Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

ÍNTEGRA DA DECISÃO - Ministro Celso de Mello reafirma validade de investigação conduzida pelo MP (clique aqui)

Fundamentado em jurisprudência do STF, especialmente em decisões da Segunda Turma da Corte, o ministro Celso de Mello destacou que, apesar de a presidência do inquérito policial caber à autoridade policial, nada impede que o órgão da acusação penal (Ministério Público) possa solicitar, à Polícia Judiciária, novos esclarecimentos, novos depoimentos, ou novas diligências, sem prejuízo de poder acompanhar, ele próprio, os atos de investigação realizados pelos organismos policiais.

Celso de Mello ressaltou ainda que “a atuação do Ministério Público no contexto de determinada investigação penal, longe de comprometer ou de reduzir as atribuições de índole funcional das autoridades policiais – a quem sempre caberá a presidência do inquérito policial – representa, na realidade, o exercício concreto de uma típica atividade de cooperação, que, em última análise, mediante requisição de novos elementos informativos e acompanhamento de diligências investigatórias, além de outras medidas de colaboração, promove a convergência de dois importantes órgãos estatais (a Polícia Judiciária e o Ministério Público) incumbidos, ambos, da persecução penal e da concernente apuração da verdade real”.

O ministro lembrou, no entanto, que nem o Ministério Público e nem a Polícia Judiciária estão autorizados a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao suspeito e ao indiciado, que não mais podem ser considerados meros objetos de investigação. “O indiciado é sujeito de direitos e dispõe, nessa condição, de garantias legais e constitucionais”, destacou.

Ele também ressaltou que a pessoa investigada tem o direito assegurado de ter acesso a toda informação já produzida e formalmente incorporada aos autos como provas, pois tais informações podem servir para sua própria defesa.

Ao concluir que a investigação por parte do Ministério Público reveste-se de integral legitimidade constitucional, o ministro negou o recurso para considerar válida a investigação promovida pelo Ministério Público fluminense.

Esse caso envolveu extensa investigação criminal promovida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro contra chefes do crime organizado, delegados de polícia e outros agentes policiais, supostamente envolvidos em práticas como corrupção ativa e passiva.

Envolvido na investigação, o empresário José Caruzzo Escafura teve negada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro alegação quanto à nulidade da investigação conduzida pelo Ministério Público – decisão que foi posteriormente confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça e contra a qual foi impetrado o RHC 83492 no Supremo.

Fonte: STF, em 23 de dezembro de 2010.

Redação final do Projeto de Lei do Senado nº 156/2009 – Projeto de CPP

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

REFORMA DO CPP - Ponderações pontuais

Por ocasião do envio do anteprojeto de Código de Processo Penal pela Comissão de Juristas ao Senado Federal, apresentei à Comissão de Acompanhamento das Reformas da Legislação Penal e Processual Penal da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) minhas primeiras impressões sobre o texto. Trata-se de notas sucintas cuja conclusão é uma só: um Código de Processo Penal que, no liminar do século XXI, ignore por completo exame de sangue ou de DNA, faça menção a fita cassete e a telégrafo, contravenha à jurisprudência do STF, afrouxe as regras da prisão provisória e se recuse a tratar das intervenções corporais (körperliche Eingriffe) – meios cruciais de obtenção de provas em qualquer ordenamento moderno (EUA, Alemanha, Portugal, Canadá, Federação Russa, etc) – parece nascer espelhado na notável condição de Benjamin Button, personagem do exótico conto de F. Scott Fitzgerald.

As observações abaixo se referem ao anteprojeto da Comissão de Juristas, não ao projeto ora aprovado no Senado. Esse projeto, embora represente substancial avanço com relação àquele que lhe serviu de base, está longe de atender às expectativas das sociedade brasileira. A tendência é que distancie mais e mais o processo brasileiro da experiência internacional, retirando-lhe efetividade e estendendo-lhe a duração. Procuraremos demonstrar isso no futuro.

***

ASPECTOS ESTILÍSTICOS

A redação é prolixa, gongórica e imprecisa (art. 1º, por exemplo). Usa-se a mesóclise no meio de frases (art. 123). Há erros de regência verbal (art. 27 § 2º). Há artigos e parágrafos gigantescos que poderiam ser desmembrados em preceitos autônomos (art. 37), frases mal construídas (no art. 168, por que não dizer simplesmente: “será permitido à testemunha breve consulta a apontamentos”?).

Sugestão de simplificação do texto, tornando-o mais conciso, claro e objetivo. Sugere-se igualmente:

a) a alusão a Subseção, ao lado de Comarca (arts. 104, 569 III, 588), uma vez que o CPP não se destina apenas à Justiça Estadual;

b) menção aos institutos, e não aos artigos da legislação extrapenal (arts. 80 § único; 110, 151 § 3º, 202 § 2º), evitando a perda de referência na eventualidade de modificação dos diplomas.

PRINCÍPIOS

Não há necessidade de enunciar princípios facilmente dedutíveis do sistema. Além disso, estão dispostos desordenadamente.

Sugestão: supressão dos arts. 2º, 3º e 4º.

Alternativa: aprimoramento redacional, na linha do CPP nicaraguense que se serve de técnica mais acurada na exposição de princípios.

DISPOSIÇÕES GERAIS DO TÍTULO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

O texto dos artigos é mal ajambrado. O art. 10 está mal situado. O art. 12 não menciona arquivos em suporte digital como opção – já endossada pelo STF - à vista dos autos físicos. Os arts. 13 e 14 necessitam de complementação.

Sugestão: reestruturação do capítulo, com desmembramento em Seções e/ou redistribuição dos artigos por outros capítulos do anteprojeto.

DURAÇÃO DO INQUÉRITO

São previstos dois prazos: 90 dias, com indiciado solto (art. 32 caput); 10 dias, como investigado preso (art. 32 § 2º). Em ambos os casos, são possíveis prorrogações. No caso de indiciado preso, a prorrogação do IPL é de apenas 10 dias (art. 15 § único), sob pena de relaxamento da prisão – possibilitando novas prorrogações. Estando solto o indiciado, não há prazo para a prorrogação.

Na Lei n. 11.343/06, permite-se a duplicação dos prazos. Ou seja, os 30 dias, no caso de indiciados presos, passam a 60; os 90 dias, caso estejam soltos, passam a 180.

Sugestões: a) adoção dos prazos previstos na Lei n. 11.343/06 no tocante aos inquéritos com indiciados presos; b) revogação dos prazos previstos em leis extravagantes, unificando-se as regras de duração dos inquéritos, nos termos do CPP; c) submissão dos inquéritos originados de requisição à regência de prazos do CPP.

INICIATIVA PARA REQUISITAR A INSTAURAÇÃO DE IPL

Sugestão: reincluir o juiz no rol de autoridades do art. 20 com poder de requisitar a instauração de inquéritos. Subsidiariamente, pode-se limitar o poder requisitório aos crimes contra o serviço judiciário, tal como já decidiu o STF, em sessão plenária.

AUTORIZAÇÃO PARA ABERTURA DE INQUÉRITO PENAL

O texto do art. 24 está de acordo com a jurisprudência do Supremo. Mas convém substituir a palavra “órgão do tribunal competente” por “relator do tribunal competente”. Órgão pode dar a ideia de colegiado, e não Magistrado singular. Os Ministros do STF e do STJ concedem autorização monocraticamente, sem oitiva prévia nem referendo dos colegiados.

AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE

O inquérito policial é iniciado por portaria ou APF – o anteprojeto exclui o auto de resistência. Se a Autoridade Policial encaminhar o APF à Justiça, como dará seguimento às investigações? Via de regra, há necessidade de colher outros elementos, expedir ofícios, requisitar FAC, requisitar laudos periciais, etc.

Sugere-se a substituição da expressão “enviando-lhe o auto de prisão em flagrante” (art. 26 II) por “enviando-lhe cópia do auto de prisão em flagrante” – tal como se dá hoje. Isso também vale para os arts. 63 § 1º e 541.

TRANSCRIÇÃO DE GRAVAÇÃO AUDIOVISUAL

O art. 30 § 2º faculta ao investigado e ao MP solicitar à Autoridade Policial a transcrição do interrogatório e dos depoimento da vítima e das testemunhas. O cumprimento dessa norma é inviável, devido à falta de pessoal. Na prática, a norma servirá de contraestímulo à adoção das novas tecnologias.

Propõe-se a supressão. Os interessados terão direito a uma cópia do arquivo digital, mediante fornecimento do meio, cabendo-lhes providenciar posteriormente a transcrição.

PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO (ART. 35)

Sugere-se a manutenção do atual sistema de controle jurisdicional do arquivamento dos autos do procedimento investigatório – tal como se dá na Alemanha, e em outros países – ou, subsidiariamente, a adoção do modelo relativo ao inquérito civil público: o órgão de execução do MPF (no âmbito federal) submete à Câmara de Coordenação e Revisão o arquivamento.

