi firmada pelo STF no primeiro semestre de 2008. Com a decisão, foi definitivamente afastada a possibilidade de que julgamentos realizados por varas especializadas em crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro, por exemplo, fossem anulados ou retrocedessem para antes do recebimento da denúncia.

Raposa Serra do Sol

O Supremo declarou, em março de 2009, a constitucionalidade da demarcação das terras indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol, localizada em Roraima, em área contínua, exatamente da forma como determinou o decreto presidencial. Os ministros impuseram 19 condições que devem ser respeitadas na ocupação da Raposa Serra do Sol e que passou a ser o marco regulatório na questão da demarcação de terras indígenas. A decisão se deu na análise da Petição (Pet) 3.388, julgada em agosto de 2008.

Imprensa

Ao analisar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, em abril de 2009, o Tribunal declarou, por maioria, que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) era incompatível com a Constituição Federal de 1988. O processo foi ajuizado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).

Em junho do mesmo ano, no julgamento do RE 511.961, a Corte, por maioria dos votos, decidiu ser inconstitucional a exigência do diploma de jornalismo e registro profissional no Ministério do Trabalho como condição para o exercício da profissão de jornalista. O entendimento foi de que o artigo 4º, inciso V, do Decreto-Lei 972/1969, baixado durante o regime militar, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e que as exigências nele contidas ferem a liberdade de imprensa e contrariam o direito à livre manifestação do pensamento inscrita no artigo 13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 511961.

Monopólio dos Correios

Em agosto de 2009, o Plenário do STF, por seis votos a quatro, declarou que a Lei 6.538/78, que trata do monopólio dos Correios, foi recepcionada e está de acordo com a Constituição Federal. Com isso, cartas pessoais e comerciais, cartões-postais e correspondências agrupadas (malotes) só podem ser transportados e entregues pela empresa pública. O Plenário entendeu, por outro lado, que as transportadoras privadas não cometem crime ao entregar outros tipos de correspondências e encomendas. A decisão foi tomada no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 46.

Em 2009 o STF autorizou a Extradição (Ext 1085) do ex-ativista de esquerda Cesare Battisti para a Itália. Battisti foi condenado em seu país natal por quatro homicídios, acontecidos no final da década de 1970. Neste julgamento, os ministros entenderam que a última palavra sobre a entrega ou não do italiano cabe ao presidente da República, mas que o chefe do executivo deve ater-se ao que prevê o Tratado de Extradição assinado pelos dois países.

Nepotismo

No julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 12), em agosto, o Supremo Tribunal Federal decidiu impedir emprego de parentes de juízes em tribunais. Por unanimidade, a Corte julgou procedente a ação em que a Associação dos Magistrados Brasileiros pedia o reconhecimento de legitimidade da Resolução 7 editada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), contra o nepotismo no Poder Judiciário.

A norma do CNJ impede o emprego nos tribunais de cônjuges, companheiros e parentes de magistrados, se não foram aprovados em concurso público. A restrição abrange as linhas colateral (tios, irmãos, sobrinhos), de afinidade (sogros e cunhados) ou reta (pais, avós, filhos) até o terceiro grau (inclusive) para cargos de livre nomeação e exoneração (sem concurso público).

Pela regra do CNJ, criada em novembro de 2005, os familiares dos juízes estavam impedidos de exercer direção e assessoramento. A Resolução 7 do CNJ impede, inclusive, a contratação cruzada – quando um magistrado contrata os parentes de outro – e a prestação de serviço por empresas que tenham essas pessoas da família dos juízes como empregados. Contudo, o Plenário do STF resolveu estender a proibição também para cargos de chefia. A Corte editou a Súmula Vinculante 13, vedando a prática do nepotismo nos Três Poderes, no âmbito da União, dos Estados e dos municípios.

Depositário infiel

Em dezembro de 2008, o Supremo, por maioria dos votos, restringiu a prisão civil por dívida ao inadimplente voluntário e inescusável de pensão alimentícia. Para dar efetividade à decisão, o Plenário revogou a Súmula 619/STF, que a admitia. A decisão foi tomada na conclusão do julgamento dos Recursos Extraordinários (RE) 349.703 e 466.343 e do Habeas Corpus (HC) 87.585, em que se discutia a prisão civil de alienante fiduciário infiel.


