Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

domingo, 26 de junho de 2011

Dicas_Direito Penal_MP/SP (Por: Cleber Masson)

Professor CLEBER MASSON* - Promotor de Justiça do Estado de São Paulo

Dicas:

• O examinador de Penal e ECA, Dr. Paulo Álvaro Chaves Martins Fontes, é um dos decanos do MP. Foi Corregedor Geral, entre 1999 e 2000. (02/06/11)

• Ele também é membro nato do Órgão Especial. Além disso, o Dr. Paulo é professor, já mais de 20 anos, de Direito Penal da PUC-SP. (02/06/11)

• Ele já foi banca de Penal, no 79º Concurso, de Penal. Sabem qual foi o tema da dissertação, na 2ª fase: Omissão Penalmente Relevante!!! (02/06/11)

• Lembram do art. 13, § 2º, do CP? Ficam algumas dicas: 1 - somente se aplica aos crimes omissivos impróprios, pois nos omissivos próprios ou puros, o dever de agir diz respeito a todas as pessoas. Lembre-se: crimes omissivos impróprios são também chamados de omissivos espúrios ou comissivos por omissão; 2 - o dever de agir existe em 3 hipóteses: a. dever legal, ou seja, aquele que emana da lei (ex: pais e filhos). (02/06/11)

Posição de garantidor, com qualquer outra origem, diversa da lei, que pode ser contratual ou não, e deve ser interpretada extensivamente; (02/06/11)

Ingerência, ou seja, quem com seu comportamento anterior criou o perigo, tem o dever de impedir a produção do resultado. Em síntese, quem causa o perigo deve impedir o resultado. Mas não basta o dever de agir. É preciso, também, o poder de agir no caso concreto. Em síntese quem tem o dever de agir necessariamente enfrenta situações perigosas, mas não é obrigado a ser herói. (02/06/11)


• Finalmente, vale recordar que nos crimes omissivos impróprios a adequação típica é mediata, pois é preciso complementar a tipicidade com o art. 13, § 2º, do CP. Ex: para a mãe que dolosamente matou a filha, por desnutrição, a imputação é: art. 121 c.c. 13, § 2º, "a", ambos do CP. (02/06/11)

• Vamos dar breves dicas de Processo Civil e Administrativo. Vocês sabiam que o examinador, Dr. Antonio Carlos Fernandes Nery, é irmão do Nelson Nery Jr., membro aposentado do MP/SP? (04/06/11)

• Sem dúvida alguma, vai cair bastante coisa sobre a Lei de Improbidade, mas as perguntas serão formuladas pelo Dr. Carlos Alberto de Salles. (04/06/11)

• Portanto, a principal matéria do Dr. Antonio Carlos Nery será processo civil. (04/06/11)

• A principal matéria do Dr. Antonio Carlos Nery será processo civil. Em Administrativo, recomendo os temas básicos: licitação, contratos administrativos, poderes e princípios da Administração Pública, etc. Em Administrativo, recomendo a leitura da obra de de Maria Sylvia Zanella de Pietro, Editora Atlas. Em síntese, questões mais complexas em Processo Civil, e mais simples em Administrativo. (04/06/11)

• Processo coletivo também vai ficar em Difusos. Em processo civil, o foco repousa nas questões tradicionais. (04/06/11)

• Vamos falar um pouco da única mulher da banca, a Dra. Monica de Barros Marcondes Desinano. O que acham? (06/06/11)

• Entre os 5 examinadores, ela terá o menor número de questões: 15! Serão 12 em Processo Penal, e 3 em Eleitoral. (06/06/11).

Em Eleitoral, o estudo do Código Eleitoral resolve, sem dúvida alguma. Além disso, como são apenas 3 questões, estrategicamente não vale a pena perder muito tempo com essa disciplina. Todas as questões, tenho certeza, serão respondidas com as disposições legais. Isso basta. (06/06/11)

• Em Processo Penal, vocês assistiram os debates no Damásio, no último sábado? A Lei 12.403/2011 entrará em vigor no dia 04/07. Logo, essa Lei vai ser cobrada na prova. (06/06/11)

Estudem fiança, liberdade provisória, prisão em flagrante e, principalmente, prisão preventiva. (06/06/11)

• Ainda há pouquíssima doutrina sobre essa lei, e nenhuma interpretação dos Tribunais Superiores. Vamos ler a lei com muita atenção. (06/06/11)