Recomenda-se o aperfeiçoamento da linguagem, na linha do CPC: arquivam-se os autos; encerra-se ou decreta-se o fim da investigação. A mesma correção é sugerida com relação ao art. 101.

ARQUIVAMENTO COM BASE NA PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA

Confere excessivo poder discricionário ao MP, já que lhe caberá – livre de controle do Judiciário – determinar a capitulação que lhe aprouver. A sugestão é suprimir o art. 37 ou, subsidiariamente, condicionar a promoção de arquivamento à valoração judicial.

IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL

Embora o texto reproduza o que já consta da lei vigente, sugere-se o aperfeiçoamento da redação do art. 43 II para deixar claro que documentos com fotografias antigas não impedirão a identificação criminal.

JUÍZO DISCRICIONÁRIO DO MP

No momento em que se busca estreitar e pôr sob severa vigilância o exercício da jurisdição, é ilógico e ofensivo à Constituição que se confira um tal “juízo discricionário” ao Ministério Público (art. 45 § único).

Sugere-se a supressão do dispositivo ou, ao menos, a substituição da expressão por outra que vincule o exercício desse poder a parâmetros concretos condizentes com o interesse público.

“AÇÃO” PENAL CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO

Tradicionalmente, essa matéria é regulada pelo CP. Sugere-se a supressão do art. 46, evitando imprópria sobreposição de normas.

PRAZOS PARA OFERECIMENTO DA DENÚNCIA

Com relação a casos multitudinários ou de alta complexidade, são irreais os prazos de 5 e 15 dias para propositura da demanda, estando o indiciado preso ou solto, respectivamente (art. 51 caput). Como esperar que o MP elabore, em prazo tão exíguo, uma consistente peça de acusação contra 30 ou 40 pessoas?

Sugestão: os prazos deveriam ser ampliados no texto da lei ou mediante fundamentação do órgão do MP, devidamente chancelada pelo órgão judiciário.

MOTIVO DE FORO ÍNTIMO

Por tratar-se de matéria versada na LOMAN, é supérfluo que o CPP disponha a respeito (art. 56 § único).

Sugestão: supressão.

INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE DEFESA

O art. 63 assume uma inoportuna e questionável posição doutrinária ao qualificar o interrogatório como meio de defesa. À lei cabe apresentar e regular os institutos; não qualificá-los. De mais a mais, a literatura comparada confere ao interrogatório natureza dúplice (Roxin, Kindhäuser), de meio de prova e de defesa, o que demonstra a necessidade de amadurecimento da discussão no seio da própria doutrina.

Sugestão: supressão da expressão.

PROSCRIÇÃO DE TÉCNICA INVESTIGATÓRIA

Além da dificuldade de determinar o alcance da regra, o art. 64 § 1º não tem amparo na jurisprudência. O anteprojeto se precipita ao adotar um ponto de vista ainda pouquíssimo discutido.

Sugestão: supressão do parágrafo, deixando a cargo dos Tribunais a definição.

TEMPO DE DURAÇÃO DO INTERROGATÓRIO POLICIAL

Dispositivo inoportuno que pode abrir margem a múltiplas arguições de nulidade nos casos de confissão extrajudicial ou esquecimento da Autoridade Policial.

Sugestão: supressão da segunda parte do art. 64 § 2º.

CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL

O art. 69 é descabido. Se o indiciado confessa e se assina no termo de interrogatório, torna-se inteiramente sem sentido exigir que se faça constar expressamente que ele assim agiu de livre e espontânea vontade. Novamente, abre-se inconveniente espaço para possíveis arguições e base para retratação na fase judicial.

Sugestão: supressão.

INTERROGATÓRIO JUDICIAL

O art. 71 confere ao MP e à defesa a faculdade de formular primeiramente as perguntas (cross examination). O juiz só poderá complementá-las. Tradicionalmente, o interrogatório é ato do juiz, no sentido de que lhe cabe formular primeiramente as perguntas ao réu. Não há por que alterar o modelo presidencialista que atua inclusive na proteção do acusado.

INTERROGATÓRIO A DISTÂNCIA

Incluir no rol do § 2º do art. 73 inciso permitindo o interrogatório por videoconferência de réu preso em outra Unidade da Federação.

Outra sugestão: supressão do advérbio “excepcionalmente”, no início do § 2º. Isso é óbvio: a regra já está no caput.

INGRESSO NO PROCESSO SEM INSTRUMENTO DE MANDATO

O artigo 74 deve ser suprimido porque permite que advogado sem procuração tenha acesso a autos sob segredo de Justiça – inclusive procedimentos de interceptação telefônica, quebra de sigilos, etc -, bastando que declare atuar em nome do indiciado. O requerente pode mentir para ter acesso a peças e usá-las indevidamente. O benefício que lhe pode advir – chantagem, coerção, divulgação pública – pode superar o risco de ser responsabilizado pela mentira. O dano à imagem da vítima ou à imagem do suspeito/indiciado/acusado pode ser irreparável. De mais a mais, o dispositivo também representa afronta à jurisprudência do STF, além de conflitar com a Lei n. 8.906/94 (art. 7º § 1º 1).

Sugestão: supressão do dispositivo ou alteração da redação para limitar o acesso do advogado aos autos sem segredo de Justiça – algo que a Lei n. 8.906/94 já lhe permite (art. 7º XIV e XV).

DECISÃO QUE DEFERE OU NÃO A ASSISTÊNCIA

No sistema brasileiro, declarar a decisão irrecorrível significa torná-la impugnável via HC ou MS. Ou seja: não resolve o problema. É preferível submetê-la ao regime do agravo, que está ajustado às peculiaridades do processo penal de conhecimento.

Sugestão: suprimir o art. 78, incluindo referência no elenco do agravo.

OITIVA DA VÍTIMA

A possibilidade de a vítima prestar depoimento em dia separado do dia reservado ao interrogatório (art. 89 VIII) deveria estar ligada à estrutura da audiência.

Sugere-se a regulação mais detalhada do tema no capítulo do procedimento.

ACESSO DOS ADVOGADOS À QUALIFICAÇÃO DA VÍTIMA

O § 3º do art. 89 manda que as autoridades tenham o cuidado de preservar o endereço e dados pessoais da vítima.

Para dotar de efetividade a regra, sugere-se que, no capítulo apropriado, excluam-se do direito à vista dos advogados tais informações, assim como endereço e qualificação das testemunhas de acusação. É possível inserir dispositivo determinando que esses dados, desde a fase administrativa, sejam colhidos em termos mantidos fora dos autos, em local seguro.

DISCIPLINA DA COMPETÊNCIA

O art. 93 é todo ruim, mas o § 3º se opõe à jurisprudência dominante. Sugestão: supressão do parágrafo ou alteração da redação.

O art. 95 trata de matéria sujeita à interpretação constitucional, atividade restrita aos órgãos do Poder Judiciário. O dispositivo ou repete aquilo que a jurisprudência já afirma (caput e § 2º) ou amplia inconstitucionalmente a competência da Justiça Federal (§ 1º) – índio como autor de crime, tomando-se como parâmetro a jurisprudência do STF. Sugestão: supressão do artigo.

PERPETUATIO DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA, CESSADO O EXERCÍCIO FUNCIONAL

O art. 114 afronta a jurisprudência do STF e investe o legislador, mais uma vez, na imprópria função de intérprete da Constituição.

Sugestão: supressão ou, subsidiariamente, alteração da redação no sentido da jurisprudência.

PRAZO DE 24 HORAS PARA O ESCRIVÃO

O prazo é inviável (art. 136). Além disso, não há escrivão na Justiça Federal. Sugere-se, assim, a supressão pura e simples do artigo ou a alteração da redação, substituindo-se escrivão por servidor, e acrescendo-se a expressão “salvo manifesta impossibilidade” ou “sempre que possível”.

PRAZOS PARA O JUIZ E PARA O MP

A inviabilidade também sugere a alteração dos prazos fixados no art. 137. Além disso, o artigos está mal estruturado, misturando temas diversos, como a forma de contagem do prazo para o MP. Os §§ 2º e 4º poderiam constituir artigos autônomos.

EXIGÊNCIA DE PRECATÓRIA PARA CUMPRIMENTO DE DILIGÊNCIAS

Na Seção Judiciária do Rio de Janeiro, não se deprecam mais a citação ou intimação dos réus ou testemunhas. O mandado, assinado eletronicamente, segue pelo sistema até a central de mandados da outra Subseção, onde será cumprido independentemente de despacho de um segundo juiz. O art. 139, alheio à modernização, insiste na exigência da precatória.

Sugestão: inserção de parágrafo excetuando a regra ou alteração da redação do caput.