Vídeoconferência

Em outubro de 2008, a maioria dos ministros (9 a 1) do Supremo declarou inconstitucional a Lei estadual 118.19/05, que estabelece a possibilidade da utilização do sistema de videoconferência no estado de São Paulo. No Habeas Corpus 90.900, o Plenário entendeu que cabe somente à União legislar sobre a matéria (processo penal), mas não entrou no mérito da questão.

Temas Políticos

As controvérsias em torno de inquéritos e denúncias contra políticos e até contra membros do Judiciário refletiram com vigor no trabalho do Supremo Tribunal Federal, durante a gestão do ministro Gilmar Mendes. Vários temas polêmicos vieram à tona, inclusive a inesperada prisão de um governador em pleno exercício do poder. Os ministros enfrentaram temas como prisão provisória de governador, denúncia contra presidente da República e ministro do Superior Tribunal de Justiça, e a perda de mandatos por infidelidade partidária.

O Supremo julgou duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 3.999 e 4.086) ajuizadas contra a Resolução 22.610/2007, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que disciplina a perda de cargos eletivos por infidelidade partidária. No mês de novembro de 2008, o Plenário do STF votou pela improcedência das ações, ao entender que o deputado não é dono do mandato e sim o partido.

Lei de Inelegibilidade
Por 9 votos a 2, os ministros negaram o pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros feito na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 144 para que a justiça eleitoral pudesse negar registro a políticos que respondem a processos. O julgamento ocorreu em agosto.

Mensalão

A decisão marcante do caso conhecido como Mensalão ocorreu em agosto 2007, em julgamento que ocupou o STF durante uma semana para receber a denúncia contra 40 acusados em esquema de corrupção. Mas, até hoje o caso mais controvertido da política nacional encontra-se em fase de instrução, sendo recorrente a necessidade de novas sessões para apreciar os recursos apresentados por réus da Ação Penal (AP 470) do Mensalão.

Em abril deste ano, o Plenário do Supremo Tribunal Federal rejeitou por unanimidade outros treze pedidos feitos pelos advogados de defesa do ex-deputado federal Roberto Jefferson e decidiu enviar ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil a cópia do acórdão e das notas taquigráficas do julgamento, por considerar que a defesa abusou do seu poder de litigar. A defesa de Jefferson contestava, entre outra questões, o fato de o presidente da República não estar entre os réus, em coparticipação com os três ex-ministros denunciados, e solicitava que o STF extraísse cópias para que fosse oferecida denúncia contra o presidente da República. Como Plenário já havia rejeitado um pedido idêntico feito por Jefferson, porque o autor da denúncia que resultou na ação penal – o procurador-geral da República – não acusou o presidente, o Supremo rejeitou o pedido.

Prisão de Arruda

Em outro caso inédito, o Plenário do STF julgou pedido de Habeas Corpus do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, o primeiro governador preso em pleno exercício do poder. Por maioria (9 a 1), o Plenário acompanhou o relator, ministro Marco Aurélio, pela legalidade da prisão preventiva, decretada pelo Superior Tribunal de Justiça. Arruda permaneceu preso pela acusação de tentativa de suborno de uma testemunha no inquérito 650, em curso no STJ, que investiga esquema de corrupção no governo do DF.

Último a votar, o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, também negou o pedido de habeas corpus para José Roberto Arruda, mas ressaltou que tem “muito mais dúvida do que convicção em relação a esse caso”. Por exemplo, Mendes colocou em questão o fundamento da prisão preventiva que aponta como um dos objetivos de Arruda a aquisição de simpatia e de adesão de testemunha para dizer que fitas de vídeo incriminadoras teriam sido adulteradas. “Parece um pouco naif (ingênuo) porque, para provar que fitas foram adulteradas ou não, não se precisa de testemunha, mas de perícia”, disse ele. Mas o presidente disse negar o pedido “tendo em vista os elementos dos autos”.