• A Dra. Monica é Procuradora de Justiça há pouco tempo, desde novembro de 2009. Desenvolveu parte da sua carreira na área Cível. Ela foi promotora de Acidentes do Trabalho, e assessora do CAO (Centro de Apoio Operacional) Cível. Desta forma, acredito em uma prova bem tradicional, abordando os pontos clássicos do Processo Penal: inquérito policial, ação penal, competência, sentença, recursos, nulidades e ações de impugnação. Um bom manual, o acompanhamento dos Informativos do STF e do STJ e a leitura do CPP são suficientes. (06/06/11)

• Quanto ao manual de processo penal, vale a pena um estudo completo. Até porque 1 mês depois vocês farão a 2ª fase, e a dissertação poderá ser de Processo Penal. (06/06/11)

• No MP, é preciso aprofundar muito 3 matérias: Direito Penal, Processo Penal e Difusos e Coletivos. (06/06/11)

• Nos Informativos, fiquem atentos nos julgados dos últimos 12 meses. E façam as provas anteriores, pois não há muito a inventar. (06/06/11)

• Estatuto da Criança e do Adolescente. A prova será elaborada pelo mesmo examinador de Penal. Serão 6 questões de ECA. Como estudar? Pela leitura da lei! Façam o seguinte: leiam o ECA nos próximos dias, e estudem novamente próximo à prova. Atentem especialmente às medidas de proteção e sócio educativas, bem como à colocação em família substituta. (08/06/11)

• Leituras atentas do Estatuto, não tem erro: 6 pontos garantidos! E, acredito, essa matéria não vai cair na 2ª fase. Ou seja, estudo simples e objetivo na primeira fase, e revisão para a fase oral. Estamos combinados? Com estas considerações sobre o ECA - repito, estudo direto, objetivo e eficaz.(08/06/11)

• Vamos falar um pouco sobre o Dr. Carlos Alberto de Salles. Ele terá o maior número de questões: 30! Isso mesmo: TRINTA!!! 14 de Difusos, 12 de Constitucional e 4 de Humanos. Em síntese, muita coisa. (08/06/11)

• O Dr. Salles é mestre e doutor em Processo Civil na USP, com ênfase em processo coletivo. Escreveu recentemente sobre arbitragem, mas isto não deve cair no MP. Ele gosta bastante de IC, ACP e teoria geral dos interesses metaindividuais. E, claro, estudem bastante Ambiental e Lei da Improbidade Administrativa. A propósito, o Dr. Salles defende a admissibilidade da ACP para efetivação de políticas públicas Leiam muito a Lei 7347/1985, a Lei 8429/1992, a Lei Orgânica do MP/SP - LCE 734/1993, e também o CDC - Lei 8078/1990. (08/06/11)

• Fiquem muito atentos nas regras do processo coletivo: legitimidade, litispendência, efeitos da sentença e coisa julgada, cumprimento da sentença, etc. Difusos é matéria que, em prova objetiva, costuma não apresentar dificuldade. Das 14, vamos garantir pelo menos 11 questões Estamos combinados? 6 de ECA e 11 de Difusos! Fechado? (08/06/11)

• E Direitos Humanos? Acho que ele vai relacionar com os direitos fundamentais. E atenção nos principais tratados especialmente no Decreto 678/1992 - Pacto de San José da Costa Rica. São apenas 4 questões, e uma obra resumida resolve. (08/06/11)

• Em Direito Constitucional, eu gabaritei minha prova com a matéria dada em aula, e pela leitura minuciosa da Constituição Federal. A dica é a seguinte: estudem a CF agora, e leiam novamente na semana anterior à prova. Não tem erro: 80% da prova estará lá, sem dúvida. (08/06/11)

• Os principais pontos de Constitucional: classificação das Constituições, Poder Constituinte, Direitos e Garantias Fundamentais, remédios constitucionais, direitos políticos e nacionalidade. E principalmente controle de constitucionalidade e processo legislativo. Eu acredito em uma questão: relação entre ACP e ADI no tocante à causa de pedir, o pedido e efeitos da coisa julgada. Ele também gosta da parte destinada à educação. Estudem com zelo. (08/06/11)

• Só uma lembrança: o MP tem legitimidade para tutelar interesse individual, desde que indisponível. Exemplos: vaga em creche e medicamentos. (08/06/11)

• Agora vamos falar de princípios do DP. Princípios são valores fundamentais, que inspiram a criação e a aplicação do Direito. (13/06/11)

Podem ou não estar positivados, e em qualquer caso são aplicáveis, desde que reconhecidos pela comunidade jurídica. (13/06/11)