PRECATÓRIA POR VIA TELEGRÁFICA

Ninguém mais usa isso (art. 141). Sugere-se a supressão do dispositivo ou remodelação para abrigar referência a meios eletrônicos

PROVAS URGENTES

A 2ª Turma do STF – Min. Peluso à frente – vem anulando sucessivamente os processos em cujos autos, após ter sido declarada a suspensão devido ao nãocomparecimento do réu citado por edital, foram inquiridas testemunhas. O entendimento é que prova testemunhal não é necessariamente urgente – poderá sê-lo, em algumas hipóteses restritas (art. 186).

O art. 147 repete a expressão “provas urgentes”, sem defini-la – assim como em outras passagens: arts. 186, 416. Sugestão: conceituar expresssamente provas urgentes, incluindo qualquer uma que possa desaparecer com o passar do tempo, e a testemunhal.

INTIMAÇÃO

Conviria especificar a forma de intimação pessoal, desdobrando o § 4º do art. 151 em dois artigos independentes – ou dois parágrafos.

De acordo com o STF, o defensor público, assim como o dativo, tem direito à intimação pessoal, mas não com vista dos autos.

NULIDADES

Além de verborrágico, o art. 154 é desmentido logo em seguida pelo art. 155. Sugere-se que haja alteração redacional e inversão da ordem dos preceitos: “fora dos casos previstos no artigo anterior [...]“.

COMPETÊNCIA RELATIVA

O art. 157 vai de encontro à jurisprudência atual do STF que permite a convalidação de atos decisórios praticados pelo juízo relativamente competente – inclusive decreto de prisão preventiva.

Sugestão: alteração redacional para refletir a posição do Supremo.

INDEFERIMENTO DE PROVAS

O art. 163 se refere às provas impertinentes e às irrelevantes. Sugere-se o acréscimo de três categorias: desnecessárias, inviáveis, protelatórias.

Algumas sugestões de conceitos: i) impertinente é a que não guarda relação lógica com o fato probandi; ii) irrelevante é aquela que não contribui razoavelmente para o esclarecimento dos fatos; iii) inviável é a prova cuja produção é impossível ou tão custosa que não se justifique; iv) desnecessária é aquela cuja produção é supérflua; v) protelatória é a prova escolhida em lugar de outra igualmente idônea cuja produção seria mais rápida.

ARQUIVAR PROVA EM CARTÓRIO

O art. 164 § único é inconveniente. Embora esteja claro que se refere à prova documental, pode causar alguma confusão quanto à custódia de armas, mercadorias e demais objetos. De outro lado, as Secretarias das Varas Federais não dispõem de espaço para o acautelamento indefinido de documentos.

Sugestão: acréscimo de documental e supressão de “em cartório”, deixando a cargo do Judiciário determinar os locais que receberão os documentos.

INTIMAÇÃO DE AUTORIDADES ESPECIAIS

Quanto ao art. 183, sugere-se a adoção do prazo de 30 dias para que a Autoridade com prerrogativa de prévio ajustamento de local, dia e hora com a Autoridade Judiciária, manifeste-se. De acordo com precedente do plenário do STF, após esse prazo ela perde a prerrogativa.

Sugere-se também a substituição de “juiz” por “Magistrado”, a fim de incluir os relatores dos processos de competência originária dos Tribunais.

Quanto ao § 1º, sugere-se a adoção dos critérios utilizados pelo Min. Joaquim Barbosa para intimar o Presidente e o Vice-Presidente da República, e o Presidente da Câmara dos Deputados, no caso Mensalão.

INTIMAÇÃO DE MILITARES E SERVIDORES

Sugere-se que os §§ 2º e 3º formem artigos próprios.

INQUIRIÇÃO VIA PRECATÓRIA

Sugerem-se algumas alterações no caput do art. 184. Primeira: inserção, ao lado de Comarca, de Subseção – ou município sede de Vara Federal. Segunda: estabelecimento de prazos mínimo e máximo, evitando assim invalidação da inquirição pelo STF, por excessiva “ligeireza”. Talvez de 30 a 120 dias, de acordo com a complexidade do caso e o número de testemunhas. Terceira: supressão, por antagonismo à jurisprudência do STF, da ordem de intimação das partes da data da audiência pelo Juízo deprecante.

CONDUÇÃO DA VÍTIMA?

O art. 187 § único manda aplicar as disposições da prova testemunhal à vítima. Isso significa que poderá ser conduzida coercitivamente? Seria de bom alvitre incluir regra expressa a esse respeito, pondo termo às controvérsias.

Sobre condução, também seria interessante elucidar se pode ser determinada pela Autoridade Policial ou pelo MP – para quem admita a condução da investigação pelo Parquet -, na fase pré-processual.

INQUIRIÇÃO DA VÍTIMA

Sugere-se uma reflexão mais detida sobre a conveniência da inquirição direta da vítima, especialmente nos crimes sexuais.

Sugere-se também o retorno ao sistema presidencial de inquirição com relação às crianças e adolescentes, como se faz na Alemanha, algo que o art. 189 § 2º não permite.

PROVA PERICIAL (ART. 197)

O anteprojeto repete os equívocos da Lei n. 11.690/08. Repito algumas observações que fiz sobre a falta de diálogo entre a disciplina do procedimento e da prova:

http://reservadejustica.wordpress.com/2009/09/22/prova-pericial-x-novo-procedimento-comum/

O ideal seria a reformulação de toda Seção V, tornando-a harmônica e congruente com a estrutura dos procedimentos comum ou especiais.

EXAME DE CORPO DE DELITO

Sugere-se discussão mais aprofundada sobre a conveniência de manutenção desse resquício do sistema de provas tarifadas (arts. 200/1) cuja observância a própria juriprudência do STF vem suavizando, ao longo dos anos.

REQUERIMENTO DE EXAME GRAFOTÉCNICO

A fim de facilitar o indeferimento de requerimentos descabidos, sugere-se a alteração do art. 214: “Letra e firma dos documentos particulares serão submetidas a exame pericial, quando houver séria dúvida sobre sua autenticidade”.

DEVER DE SIGILO

Propõe-se a supressão do art. 232, já que a violação de sigilo é punida pela legislação penal.

INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS

A ampliação do prazo da interceptação é positiva (até 60 dias), mas a limitação global de até 180 dias (art. 240 caput), ressalvado o crime permanente, não é compatível com a investigação de organizações criminosas ou, mesmo, com casos de continuidade delitiva. Sugere-se a eliminação desse limite.

Alteração cosmético no art. 242: em lugar do neologismo “disponibilizar”, a locução “pôr à disposição” ou o verbo “oferecer”.

Sobre o art. 244: não faz sentido falar de um “ato solene de inutilização”, pois os diálogos captados ficam gravados no sistema da PF e em DVDs. Bastaria um termo do Juízo dando ciências às partes da destruição do suporte físico e da expedição de ordem à PF para eliminação das gravações residuais.

A filtragem determinada pelo art. 246, embora positiva, é inexequível na prática. Não há pessoal para executá-la – especialmente considerada a realidade das Varas de competência mista. Sugere-se a supressão, ou a inserção de um “sempre que possível”.

O art. 247 alude a “fitas”, mas esse suporte físico já não é utilizado há anos. Sugere-se a supressão da expressão “fitas magnéticas”.

A ordem de ciência a todas as pessoas cujas conversas foram interceptadas será de custosa realização (art. 248). Sem falar naqueles interlocutores cuja identidade for desconhecida. Ainda há o risco de investigações interligadas serem prejudicadas por essa ciência. Sugere-se a supressão ou a inserção de um cláusula do tipo, “segundo o prudente arbítrio do juiz”, “quando não houver risco à investigação”, etc.

PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA

Convém refletir sobre a adoção dessa tese (art. 253 II) e sobre escolha mais adequada de palavras, pois o inciso III já se refere às condições para o exercício da ação.

SOBRE OS DEFEITOS DA DENÚNCIA

Sugere-se reflexão mais detida sobre a inserção de dispositivo que possibilite ao Magistrado intimar o acusador para oferecimento de emenda à denúncia ou à queixa, mais ou menos como se dá no processo civil. A opção ortodoxa entre receber e rejeitar é por demais radical, impondo dilações desnecessárias ao processo, permitindo o relaxamento inoportuno de prisão provisória e facilitando a consumação do prazo prescricional.

SURSIS PROCESSUAL

O anteprojeto repete o erro da Lei n. 9.099/95 e aglomera diversas regras em parágrafos de um único artigo. Sugere-se uma distribuição mais racional: 1) o caput do art. 254 ficaria isolado; 2) formariam artigos independentes: a) §§ 1º e 2º; b) §§ 3º, 4º, 5º; c) § 6º; d) § 7º.

EXTINÇÃO DO PROCESSO

Será necessária a inclusão do Capítulo III? As causas do art. 255 e 256 são as únicas cuja preclusão conduz à extinção do processo? A condenação também não leva à extinção do processo de conhecimento, uma vez transitada em julgado?