Venda de decisões

Em novembro de 2008, os ministros do Supremo decidiram abrir ação penal contra os cinco investigados no Inquérito 2.424. Eles responderão a processos criminais na Corte por participação no esquema de venda de decisões judiciais que beneficiavam os empresários de bingos e jogos ilegais do Rio de Janeiro.
Os acusados são: Paulo Medina (ministro afastado do STJ), Carreira Alvim (desembargador federal do TRF-2), João Sérgio Leal (procurador-regional da República), Ernesto Dória (juiz do TRT-15), Virgilio Medina (advogado e irmão de Paulo Medina). O ministro é investigado na Corte por suposto envolvimento em venda de decisões judiciais a fim de favorecer a máfia dos caça-níqueis, desarticulada em 2007. Medina é acusado de corrupção passiva e prevaricação, e deve permanecer afastado do STJ enquanto durar o processo.

Pendentes

Na gestão de Gilmar Mendes também ficaram pendentes de conclusão alguns casos importantes, como o julgamento do referendo de medida liminar concedida na Ação Cautelar (AC 33) para impedir a quebra de sigilo bancário da GVA Indústria e Comércio pela Receita Federal. O presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes já apresentou voto-vista, acompanhando o voto do relator, ministro Marco Aurélio, que considerou o preceito do inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal – da inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas – que somente pode ser quebrado por ordem judicial. O relator concedeu medida cautelar, com o objetivo de dar efeito suspensivo ao Recurso Extraordinário (RE 389.808) interposto pela própria GVA.

No voto-vista, o ministro Gilmar Mendes lembrou que a empresa questiona a constitucionalidade dos dispositivos da Lei 10.174/2001, da Lei complementar 105/2001 e do Decreto 3.724/2001. Para ele, a alegada incompatibilidade entre o artigo 6º da Lei Complementar 105 e o Decreto 3.724 com a Carta Magna não parece patente, muito menos evidente. Segundo explicou, o direito do sigilo não é absoluto nem limitado, havendo tensão entre o interesse do indivíduo e o interesse da coletividade em torno do conhecimento das informações relevantes para determinado contexto social.Com essas considerações, acompanhou a divergência para negar referendo à liminar.

Decisões e temas polêmicos

A gestão de Gilmar Mendes também foi marcada por manifestações diante do Supremo Tribunal Federal. A mais contundente, repetida várias vezes, com direito a filmes no Youtube e página na internet, foi embalada por uma discussão entre o presidente da corte e o ministro Joaquim Barbosa, que pronunciou a frase “saia às ruas”, que acabou como símbolo da manifestação.

O ministro Joaquim Barbosa acusou Gilmar Mendes de estar “destruindo a credibilidade da Justiça brasileira” e pediu ao presidente do STF que “saísse a rua” para ver a repercussão de seus atos. Como Mendes respondeu que “estava na rua”, Barbosa retrucou: "Vossa Excelência não está na rua, Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade da Justiça brasileira."

A partir desse episódio ocorrido no plenário do STF, em sessão transmitida ao vivo, o ministro passou a ser acusado em público pelos manifestantes, com forte repercussão na mídia. Outra crítica endereçada ao presidente do STF é de que ele dá muitas declarações à imprensa, não se limitando a “falar nos autos”. O ministro rebateu dizendo que isso faz parte de sua missão institucional. “O que é falar nos autos quando se tem uma missão institucional? Não existem autos neste caso. O que temos que fazer é fixar diretrizes para o Judiciário como um todo. Quando encaminhamos um projeto de lei, recomendando uma mudança na legislação, não há autos, não há processo. É o chefe do Poder Judiciário assumindo suas responsabilidades”, enfatizou.

Ao ser acusado de “uma das mais contundentes vozes da direita conservadora brasileira”, Gilmar Mendes respondeu com um histórico das decisões e ações de sua gestão no STF e no CNJ. “No STF temos defendido um sistema eficiente de saúde pública para todos. Avançamos no que diz respeito à fidelidade partidária. Editamos a súmula das algemas, evitando assim abusos policiais notórios contra todos. Isso é política conservadora? No CNJ, os mutirões carcerários beneficiaram 20 mil pessoas. Na falta da assistência judiciária, nós lançamos a advocacia voluntária. Isso é política conservadora, de direita?”, indagou.