• Os princípios, quando positivados, sempre antecedem as leis. São, portanto, o alicerce do ordenamento jurídico. Vamos falar de 3 princípios: a) Insignificância; b) Alteridade; e c) Ofensividade. Vamos lá? (13/06/11)

• Insignificância ou criminalidade de bagatela - Surgiu no Direito Romano, no âmbito do Direito Civil ("de minimus non curat praetor") (13/06/11)

• Sua incorporação ao DP se deve a Claus Roxin, na década de 1970. Para este princípio, o DP não deve se ocupar de condutas insignificantes compreendidas como aquelas incapazes de lesar ou ao menos colocar em perigo o bem jurídico penalmente tutelado. Para o STF, o princípio da insignificância funciona como causa supralegal de exclusão da tipicidade.

Embora presente a tipicidade formal (adequação entre fato e norma) não há tipicidade material (lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico). Para sua configuração, exigem-se requisitos objetivos, ligados ao fato, e também subjetivos, relacionados ao agente e à vítima. Para o STJ, não há um valor máximo (teto) para este princípio. (13/06/11)

• Sua incidência é possível em qualquer crime que seja com ele compatível, e não somente aos delitos patrimoniais. É o caso dos crimes contra a ordem tributária, nos quais o STF o admite quando o valor do tributo sonegado não ultrapassa R$ 10.000! Quase seu dinheiro da balada...(13/06/11)

Recentemente, o STF também admitiu o princípio nos crimes contra a Administração Pública. Mas cuidado: há crimes incompatíveis com este princípio: crimes contra a vida, roubo, extorsão, estupro, crimes da Lei de Drogas, crimes contra a fé pública, etc. (13.06.11)

• Lembre-se: quando incide o princípio da insignificância, o fato é ATÍPICO. A propósito, até o MP/SP admite este princípio. (13/06/11)

• Estes são os pontos principais. Vamos falar um pouco do princípio da alteridade?(13/06/11)

• O princípio da alteridade também foi desenvolvido por Claus Roxin. Sua mensagem é clara e também se relaciona ao conceito de bem jurídico. (13/06/11)

• Em poucas palavras, não há crime na conduta que prejudica somente quem a praticou. Destarte, não se pune a autolesão, o uso de drogas e a tentativa de suicídio (que não se confunde com tentativa da participação em suicídio). É errado falar em "crime do usuário de droga", pois o uso não é punível. Veja lá no art. 28 da Lei 11.343/2006: não há o verbo "usar"! Quem utiliza droga prejudica somente a si próprio! (13/06/11)

• Por fim, vamos ao terceiro princípio? É hora de falar do princípio da ofensividade, ou lesividade. (13/11/06)

• Já disse o STF: "O Direito Penal moderno é Direito Penal do bem jurídico". E daí podemos extrair o princípio da ofensividade. Como assim? (13/06/11)

• A atuação do DP só é legítima quando busca a tutela de bens jurídicos. O DP não se presta à proteção de valores éticos, religiosos, morais políticos, etc... Só há crime com a lesão, ou perigo de lesão, a bens jurídicos penalmente tutelados. (13/06/11)

• Então vamos lá. Nosso tema é aplicação da pena privativa de liberdade. Caiu muito em MP, magistratura e OAB. (20/06/11)

• A aplicação da pena é tarefa exclusiva do Poder Judiciário, e tem como fundamento o princípio da individualização da pena (CF, art. 5, XLVI) (20/06/11)

• Tem como pressuposto a culpabilidade. Se ausente a culpabilidade, incidem as medidas de segurança, e não as penas (reclusão, detenção ou prisão simples, esta última nas contravenções penais). O CP, em seu art. 68, "caput", adotou um critério trifásico, de Nélson Hungria. (20/06/11)

• Destarte, a PPL é aplicada em 3 fases, distintas e sucessivas: a) pena base; b) atenuantes e agravantes; c) causas de diminuição e aumento. (20/06/11)

• Cada fase deve ser analisada separadamente, sob pena de nulidade, por ofensa ao princípio constitucional da individualização da pena. (20/06/11)

• E cuidado: na pena de multa, e somente em relação a ela, o art. 49 acolheu o sistema bifásico, de Roberto Lyra. Atenção com isso! (20/06/11)

• Em síntese: trifásico para PPL; bifásico para multa. Não caiam em pegadinhas de provas! Agora, voltemos à PPL. (20/06/11)