TESTEMUNHAS

Sugere-se o acréscimo de dispositivo ao art. 258 que permita ao acusador ou ao órgão jurisdicional suprimir endereço e certos aspectos da qualificação das testemunhas (número de identidade, de inscrição no CPF, filiação, etc), de modo a protegê-las de possíveis ameaças.

São oito testemunhas, mesmo que mais de um fato seja imputado ao réu (art. 258 § 2º). Note-se que no Caso Mensalão o relator entende que esse número se aplica a cada uma das acusações. Sugere-se o acréscimo de dispositivo disciplinando o tema: seriam 8, em regras, podendo o órgão jurisdicional admitir até o dobro, em caso de múltiplas e complexas imputações.

CITAÇÃO POR HORA CERTA

Foi abandonada pelo anteprojeto. Sugere-se sua reinserção (art. 261), com exclusão expressa dos acusados a cujo respeito esteja pendente mandado de prisão.

RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

Sugere-se a extensão do modelo de resposta preliminar do procedimento de competência originária dos Tribunais à disciplina do CPP, eliminando distinção ofensiva à isonomia constitucional. A interrupção do prazo prescricional se daria à data da propositura da demanda, desde que admitida essa. Isso implicaria alteração dos arts. 260/2, pelo menos.

FRACIONAMENTO DA AUDIÊNCIA UNA

Não só o número de testemunhas, mas também a multiplicidade de réus, a duração das inquirições ou interrogatórios, a ausência de testemunha crucial, etc, podem fundar a conveniência de desmembrar a audiência em vários atos. Sugere-se o acréscimo ao art. 265, § 1o, in fine, da expressão: “peritos, réus, ou por outro motivo relevante”.

O § 3o fala em nova audiência, rompendo a ideia de unidade. Além disso, prevê prazo curto – o que é duplamente inconveniente. Sugere-se a supressão do dispositivo.

O § 4o comete duas impropriedades: 1) sanciona a noção de que o réu só deverá comparecer aos atos do processo para reconhecimento, ao contrário do que se dá em outros países e em Cortes internacional – o réu sempre tem de comparecer, em respeito à majestade da audiência; 2) não excetua o réu domiciliado fora da área da Comarca ou Subseção – o que pode gerar exigências descabidas. Sugere-se o aprimoramento do texto, mantendo apenas a possibilidade de condução coercitiva de réu, domiciliado na Comarca ou sede da Subseção, que injustificadamente deixe de comparecer à audiência.

IDENTIDADE FÍSICA

Sugere-se a completa reformulação do art. 268:

a) em lugar de “instrução”, “audiência”;

b) acréscimo às exceções do caput das seguintes situações: férias, promoção, remoção, cessação da designação;

c) inserção de parágrafo prevendo que, sempre que vários juízes tenham presidido à audiência, competente para proferir sentença será aquele que a concluir, salvo se não houver colhido prova oral, caso em que o último juiz a fazê-lo será o competente.

PROCEDIMENTO DA LEI N. 9.099/95

Sugere-se correção de texto (art. 284, parágrafo único): “não se imporá a lavratura de auto de prisão em flagrante, nem se exigirá fiança”. Soluciona-se com isso a dúvida sobre o cabimento da prisão em flagrante, sem a qual a condução à Delegacia cairia no limbo, sem respaldo jurídico idôneo.

EMENDATIO LIBELLI

Os arts. 409 e 407 parecem conflitantes. Melhor seria eliminar do art. 409 e do art. 412 a vedação de valoração das agravantes e causas de aumento.

INTIMAÇÃO DO RÉU DA SENTENÇA

Sugere-se a alteração do art. 415 I, de tal forma que só seja obrigatória a intimação pessoal do réu no caso de sentença condenatória. Há precedentes do STF afastando a necessidade da intimação pessoal no caso de sentença absolutória.

QUESTÃO PREJUDICIAL

Ao tornar irrecorrível a decisão (e não despacho…) (art. 417 § 2º), o anteprojeto acaba por permitir a impetração de HC ou MS. Seria bem melhor admitir a interposição de agravo.

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA

O art. 431 deveria especificar tratar-se de arguição de incompetência relativa, uma vez que não há sentido de suscitar a incompetência absoluta fora da resposta à acusação (art. 433) – o que na prática acaba ocorrendo.

DEVOLUTIVIDADE DOS RECURSOS

Sugere-se que o § 2º seja alterado, limitando-se a devolutividade à dimensão da irresignação do recorrente: “o recurso da defesa devolve o conhecimento da matéria impugnada ao tribunal”.

FUNGIBILIDADE DOS RECURSOS

Sugere-se incorporar a jurisprudência do STF: “salvo má-fé, a parte não será prejudicada pela utilização de um recurso por outro, desde que interposto no prazo assinado para o recurso correto” (art. 451, caput)

PREPARO

Não seria apropriado excluir do art. 460 os processos decorrentes de acusação privada?

EMBARGOS INFRINGENTES

Propõe-se a extensão da legitimidade à acusação, tal como no CPPM, igualando as partes (art. 478).

NOMEN IURIS DO LIVRO III

Como nomen iuris do Livro III, em vez de “medidas cautelares” – na esteira dos CPPs do Equador e da Costa Rica, entre outros -, seria preferível utilizar o título de “medidas provisórias” ou “medidas de coerção penal” – tal como no CPP peruano. Isso evita possíveis discussões sobre a inidoneidade de fundamentos não cautelares da prisão preventiva, por exemplo – matéria ainda carente de desenvolvimento entre nós.

Vigoram as mesmas razões com relação aos arts. 513 e seguintes, e ao nome jurídico dos títulos insertos no Livro III.

EMPREGO DE ALGEMAS

Inserção de duas situações no art. 525, § 1º: natureza do crime praticado e condição do detido.

EXIGÊNCIA DE PRECATÓRIA PARA PRISÃO

A dinâmica das operações policiais realizadas simultaneamente em várias unidades da Federação é incompatível com a exigência letárgica de expedição de cartas precatórias. O STF já considerou mera irregularidade, não causadora de nulidade, a prisão sem precatória. Lembremos que as interceptações tampouco se sujeitam às precatórias.

Sugere-se dispositivo com redação inversa à do anteprojeto, permitindo expressamente que as diligências possam ser cumpridas em área fora da jurisdição do órgão jurisdicional, sem a necessidade de expedição de precatória (art. 531 caput).

PRISÃO ESPECIAL

Aparentemente, foi abolida (art. 535). Isso gera dois problemas: 1) é necessário frisar que Magistrados e membros do Ministério Públicos continuam a gozar da prerrogativa – pode haver certa resistência, devido à adoção da tese das leis complementares de conteúdo ordinário; 2) como ficam as leis extravagantes (Lei n. 8.906/94, por exemplo)? São revogadas implicitamente?

Convém aquilatar as vantagens e desvantagens da supressão do instituto e as possíveis implicações práticas – especialmente a restrição acentuada da decretação da prisão preventiva que poderá aflorar nos Tribunais.

PRISÃO EM FLAGRANTE

A figura do flagrante presumido, suprimido pelo art. 538, deveria ser restaurada. Sugere-se, portanto, a manutenção do atual texto. Lembremos que na maior parte dos países, a Polícia Judiciária e o Ministério Público podem determinar a prisão de um suspeito, fora do estado de flagrância e sem autorização judicial prévia. Assim é na Espanha (detenção) – por até 72 horas, salvo em caso de terrorismo, quando pode chegar a 10 dias -, na Alemanha, em Portugal, nos demais países da América do Sul, nos EUA, etc. Os garantistas brasileiros costumam se esquecer disso.

Não há necessidade de advérbio no art. 540 § 1º.

O § 3º repete velho erro, dando a entender que a Autoridade primeiro manda lavrar o APF e, depois, constata a fundada suspeita que autoriza a ratificação da prisão em flagrante do conduzido. Não é nem nunca foi assim. Melhor seria que o dispositivo disciplinasse o procedimento na sequência certa: primeiro se determina a fundada suspeita e, então, manda-se lavrar o APF.

Não é o APF, e sim cópia que deverá ser encaminhada ao juiz (art. 541 § 1º). Sem o original, a Autoridade não poderia dar seguimento às investigações. Sugere-se a correção.

Incluir no art. 543, I: “podendo decretar a prisão preventiva, caso cabível”.

PRISÃO PREVENTIVA

A Seção III, que trata da Prisão Preventiva, deveria ser toda refeita. Na linha dos Códigos modernos, os elementos de respaldo deveriam ser mencionados, um a um – fuga, perigo de fuga, ameaça a testemunhas ou a familiares delas, ameaças a agentes públicos ou a familiares deles, supressão, alteração, ocultação, manipulação de fontes de prova, perigo de reiteração ou de continuação, etc.