Uso de algemas

Em agosto de 2008, o STF aprovou uma nova Súmula Vinculante para restringir o uso de algemas. Gilmar Mendes justificou a necessidade do dispositivo pela “exposição excessiva, degradante, afrontosa à dignidade da pessoa humana” durante as operações policiais e até nos julgamentos. O STF havia concedido Habeas Corpus para um novo julgamento de um pedreiro acusado de homicídio, que permaneceu algemado durante todo seu julgamento perante o Tribunal do Júri. Para o presidente da Corte, “a súmula vai traduzir o pensamento de que a algema só se usa em caso de possibilidade de fuga, ou em caso de eventual possibilidade de agressão, tal como já vem se recomendando na doutrina, e também em certa legislação”.

Caso Daniel Dantas

Entre as suas decisões mais criticadas, por duas vezes o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar com alvará de soltura em favor do ex-banqueiro Daniel Dantas, preso pela Polícia Federal por determinação do juiz federal Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, na chmada Operação Satiagraha. Daniel Dantas respondeu inquérito da Polícia Federal por suposta prática de corrupção, crimes financeiros e desvio de verbas públicas. O ministro estendeu a liminar concedida em favor de Daniel Dantas, e concedeu alvará de soltura para outros 11 presos em conseqüência da mesma operação da Polícia Federal. Apesar de muito criticado por associações de classe e pela imprensa, o ministro teve sua posição referendada pelo próprio Supremo Tribunal, que no julgamento do mérito, confirmou seu entendimento no caso.

Escutas

O presidente do Supremo Tribunal Federal disse que foi alvo de perseguição, inclusive com informação divulgada na mídia de suposto jantar ocorrido entre assessores da Presidência da Corte e advogados do empresário Daniel Dantas – jantar que nunca ocorreu. Em setembro de 2008, o gabinete de Gilmar Mendes foi “grampeado” para escutas telefônicas. Em depoimento prestado à Polícia Federal no inquérito sobre escutas telefônicas ilegais, o ministro informou que “tanto no caso da Operação Navalha, quanto na Operação Satiagraha, revela-se o mesmo modus operandi. Por um lado, realizam-se escutas e monitoramento do relator dos habeas corpus, por outro, divulgam-se para a imprensa falsas notícias e informações, com o propósito de colocar o juiz em situação de descrédito e intimidação”.

Estado policial

Durante a crise desencadeada pelas ações da Polícia Federal na Operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas, o ministro Gilmar Mendes também desempenhou papel institucional para acabar com o que foi chamado de “estado policialesco”.

O presidente do STF criticou a quantidade de grampos e a pirotecnia das operação policiais que estariam expondo investigados às lentes das câmeras de televisão. “O Brasil quase descambou para um modelo circular diante daquelas ações estrepitosas da polícia. O senhores não podem imaginar a ações que ocorreram naquele tempo”, disse Mendes aos integrantes da CCJ do Senado, na semana passada.

Gilmar Mendes enfrentou o que ele próprio chamou de “quadro de intimidação” aos magistrados. Primeiro, teve seu nome propositalmente confundido com homônimo, para divulgar, “em retaliação”, o seu suposto envolvimento em investigação da Polícia Federal. Segundo o ministro, o investigado era Gilmar de Melo Mendes,”um velho conhecido da polícia. A confusão, portanto, não foi acidental”, afirmou.
“É fundamental que o presidente da República, que o ministro da Justiça e que o diretor da Polícia Federal ponham cobro a esse tipo de situação. É abusivo o que se vem realizando. Não é possível instaurar, no Brasil, o modelo de Estado policial. Nós repudiamos com toda a veemência. É necessário que nós promulguemos uma nova lei de abuso de autoridade – a lei é de 1965, do governo Castelo Branco, está totalmente defasada – para que nós possamos abranger esses novos tipos penais que se verificam a toda hora.