Supondo inviável essa discussão, pelo menos alguns aspectos deverão ser aperfeiçoados. No art. 544, caput, a substituição da expressão “prova da existência do crime e indício suficiente” por “fortes indícios da existência de crime e de autoria” eliminaria a dúvida quanto à suficiência dos indícios para fundar a existência do crime. A alteração está calcada em precedentes do STF.

Ainda no caput, seria de todo conveniente enxertar, entre os fundamentos, a periculosidade do agente – tal como previsto no Código de Processo Penal Militar, de 1969, e aceito pelo STF.

Os §§ 1º e 2º deveriam ser suprimidos. O primeiro antecipa discussão doutrinária. Quanto ao segundo, lembremos que alguns Ministros do STF aceitam a idoneidade da gravidade concreta do fato para fundar a prisão preventiva (RHC 95.000, HC 90.726, HC 90.515, HC 90.386, HC 89.491). O I FONACRIM, em seu enunciado 5, chegou à mesma conclusão, abonando a gravidade concreta e a periculosidade como fundamentos legítimos.

Proposta ousada seria permitir a prisão preventiva nos crimes culposos para garantia da instrução criminal e aplicação da lei penal (art. 545, I). Não há ofensa à proporcionalidade, mas, antes se impede que suspeitos perturbem a instrução probatória – corrompendo peritos ou testemunhas, por exemplo – ou fujam durante a investigação ou o processo.

PRISÃO PREVENTIVA PARA MAIORES DE 70 ANOS

Sugere-se a supressão do art. 545 III e IV por violação à isonomia e ao dever constitucional de proteção de bens jurídicos socialmente valiosos. Caso valesse tal regra, Josef Fritz, o austríaco que manteve durante 24 anos a filha encarcerada num porão, responderia solto ao processo. Além disso, tal restrição incentiva o recrutamento de idosos por facções criminosas, tal como hoje de dá no tocante a menores de idade. Idosos não são necessariamente inofensivos, compondo fração expressiva dos suspeitos por casos de abuso sexual de crianças.

PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA

Alteração da sistemática e dos prazos adotados pela Subseção II (art. 546 e ss). Propõe-se o máximo de 1 ano, podendo ser prorrogada duas vezes por 6 meses, até o término da instrução criminal. Daí até a formação da culpa ou pronúncia não seria contado prazo algum. O prazo seria reiniciado com o provimento de mérito. Após o julgamento da apelação, não haveria contagem de prazo.

Raros são os acórdãos que relaxam prisão devido à demora no julgamento de apelação. Não há necessidade de que a lei avance nesse campo. De mais a mais, a fixação desses prazos funcionaria de estímulo à interposição desregrada de recursos especiais ou extraordinários, e os correspondentes agravos de instrumentos, regimentais, embargos, etc, estimulando a adoção de expedientes procrastinatórios como forma de libertar o agente.

Seria apropriado esticar a periodicidade do art. 550, de 90 dias para 6 meses.

PRISÃO TEMPORÁRIA (ARTS. 551/4)

Sugere-se a preservação das regras atuais, com prazo de 30 dias para crimes hediondos ou assemelhados, e de 5 dias para os demais. Talvez se pudesse cogitar da duplicação de cinco para dez dias.

A pena de 12 anos como referência para a decretação da medida parece excessiva. Será mais fácil decretar a prisão preventiva que a temporária. Sugere-se a redução para 4 ou 8 anos.

FIANÇA

O nome já está errado: o que temos aqui é caução (garantia real, e não pessoal). Além disso, é impróprio dar por suficiente a declaração do afiançado – quem já estiver preso não terá receio algum de mentir para escapar às grades (art. 561, parágrafo único). Sugere-se a supressão.

CAUTELARES REAIS

Sugere-se a ampliação do elenco para incluir a suspensão de benefício previdenciário (art. 599).

HABEAS CORPUS

Supressão do § 3º do art. 639: confere aos órgãos do Judiciário atribuição que não lhe é própria.

O prazo para prestar informações deve ser ampliado de 24 horas para “em até 5 dias”. Não só a Autoridade Policial, mas os próprios juízes contra cujas decisões o HC for impetrado terão dificuldade em observar prazo tão exíguo. Note-se que o próprio anteprojeto estipula outro prazo para informações em MS (art. 658).

Nos tempos que correm, é aconselhável a supressão do art. 651.

MANDADO DE SEGURANÇA

Há recente disciplina legal. Parece despropositado instaurar a dualidade de regrações: uma para o cível, outra para o crime. Sugere-se a supressão pura e simples do Capítulo III.

JUIZ DE GARANTIAS (ART. 17)

Pondo de lado o debate teorético, trata-se de figura inviável na Justiça Federal, em vista do grande número de Subseções com apenas um ou dois Magistrados.

Sugere-se que fique à discrição dos Tribunais a implementação da regra: onde for possível, como na sede de algumas das Seções Judiciárias, haverá alternância entre os juízes ou a especialização de Juízos para supervisionar a condução das investigações. Salvo engano, já é o modelo adotado pela Justiça estadual de São Paulo.

Alternativamente, pode-se defender a mera supressão da regra (arts. 17, 678).

Por: André Lenart em 20 de dezembro de 2010.

Fonte: www.reservadejustica.wordperss.com

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

ADENDO: Habeas Corpus_Mudança de entendimento jurisprudencial_STJ (novembro de 2010)

HABEAS CORPUS

A mudança de entendimento jurisprudencial autoriza a concessão, de ofício, de habeas corpus que reitera pedido anteriormente negado pelo próprio órgão colegiado. A decisão é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que afastou a prática de falta grave como causa de interrupção da contagem de prazo para benefícios de execução penal do réu.

O primeiro pedido foi julgado em fevereiro de 2009, conforme a jurisprudência predominante à época. O segundo foi extinto, por reiterar os mesmos pedidos do anterior, no mesmo mês. Dias depois, a Turma alterou seu entendimento, em apertada maioria de três a dois. Passou a prevalecer a compreensão de que “a falta grave não deve ser considerada marco interruptivo para a contagem de prazos, incluindo a progressão de regime prisional”.

Em razão disso, a defesa recorreu da extinção do segundo pedido de habeas corpus. O ministro Og Fernandes reconsiderou sua decisão, indeferiu a liminar e determinou o seguimento da ação.

Ao decidir o mérito da questão, o relator considerou esgotada a prestação jurisdicional cabível ao STJ, restando a possibilidade de novo recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Porém, nada impediria a concessão de habeas corpus de ofício, por ser evidente o constrangimento ilegal.

A Turma decidiu não conhecer do habeas corpus e conceder de ofício a ordem a fim de afastar a prática de falta grave como marco interruptivo da contagem dos prazos para obtenção dos benefícios da execução penal. HC 137346

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

DECISÃO_Prisão preventiva assimétrica_Alvará de soltura clausulado (TJ/MT)

HABEAS CORPUS - PRISÃO EM FLAGRANTE - CRIME DE
CORRUPÇÃO ATIVA - PEDIDO DE RELAXAMENTO DE PRISÃO
INDEFERIDO - LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA NA INSTÂNCIA
DE ORIGEM - INCONFORMISMO - PRETEXTO DE ILEGALIDADE DA
PRISÃO PELA NÃO CONFIGURAÇÃO DO ESTADO DE FLAGRÂNCIA -
HIPÓTESE DE NITIDEZ DELITIVA E INDÍCIOS FUNDADOS DE AUTORIA -
UTILIDADE SOCIAL OU PROCESSUAL DA MEDIDA PREVENTIVA -
FALTA DE NITIDEZ - INCONTRASTÁVEL NECESSIDADE
INDEMONSTRADA - FUNDAMENTOS GENÉRICOS E ABSTRATOS
CONTIDOS NA DECISÃO - OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
DE PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DE OBRIGATORIEDADE DE
FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS - ARTS. 5º, LVII,
E 93, IX,DO TEXTO MAGNO - ORDEM LIBERATÓRIA CONCEDIDA.

A decisão que decreta a prisão preventiva stricto sensu deve
apoiar-se em elementos probatórios objetivos, ainda que típica
de um “juízo de risco”.

Aquela que se mostra assimétrica com os dados constantes dos
autos de inquérito policial quanto a realidade dos pressupostos
e das hipóteses de autorização estabelecidos na Lei Processual
Penal, revela-se como fundada no inaceitável subjetivismo judicial
decorrente da mera possibilidade genérica e abstrata de
sua imposição.

HABEAS CORPUS Nº 58217/2010
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL
TJ/MT, j. em 13 de julho de 2010.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Crime de trânsito (TJ/GO) - aplicação do princípio "in dubio pro reo"

O juiz em substituição na comarca de Cumari, Hugo Gutemberg Patiño de Oliveira, absolveu José Vieira de Oliveira, acusado de homicídio culposo contra João Justino Filho, em um acidente de carro. No dia 31 de dezembro de 2005, José dirigia um caminhão branco, marca volvo, no sentido Catalão (GO) - Uberlândia (MG), quando as duas rodas do último eixo traseiro se desprenderam do veículo ocasionando a colisão com um carro da faixa contrária, que transitava normalmente em sua mão de direção. Devido a gravidade do impacto, a vítima morreu no local.

Segundo laudo de vistoria, a ausência de peças (porca, trava, aranha, roela lisa e rolamento) no eixo do caminhão sugere que as rodas saíram porque uma porca se soltou. O Ministério Público alegou que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do denunciado que negligenciou os cuidados mínimos na manutenção do veículo.

Por sua vez, o magistrado afirmou “ser impossível exigir de uma pessoa de normal diligência a fiscalização diária e perene das condições de cada elemento componente de um veículo, seja ele de grande porte ou não”. Ele acrescentou ainda que há dúvidas se houve ou não negligência ou imprudência na conservação do caminhão. “Seria necessária uma análise quanto a possibilidade de não ser imputável ao acusado a culpa do acidente”, disse Gutemberg. Sendo assim, quando as provas contidas nos autos não são suficientes para afirmar a participação do acusado no fato, impõe-se a aplicação do princípio in dubio pro reo, ou seja, na dúvida decide-se à favor do réu.

O julgado é do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás

Dica de leitura: BEM, Leonardo Schmitt de. Direito Penal de Trânsito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010

Fonte: www.professordebem.blogspot.com

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Investigação com base em denúncia anônima. Quando é possível?

Recentemente o STJ publicou notícia sobre a consolidação do entendimento de que a denúncia anônima “exclusiva” não pode servir de base para a ação penal. De acordo com o Tribunal da Cidadania, a orientação fundamenta-se no raciocínio segundo o qual não se pode movimentar a polícia e o Judiciário tendo como base apenas uma notícia feita às ocultas, mesmo porque a própria Lei Maior veda o anonimato.


Abaixo transcrevemos alguns trechos de julgados neste sentido:


HABEAS CORPUS Nº 64.096 - PR (2006/0171344-7)

RELATOR : MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA

EMENTA

HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL, LAVAGEM DE DINHEIRO E CORRUPÇÃO. DENÚNCIA ANÔNIMA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IMPOSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. NULIDADE DE PROVAS VICIADAS, SEM PREJUÍZO DA TRAMITAÇÃO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. Hipótese em que a instauração do inquérito policial e a quebra do sigilo telefônico foram motivadas exclusivamente por denúncia anônima.

2. "Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedente do STJ" (HC 44.649/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 8/10/07).

(...)

3. (...) A delação anônima não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária, mas mera notícia dirigida por pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal).

(...)


RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 23.709 - RS (2008/0114937-1)

RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. DELITO PERMANENTE. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. DESNECESSIDADE. SUBSCRIÇÃO DO AUTO DE APREENSÃO POR DUAS TESTEMUNHAS. AUSÊNCIA. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. ERRO DE CAPITULAÇÃO. PEDIDO PREJUDICADO.

(...)

3. Não obstante seja a acusação anônima insuficiente para a abertura de inquérito policial, nada impede que ela dê ensejo a uma investigação preliminar e que, apurados os fatos, seja instaurado o inquérito policial e, posteriormente, a ação penal.

(...)


HABEAS CORPUS Nº 53.703 - RJ (2006/0023241-0)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

EMENTA

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. INQUÉRITO POLICIAL. INSTAURAÇÃO. "DENÚNCIA ANÔNIMA". SUPERVENIENTE COLHEITA DE PROVAS ANTES DA INSTAURAÇÃO DA FORMAL INVESTIGAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA. NOTÍCIA DE FALECIMENTO DE UM DOS PACIENTES. ORDEM PREJUDICADA EM PARTE.

1. A Constituição Federal veda o anonimato, o que tinge de ilegitimidade a instauração de inquérito policial calcada apenas em comunicação apócrifa. Todavia, na hipótese, a notícia prestou-se apenas a movimentar o Ministério Público que, após diligenciar, cuidou de, higidamente, requisitar o formal início da investigação policial.

(...)


No Supremo Tribunal Federal, a orientação é no mesmo sentido:



HC 84827 / TO - TOCANTINS

HABEAS CORPUS

Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO

Ementa

ANONIMATO - NOTÍCIA DE PRÁTICA CRIMINOSA - PERSECUÇÃO CRIMINAL - IMPROPRIEDADE. Não serve à persecução criminal notícia de prática criminosa sem identificação da autoria, consideradas a vedação constitucional do anonimato e a necessidade de haver parâmetros próprios à responsabilidade, nos campos cível e penal, de quem a implemente.

Neste caso, entendeu-se que “admitir a instauração da investigação com base exclusivamente em denúncia anônima daria guarida a uma prática atentatória contra a vida democrática e a segurança jurídica, incentivando a repetição do procedimento e inaugurando uma época de terror, “em que a honra das pessoas ficará ao sabor de paixões condenáveis, não tendo elas meios de incriminar aquele que venha a implementar verdadeira calúnia””.

Ressalte-se, entretanto, que a orientação para que não se deflagre investigação e/ou processo exclusivamente em denúncia anônima não quer significar que não se possa colher outras provas com base na denúncia apócrifa.

Conforme já nos manifestamos, para que um procedimento investigatório seja iniciado após diligências feitas com base em denúncia anônima, há que se destacar três momentos relevantes: (a) denúncia anônima; (b) diligências investigativas posteriores; (c) instauração do inquérito policial (ou adoção de alguma medida cautelar).

Presentes os dois primeiros atos, resulta legitimado o terceiro. O que não parece tolerável, e esta é também a orientação jurisprudencial como pudemos ver, é instaurar inquérito diretamente a partir da denúncia anônima, sem a realização das devidas investigações preliminares (para se apurar a veracidade mínima da denúncia).

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Investigação com base em denúncia anônima. Quando é possível? Disponível em http://www.lfg.com.br - 07 de dezembro de 2010.

Fonte: www.lfg.com.br

sábado, 4 de dezembro de 2010

Para Dias Toffoli, acusado de tráfico de drogas tem direito a liberdade provisória (veja a íntegra do voto)

Seguem trechos do voto:

"(...)

Em julgados da Segunda Turma os Ministros Celso de Mello e
Eros Grau, respectivamente, no HC nº 100.742/SC e no
HC nº 100.872/MG, firmaram entendimento a respeito da vedação
liberdade provisória aos crimes de tráfico de entorpecentes
e drogas afins, no sentido de que a referida proibição contraria
relevantes princípios constitucionais.

Ao deferir medida liminar no HC nº 100.742/SC, o Ministro Celso
de Mello consignou que “essa vedação apriorística de
concessão de liberdade provisória, reiterada no art. 44 da
Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera
incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito,
com a presunção de inocência e a garantia do due process,
dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República”
(DJe de 28/9/09).

(...)

Forçoso concluir que a inafiançabilidade não pode constituir
causa impeditiva da liberdade provisória, se considerados os
princípios da presunção de inocência, da dignidade da
pessoa humana,da ampla defesa e do devido processo legal.
Daí porque, diante de tais preceitos constitucionais,
a inconstitucionalidade do preceito legal
parece-me indubitável de dúvidas.

Aliás, cabe mencionar que a fiança, conforme estabelecido
no artigo 322 do CPP, em certas hipóteses,
poderá ser fixada pela autoridade policial, em razão de
requisitos objetivos fixados em lei, posto
que o instituto é de caráter eminentemente legal.

Já a liberdade provisória não, é ato privativo do Magistrado,
que aferirá seu cabimento sob ângulo da subjetividade do agente,
conforme manda o Código de Processo Penal em seuart. 310,
amoldado ao que dispõe o art. 5º, inciso LXVI, da Carta da República

(...) se o agente é preso em flagrante, acusado de
tráfico de drogas, atualmente, pela redação do art. 44 da
Lei nº 11.343/06, não poderá receber o benefício da
liberdade provisória, mesmo sendo primário, de bons antecedentes.

Contudo se este mesmo agente conseguir se furtar do
local do delito, apresentando-se posteriormente à autoridade policial,
sem a lavratura do auto de prisão em flagrante,
poderá permanecer em liberdade durante o curso do processo,
uma vez que o juiz não estará obrigado a decretar a sua prisão.

Veja a ilogicidade do sistema!

Parece-me incompreensível essa desigualdade de tratamento.
O ideal seria exigir sempre do juiz, nos crimes considerados
mais graves, sejam eles hediondos ou equiparados,
uma decisão devidamente fundamentada para
manter o agente preso ou não.

(...)

Portanto, no meu ponto de vista, a liberdade provisória
deverá ser analisada independentemente da natureza da
infração, mas em razão das condições pessoas do agente,
por se tratar de direito subjetivo garantido
constitucionalmente ao indivíduo.