“A rigor, temos hoje uma capacidade quase que universal de praticar abuso de autoridade. No âmbito da Receita Federal, no âmbito da burocracia em geral, no âmbito da própria magistratura, no âmbito do Ministério Público”, disse Mendes. Para ele, é possível fazer um “inventário” que permita realizar uma revisão da lei de abuso de autoridade.

O ministro criticou a ação da Polícia Federal, que permitiu que as pessoas presas na Operação Satiagraha fossem filmadas no momento da sua custódia. Gilmar Mendes ressaltou que a questão central é de respeito aos direitos fundamentais, que são lesados também no Judiciário. República supõe a responsabilidade de todos”, ressaltou o presidente do STF.


Mutirões carcerários

Os levantamentos feitos sob coordenação do CNJ apontaram um cenário preocupante, onde foram detectados graves problemas no sistema prisional brasileiro e no conjunto de procedimentos ligados à execução penal. Entre eles, a ineficácia da pena; a impunidade; a superlotação carcerária com rebeliões rotineiras; o excesso de prisões provisórias em contraposição a milhares de mandados de prisão a cumprir; e a falta de acompanhamento ou descontrole na aplicação das penas e medidas criminais.

Diante desse quadro, Gilmar Mendes motivou juízes e promotores públicos a realizar um esforço conjugado para rever a situação dos presos, reduzir a população carcerária do país e dar-lhe um tratamento mais humano e justo. Lançou o programa Mutirão Carcerário, com o qual celebrou parcerias visando a transformação do modelo prisional.

Para justificar a necessidade dos mutirões, Gilmar Mendes considerou que a justiça criminal é falha em alguns dos seus sentidos, como no sistema de segurança pública. Uma das metas desse programa é diminuir o número de presos provisórios. O ministro revelou que o Brasil tem 44% dos seus 473 mil presos em regime de prisão provisória, sendo necessário acelerar o julgamento dos processos para evitar esse acúmulo, tanto no aspecto de direitos humanos, como de segurança pública.

Um ano e meio depois da instituições dos mutirões, já foram examinados mais de 116 mil processos de presos, concedidos mais de 35 mil benefícios previstos na Lei de Execução Penal, entre os quais mais de 21 mil liberdades. “Em outras palavras: por dia, 36 pessoas indevidamente encarceradas readquiriram o vital direito à liberdade”.

Outra meta é zerar o número de presos em delegacias. O presidente do STF considera “um quadro vergonhoso, transformar as delegacias em depósitos de presos”. Para isso, o ministro disse que terá de ocorrer pela criação de presídios e espera investimentos urgentes nesse setor.

A radiografia do sistema prisional revela um déficit de mais de 167 mil vagas, que cresce em média 7,11% ao ano, situação que se agrava com os milhares de mandados de prisão que ainda estão por cumprir. Com os mutirões, surgiram vagas equivalentes à capacidade de 50 presídios médios.

Começar de Novo

O Começar de Novo é hoje um projeto bem sucedido, uma parceria com as entidades estatais como um todo e com a sociedade, um plano de gestão da justiça criminal, coordenado e dirigido pelo CNJ.

O ministro informou que a meta é obter, até o fim deste ano, 10 mil vagas de trabalho ou de treinamento, dentro do programa Começar de Novo, destinado à reinserção do preso na sociedade e à redução da reincidência de pessoas que deixam a prisão. Até agora já foram obtidas 2.000 vagas.
O projeto Começar de Novo é importante instrumento para reduzir a reincidência criminal, que chega a 60% no país. A meta é reduzir e estabilizar a taxa para 20%.

Varas virtuais

Gilmar Mendes sempre se mostrou preocupado com a melhoria do sistema de justiça criminal e recomendou aos tribunais que priorizem o setor, como um tema de direitos humanos e de segurança pública. Para ele, a tarefa de acabar com a lentidão da justiça, passa por um monitorando o sistema judiciário, sobretudo a justiça criminal. Assim, criou um modelo de gestão do sistema de justiça criminal, incluindo a informatização do setor. A expectativa é de que as varas de execução penal virtual sejam instaladas pelo menos em 50% dos Estados, nos próximos 12 meses. O ministro conseguiu investimentos para alcançar 100% de informatização na área de execução penal, visando acabar com o obsoleto controle manual dos processos.