Ademais, entendo que, se a Constituição Federal menciona que a
lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista.
Do mesmo modo os critérios para a concessão ou não da liberdade
provisória deverão estar harmonizados com as garantias
constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação
da negativa da liberdade provisória, ainda que se trate de
crime hediondo ou equiparado.

(...)"


Sexta-feira, 03 de dezembro de 2010.

Fontes: STF e Conjur

http://www.conjur.com.br/2010-dez-04/dias-toffoli-acusado-trafico-
direito-liberdade-provisoria

Por: Júlio Medeiros

Otimização da Atuação do Ministério Público no Tribunal do Júri

Apresento abaixo 10 medidas que reputo serem importantes para a otimização da atuação do Ministério Público no Tribunal do Júri:

1. Efetivo controle externo do inquérito policial, cujo objeto é o crime doloso contra a vida. Exemplo: requisição de diligências probatórias: prova técnica (laudo perinecroscópico, laudo de balística, laudo residuográfico, laudo toxicológico, laudo de lesões corporais, laudo complementar de lesões coporais, laudo de necropsia (registrando-se a compleição física, vestes, lesões de defesa), laudo de exumação, et al), prova oral (vítima, familiares da vítima, interrogatório do acusado, familiares do acusado, testemunhas, acareação, esclarecimento do períto, delação premiada) - se possível captada por meio de recurso audiovisual, reprodução simulada do fato etc.;

2. Apresentação de Denúncia objetiva. Considerando que a Denúncia é restrospectiva quanto aos fatos e prospectiva quanto às provas, deve o seu conteúdo ser objetivo, com a individualização da conduta, evitando-se a narrativa de minúcias. Estas devem ser exploradas oportunamente - debates e peças recursais;

3. Participação ativa e proeminente na instrução criminal, com formulação por escrito dos questionamentos previamente à audiência de instrução e não apenas ex improviso;

4. Efetiva filtragem da acusação na fase das alegações finais. Deve-se esquivar da “cultura da pronúncia” (escorada no famigerado in dubio pro societate). Logo, é imprescindível a presença de indícios suficientes de autoria (participação). Com efeito, processos com provas raquíticas reclamam uma postura do Ministério Público como de um filtro selecionador de julgamentos, em que buscará a pronúncia nos casos em que hajam provas suficientes (sérias e confiáveis) da materialidade e da autoria (participação). Impõe destacar que a impronúncia é um poderoso instrumento a serviço do Ministério Público e da sociedade, pois, surgindo prova nova, poderá ser reiniciada a persecução penal (art. 414 CPP). Prejudicial à ordem social é submeter processo anêmico a julgamento pelo Júri e ser cúmplice de um erro judiciário positivo, impossibilitando-se a punição do culpado, já que, nessa hipótese haverá óbice para a inauguração de um novo processo criminal;

5. "Vestir o processo", pois o que não está nos autos pode ainda estar no mundo. O membro do Ministério Público, com supedâneo nos artigos 422 e 479 do CPP, deve fomentar o conjunto probatório, requerendo diligências, arrolando testemunhas e juntando fotos e documentos, inclusive, com o escopo de delinear a biografia da pessoa vitimada;

6. Fiscalizar o cumprimento do disposto no parágrafo único do artigo 472 do CPP. Inclusive, na fase do artigo 422 do CPP, é recomendável requerer que o expediente a que se refere aquele artigo seja instruído também com os laudos, depoimentos e outras peças que entender serem importantes;

7. Depois de cumprido referido dispositivo, na forma do inciso VII do artigo 497 do CPP, deve ser requerido ao juiz-presidente que suspenda a sessão pelo período mínimo de uma hora para que os jurados analisem e obtenham ciência do conteúdo dos autos, pois, na condição de juízes, poderão amealhar dados processuais para fins de indagação durante a instrução em plenário, da compreensão da argumentação das partes e da votação dos quesitos (julgamento);

8. Exposição oral articulada e didática, observando-se o binômio razão-emoção. Peça oratória dividida em exórdio (saudação), enunciado (apresentação do fato sem detalhes), exposição (detalhamento do fato e análise das provas), refutação (demonstração da inconsistência da tese defensiva), confirmação (reafirmação da tese exposta, rebustecendo os argumentos com outros) e peroração (explicação dos quesitos e finalização marcante). Utilizar, como regra, a réplica;

9. Utilização de recursos audiovisuais. É conveniente o uso de data show – power point e/ou lousa para a apresentação de dispositivos legais, jurisprudência, doutrina, conteúdo processual e fotos;

10. Encerrados os debates e lidos os quesitos em plenário, requerer ao juiz-presidente, quando da submissão dos mesmos aos jurados, que se limite a informar-lhes que o monossílado (sim ou não) escolhido estará agasalhando a tese do Ministério Público e/ou da defesa.

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça em Mato Grosso e editor do blogue http://www.promotordejustica.blogspot.com/

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

STF - PRISÃO

HC N. 101.300-SP
RELATOR : MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. ROUBO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E APLICAÇÃO DA LEI PENAL. PRISÃO PREVENTIVA EMBASADA NA CONTEXTURA FACTUAL DOS AUTOS. RISCO CONCRETO DE REITERAÇÃO NA PRÁTICA DELITUOSA. ACAUTELAMENTO DO MEIO SOCIAL. PACIENTE QUE PERMANECEU FORAGIDO POR MAIS DE DOIS ANOS. ALEGAÇÃO DE FALTA DE PROVAS IDÔNEAS PARA A CONDENAÇÃO. ORDEM DENEGADA.

1. O conceito jurídico de ordem pública não se confunde com incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF/88). Sem embargo, ordem pública se constitui em bem jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo personalizado com que se dá a concreta violação da integridade das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes e drogas afins). Daí sua categorização jurídico-positiva, não como descrição do delito nem cominação de pena, porém como pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como imperiosa necessidade de acautelar o meio social contra fatores de perturbação que já se localizam na gravidade incomum da execução de certos crimes. Não da incomum gravidade abstrata desse ou daquele crime, mas da incomum gravidade na perpetração em si do crime, levando à consistente ilação de que, solto, o agente reincidirá no delito. Donde o vínculo operacional entre necessidade de preservação da ordem pública e acautelamento do meio social. Logo, conceito de ordem pública que se desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e do patrimônio alheio (assim como da violação à saúde pública), mas que se enlaça umbilicalmente à noção de acautelamento do meio social.

2. É certo que, para condenar penalmente alguém, o órgão julgador tem de olhar para trás e ver em que medida os fatos delituosos e suas coordenadas dão conta da culpabilidade do acusado. Já no que toca à decretação da prisão preventiva, se também é certo que o juiz valora esses mesmos fatos e vetores, ele o faz na perspectiva da aferição da periculosidade do agente. Não propriamente da culpabilidade. Pelo que o quantum da pena está para a culpabilidade do agente assim como o decreto de prisão preventiva está para a periculosidade, pois é tal periculosidade que pode colocar em risco o meio social quanto à possibilidade de reiteração delitiva (cuidando-se, claro, de prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública).

3. Na concreta situação dos autos, o fundamento da garantia da ordem pública, tal como lançado, basta para validamente sustentar a prisão processual do paciente. Não há como refugar a aplicabilidade do conceito de ordem pública se o caso em análise evidencia a necessidade de acautelamento do meio social quanto àquele risco da reiteração delitiva. Situação que atende à finalidade do art. 312 do CPP.

4. Não há que se falar em inidoneidade do decreto de prisão, se este embasa a custódia cautelar a partir do contexto empírico da causa. Até porque, sempre que a maneira da perpetração do delito revelar de pronto a extrema periculosidade do agente, abre-se ao decreto prisional a possibilidade de estabelecer um vínculo funcional entre o modus operandi do suposto crime e a garantia da ordem pública. Precedentes: HCs 93.012 e 90.413, da relatoria dos ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski, respectivamente.

5. No caso, a prisão preventiva também se justifica na garantia de eventual aplicação da lei penal. Isso porque o paciente permaneceu foragido por mais de dois anos.

6. A via processualmente contida do habeas corpus não é o locus para a discussão do acerto ou desacerto na análise do conjunto factual probatório que embasa a sentença penal condenatória. 7. Ordem denegada.

Informativo 606 do STF - Corrupção de menores para prática de mendicância e “abolitio criminis”


"Corrupção de menores para prática de mendicância e “abolitio criminis”

A 1ª Turma concedeu, de ofício, habeas corpus para trancar ação penal instaurada contra o paciente, pela suposta prática do crime de corrupção de menor (Lei 8.069/90, art. 244-B) e da contravenção penal de mendicância (Decreto-lei 3.688/41, art. 60). A defesa sustentava a abolitio criminis da imputação feita ao paciente, razão pela qual estaria extinta a punibilidade. Não obstante reconhecendo que a tese não teria sido aventada perante o STJ e que sua análise implicaria supressão de instância, considerou-se a particularidade do caso. Aduziu-se que o fato pelo qual estaria o paciente sendo processado seria corrupção de menores para a prática de mendicância. Entretanto, a partir da análise do art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, reputou-se que, para a consumação do delito nele previsto, far-se-ia necessário que o agente corrompesse ou facilitasse a corrupção de menor, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la. Assim, tendo em conta a revogação do art. 60 da Lei das Contravenções Penais pela Lei 11.983/2009, concluiu-se que a conduta do acusado não seria típica, visto que a mendicância perdera o status de infração penal."
HC 103787/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.10.2010. (HC-103787)

Trata-se de uma espécie de abolitio criminis indireta, já que o artigo 244-B é uma norma penal em branco. Enfim, sem o tipo de mendicância, a conduta anterior de corrupção deixou de ser penalmente relevante.

Decisão_STF_Celso de Mello_pedido cautelar em HC - Informativo 607 (denúncias genéricas)

EMENTA: CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. IMPUTAÇÃO PENAL DEDUZIDA CONTRA SÓCIOS DA EMPRESA. ACUSAÇÃO QUE DEVE NARRAR, DE MODO INDIVIDUALIZADO, A CONDUTA ESPECÍFICA QUE VINCULA CADA SÓCIO AO EVENTO SUPOSTAMENTE DELITUOSO. A QUESTÃO DOS DELITOS SOCIETÁRIOS E A INADMISSÍVEL FORMULAÇÃO DE ACUSAÇÕES GENÉRICAS. OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PLENITUDE DE DEFESA E DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
- A invocação da condição de sócio e/ou de administrador de organização empresarial, sem a correspondente e individualizada descrição de determinada conduta típica que os vincule, de modo concreto, ao evento alegadamente delituoso, não se revela fator suficiente apto a justificar, nos delitos societários, a formulação de acusação estatal genérica ou a prolação de sentença penal condenatória. Precedentes (STF).

DECISÃO: O E. Superior Tribunal de Justiça, ao denegar a ordem de “habeas corpus” impetrada em favor dos ora pacientes, reconheceu o acerto do acórdão emanado do E. TRF/3ª Região, no ponto em que a Corte regional enfatizou que “(...) o fato de a denúncia imputar a todos os co-réus, sócios da mesma empresa, idêntica conduta, não o fazendo de forma individualizada, não a torna inepta”, pois, “(...) tratando-se de crime societário, como o do artigo 1º da Lei 8.137/90, não se pode exigir que o órgão de acusação tenha, no momento de oferecimento da denúncia, condições de individualizar a conduta de cada co-réu, eis que tal participação somente será delineada ao cabo da instrução criminal”, motivo pelo qual “(...) a jurisprudência tem admitido, nos crimes societários, a mitigação dos requisitos da inicial acusatória, não se impondo a narração pormenorizada da conduta de cada um dos agentes (...)”(grifei).

A presente impetração, ao sustentar a ocorrência de injusto constrangimento ao “status libertatis” dos ora pacientes, apóia-se na alegação de inépcia formal da denúncia e de transgressão, por parte do Ministério Público, às garantias constitucionais que asseguram, a qualquer pessoa sob persecução penal do Estado, a plenitude do direito de defesa e a presunção de inocência, eis que, quanto a esta prerrogativa, incumbe, a quem acusa, o ônus de provar, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do agente.

Sendo esse o contexto, passo a apreciar o pedido de tutela cautelar ora deduzido nesta sede processual.

Tenho enfatizado, em diversos julgamentos proferidos no Supremo Tribunal Federal, que a denúncia deve descrever, de modo objetivo e individualizado, a conduta delituosa atribuída aos sócios e/ou administradores das empresas.

Mesmo que se trate do denominado “reato societario”, a participação individual de cada sócio (ou administrador) na suposta prática delituosa, alegadamente cometida por intermédio de organização empresarial, há de resultar de narração individualizada contida na peça acusatória (RTJ 163/268-269 - RTJ 165/877-878).

É que não basta, para satisfazer-se a exigência constitucional do devido processo legal, que o Ministério Público, ao deduzir imputação penal contra alguém, descreva-lhe, de modo genérico, a respectiva conduta, sob o argumento de que a responsabilidade do acusado, na prática de delitos societários, resulta do fato de ostentar a condição de sócio, de administrador ou de representante da empresa (RTJ 163/268-269, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal tem advertido que a circunstância de alguém meramente ostentar a condição de sócio ou de dirigente de uma empresa não pode justificar, só por si, a formulação, pelo Estado, de qualquer juízo acusatório fundado numa inaceitável presunção de culpa:

“SÓCIA QUOTISTA MINORITÁRIA QUE NÃO EXERCE FUNÇÕES GERENCIAIS - NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO DE DETERMINADO COMPORTAMENTO TÍPICO QUE VINCULE O SÓCIO AO RESULTADO CRIMINOSO.
.........................................................
A mera invocação da condição de quotista, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que vincule o sócio ao resultado criminoso, não constitui, nos delitos societários, fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório.”
(HC 89.427/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

A formulação de acusações genéricas, em delitos societários, culmina por consagrar uma inaceitável hipótese de responsabilidade penal objetiva, com todas as gravíssimas conseqüências que daí podem resultar, consoante adverte, em precisa abordagem do tema, o ilustre Advogado paulista Dr. RONALDO AUGUSTO BRETAS MARZAGÃO (“Denúncias Genéricas em Crime de Sonegação Fiscal”, “in” Justiça e Democracia, vol. 1/207-211, 210-211, 1996, RT):

“Se há compromisso da lei com a culpabilidade, não se admite responsabilidade objetiva, decorrente da imputação genérica, que não permite ao acusado conhecer se houve e qual a medida da sua participação no fato, para poder se defender.

Desconhecendo o teor preciso da acusação, o defensor não terá como orientar o interrogatório, a defesa prévia e o requerimento de provas, bem assim não terá como avaliar eventual colidência de defesas entre a do seu constituinte e a do co-réu. O acusado será obrigado a fazer prova negativa de que não praticou o crime, assumindo o ônus da prova que é do Ministério Público, tendo em vista o princípio constitucional da presunção de inocência.

A denúncia genérica, nos crimes de sonegação fiscal, impossibilita a ampla defesa e, por isso, não pode ser admitida.” (grifei).

Daí a objeção exposta pelo saudoso Ministro ASSIS TOLEDO, para quem “Ser acionista ou membro do conselho consultivo da empresa não é crime. Logo, a invocação dessa condição, sem a descrição de condutas específicas que vinculem cada diretor ao evento criminoso, não basta para viabilizar a denúncia” (RT 715/526 - grifei).

Vale ressaltar que esse entendimento tem merecido o beneplácito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (HC 80.549/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM - HC 85.948/PA, Rel. Min.AYRES BRITTO – RHC 85.658/ES, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 89.427/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

“‘HABEAS CORPUS’ - CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – RESPONSABILIDADE PENAL DOS CONTROLADORES E ADMINISTRADORES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - LEI Nº 7.492/86 (ART. 17) - DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI COMPORTAMENTO ESPECÍFICO E INDIVIDUALIZADO AOS DIRETORES DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - INEXISTÊNCIA, OUTROSSIM, DE DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS QUE VINCULEM OS PACIENTES AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA DENÚNCIA - PEDIDO DEFERIDO. PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO - OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA.
- O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático – impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado ‘reato societario’, a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa.
- O ordenamento positivo brasileiro – cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do ‘due process of law’ (com todos os consectários que dele resultam) – repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado. Precedentes.

AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA.
- Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes.
- Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (‘essentialia delicti’) que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente.
- Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu.
Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.”
(HC 84.580/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Essa, portanto, é a orientação que tem prevalecido, nesta Suprema Corte, em tema de persecução penal instaurada por suposta prática de delitos societários.

Cabe verificar, nesta fase, em juízo de sumária cognição, se a denúncia oferecida contra os ora pacientes satisfaz, ou não, os critérios que a jurisprudência constitucional desta Corte consagrou no tema em causa.

Tenho para mim, em juízo de estrita delibação, que a peça acusatória em questão, considerados os termos dela constantes, não se mostra, aparentemente, em harmonia com referida diretriz jurisprudencial.

Sendo assim, e tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, o curso do Processo-crime nº 2005.61.19.006525-3, instaurado, contra os ora pacientes, perante a 2ª Vara Federal da 19ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo (Guarulhos).

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 148.979/SP), ao E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região (HC 2009.03.00.017540-8/SP) e ao Senhor Juiz Federal da 2ª Vara Federal de Guarulhos/SP (Processo-crime nº 2005.61.19.006525-3).
Publique-se.
Brasília, 05 de novembro de 2010.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJe de 11.11.2010

Acórdão sobre violação ao art. 212 do CPP

Segue o link da decisão do TJ/RS, muito interessante a discussão.

Fonte: Blog devido processo penal.