Por: Eurico Batista

Fonte: Conjur

Suspensão do processo pelo art.366 do CPP não pode implicar perseguição "ad eternum" - análise da Súmula 415 do STJ

Teor da Súmula 415 do STJ:

"O período de suspensão do prazo prescricional é
regulado pelo máximo da pena cominada".


Alguns precedentes da Corte Especial:

HABEAS CORPUS Nº 84.982 - SP (2007/0137297-0)
RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : THAIS JUREMA SILVA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : SÍLVIO CÉSAR RODRIGUES

EMENTA

PROCESSUAL-PENAL. AÇÃO PENAL. NÃO-ATENDIMENTO
À CITAÇÃO EDITALÍCIA. REVELIA. SUSPENSÃO DO
PROCESSO E DO CURSO DO LAPSO PRESCRICIONAL.
ART. 366 DO CPP. EXISTÊNCIA DE LIMITE PARA
DURAÇÃO DO SOBRESTAMENTO. PRAZO REGULADO PELO
PREVISTO NO ART. 109 DO CP, CONSIDERADA A
PENA MÁXIMA APLICADA AO DELITO DENUNCIADO.
PRESCRIÇÃO EVIDENCIADA. COAÇÃO ILEGAL
CONFIGURADA. ORDEM CONCEDIDA. EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE DECLARADA.
1. Consoante orientação pacificada nesta Corte, o prazo
máximo de suspensão do prazo prescricional, na hipótese do
art. 366 do CPP, não pode ultrapassar aquele previsto no
art.109 do Código Penal, considerada a pena máxima cominada
ao delito denunciado, sob pena de ter-se como permanente o
sobrestamento, tornando imprescritível a infração penal apurada.
2. Lapso prescricional referente ao delito denunciado preenchido.
3. Ordem concedida para, com fundamento nos arts. 107, IV
c/c 109, V, declarar a extinção da punibilidade do paciente,
pela prescrição da pretensão punitiva Estatal.



HABEAS CORPUS Nº 34.345 - SP (2004/0036387-4)
RELATOR : MINISTRO GILSON DIPP
IMPETRANTE : ORLANDO GONÇALVES DE CASTRO JUNIOR -
PROCURADORIA DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
IMPETRADO : PRIMEIRA CÂMARA DO TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL
DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : ELISIANO ALVES CAMELO

EMENTA

CRIMINAL. HC. DISPARO DE ARMA DE FOGO EM LOCAL
HABITADO. SUSPENSÃO DO PROCESSO NOS TERMOS DO ART. 366 DO CPP.
SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. LIMITE. PRESCRIÇÃO
CARACTERIZADA. ORDEM CONCEDIDA.
I . O art. 366 do CPP não fixa prazo máximo tanto para
o período da suspensão do curso processual, quanto
para a implementação do lapso prescricional.
I I .Admitir que a suspensão do prazo prescricional siga
indefinidamente significaria tornar imprescritíveis condutas
cuja punição abstratamente cominada seja branda.
I I I .O parâmetro para o limite da suspensão
do curso do prazo prescricional, em caso de suspensão
do processo nos termos do art. 366 do CPP, é aquele
determinado pelos incisos do art. 109 do Código Penal, a
dotando-se o máximo da pena abstratamente
cominada ao delito. Precedentes.
IV. Prescrição que deve ser reconhecida - considerando-se
a pena máxima cominada ao delito de disparo de arma de fogo
em local habitado e a menoridade do paciente – se, entre
o último marco interruptivo da contagem do prazo
prescricional e a presente data já transcorreu o
período de 02 (dois) anos.
V. Ordem concedida, para declarar extinta a punibilidade
do paciente, em razão da prescrição.


Em doutrina, assim se manifesta o Professor Dámasio E. de Jesus,
no Boletim IBCCrim, n° 42, p. 3, verbis:

"O prazo da suspensão da prescrição não pode ser eterno.
Caso contrário, estaríamos criando uma causa de imprescritibilidade.
As hipóteses que não admitem a prescrição estão enumeradas
na CF (ar. 5o, XLIV), não podendo ser alargadas pela lei ordinária.
Ora, permitindo-se a suspensão da prescrição sem limite temporal,
esta, não comparecendo o réu em Juízo, jamais ocorreria,
encerrando-se o processo somente com sua morte, causa extintiva
da punibilidade (CP, art. 107, I).

Se, em face do crime, o Estado perde, pelo decurso do tempo,
a pretensão punitiva, não é lógico que, diante da revelia,
pudesse exercê-lo indefinidamente. Por isso, entendemos que o
limite da suspensão do curso prescricional corresponde aos
prazos do art. 109 do CP, considerando-se o máximo da pena
privativa de liberdade imposta abstratamente.

Assim, p. ex., suspensa ação penal por crime de lesão corporal
leve (CP, art. 129, caput), o impedimento do curso prescricional
tem o termo máximo de quatro anos (CP, art. 109, V), i.e,
o prazo prescricional da pretensão punitiva só pode ficar
suspenso por quatro anos. Nesse limite, recomeça a ser contado
o lapso extintivo, que é de quatro anos, considerada a pena
máxima abstrata, computando-se o tempo anterior à suspensão.

Cremos constituir um critério justo. Se, para permitir a perda
da punibilidade pela prescrição o legislador entendeu adequados
os prazos do art. 109, da mesma forma devem ser apreciados como
justos na disciplina da suspensão do prazo extintivo da pretensão punitiva."


Por fim, sobre o tema assim se manifestam Luiz Flávio Gomes e
Silvio Maciel, em artigo puplicado no site Jus Navigandi:


(...)

É preciso ressaltar que a Súmula 415 está a dizer que a contagem da prescrição fica suspensa pelo prazo da prescrição em abstrato – consideradas as balizas do art. 109 do CP – e não pelo prazo da pena máxima cominada ao delito, conforme pode sugerir uma leitura desavisada do enunciado.

Assim, se o delito tem pena máxima cominada de 4 anos, a prescrição em abstrato se dá em 8 anos (art. 109, IV do CP) e a contagem da prescrição, portanto, ficará suspensa por esses 8 anos e não por 4 anos, que é o prazo da pena máxima cominada ao crime. Essa é a correta interpretação da Súmula 415, conforme se verifica pelos precedentes que a originaram. A propósito:

"Consoante orientação pacificada nesta Corte, o prazo máximo de suspensão do prazo prescricional, na hipótese do art. 366 do CPP, não pode ultrapassar aquele previsto no art. 109 do Código Penal, considerada a pena máxima cominada ao delito denunciado, sob pena de ter-se como permanente o sobrestamento, tornando imprescritível a infração penal apurada".
(STJ, HC 84.982/SP, rel. Min. Jorge Mussi, j. 21.02.2008)

(...)

(...) é certo que a Constituição estabeleceu, taxativamente, as hipóteses de imprescritibilidade - nos crimes de racismo e na ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático – exatamente para proibir a imprescritibilidade em qualquer outro delito, ressalvada a dos delitos contra a humanidade, nos termos do direito universal emanado da ONU. Trata-se de "silêncio eloqüente" da Constituição brasileira. Não tem sentido afirmar que o legislador ordinário pode tornar imprescritível um delito de desacato ou de furto.

Na clássica lição de Carlos Maximiliano, normas restritivas de direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente, para restringir ao mínimo o direito posto. É assim que deve ser interpretado o nuclear artigo 5º da Constituição. Se o dispositivo permitiu a imprescritibilidade apenas em duas hipóteses é porque a proibiu em qualquer outra.

Esperemos, pois, que o Supremo Tribunal Federal se curve ao entendimento da sua maioria e imponha um prazo final para o período de suspensão da contagem da prescrição estabelecida no art. 366 do CPP. Não só porque a suspensão pressupõe prazo final, mas porque essa exegese se coaduna melhor com o instituto da prescrição, que visa a impedir processos e execuções penais depois de anos ou décadas, quando já tenha desaparecido (completamente) o interesse social de
punição do infrator.


Por: Júlio Medeiros