• Na 1ª fase, incidem as circunstâncias judiciais ou inominadas (STF), previstas no art. 59, "caput", do CP. Vai a dica: nessa etapa, o juiz não pode ultrapassar os limites legalmente previstos. No homicídio simples, p. ex., a pena base não pode ser inferior a 6 nem superior a 20 (20/06/11)

• As circunstâncias são judiciais porque a lei não diz no que consistem. Esta tarefa é do magistrado. E só dele! (20/06/11)

Na segunda fase, incidem as atenuantes e agravantes. Aquelas estão indicadas em rol exemplificativo; estas, em rol taxativo, pois são prejudiciais ao réu. A lei não diz de quanto as agravantes aumentam, nem de quanto as atenuantes diminuem a pena. Mas a jurisprudência fixou um critério objetivo: 1/6. E atenção: na segunda fase, novamente, a pena deve respeitar os limites legais. Vejam a Súmula 231 do STJ (20/06/11)

• No concurso entre atenuantes e agravantes, em regra uma compensa a outra. Mas há circunstâncias preponderantes: CP, art. 67. Leiam!!! (20/06/11)

• Na terceira fase, aplicam-se as causas de diminuição e de aumento. Estão previstas na Parte Geral (genéricas) e na P. Especial (específicas) (20/06/11)

• Como identificá-las? São elencadas em quantidade fixa (ex: "a pena será aumentada de 1/3) ou variável ("ex: será diminuída de 1 a 2/3") (20/06/11)

• Como a lei prevê o aumento ou a diminuição, a pena pode romper os limites legais. Somente na terceira e última fase isso é possível! (20/06/11)

• Na hipótese de pluralidade de causas de aumento ou de diminuição, aplica-se a regra do art. 68, p. único. Leiam com atenção! E decorem!!! (20/06/11)

• E agora uma pergunta típica de exame oral: As QUALIFICADORAS incidem em qual fase da aplicação da pena? Vcs tem 5 segundos... (20/06/11)

• Resposta: em NENHUMA delas! Como? As qualificadoras antecedem a aplicação da pena! O juiz opta entre o crime - simples ou qualificado – e depois começa a aplicar a pena. Peguei muitos de vocês! Mas tudo bem, agora não tem erro na prova, e é isso que importa! (20/06/11)

• Importante: para a jurisprudência, se a pena for aplicada no mínimo legal, o juiz não precisa fundamentá-la. Isso criou, na linguagem do STF, a "cultura da pena mínima". Nos concursos do MP, não adotem essa posição. Digam que o juiz sempre deve fundamentar a pena! (20/06/11)

• Essa também é boa: O que se entende por REDIMENSIONAMENTO da pena? Dica: cuida-se de terminologia do STF (20/06/11)

• Redimensionamento da pena é a tarefa da instância superior, que consiste em ajustar a pena aplicada de forma equivocada. Lembrem disso! (20/06/11)

• Depois de aplicada a pena, o que o juiz deve fazer? Ir embora pra casa? Não, é preciso fixar o regime inicial de cumprimento da pena. (20/06/11)

Lei de prisão cautelar pode mudar feição do Judiciário (por: Ali Mazloum)

Começam a pulular acerbas críticas à nova sistemática de prisão cautelar (flagrante e preventiva). A partir do próximo 4 de julho,com a vigência da Lei 12.403, o processo criminal poderá mudar a cara do Judiciário. Avaliações preliminares indicam que cerca de cem mil presos serão imediatamente colocados em liberdade. Para alguns, a Lei inviabilizará a decretação da prisão preventiva, permitindo que autores de delitos graves permaneçam soltos durante o processo. Além disso — o que já não é pouco — praguejam contra as inovadoras medidas cautelares, que despontam como alternativas ao cárcere antes da condenação definitiva. O Estado, argumentam esses críticos, não terá condições de fiscalizá-las. Enfim, proclama-se a coroação da impunidade no Brasil.

Os dotes da nova Lei, porém, não podem ficar obnubilados pelo pessimismo incauto. As mudanças são boas e vêm de encontro ao degradante e crescente “populismo judicial”, que fez da fama ou fortuna do acusado requisito de prisão cautelar. É alvissareira a lei. Obrigará o juiz a estudar autos de flagrante e decidir, desde logo (artigo 310), pelo relaxamento da prisão, quando ilegal; pela conversão do flagrante em prisão preventiva, na hipótese de ineficácia — inadequação ou insuficiência — da medida cautelar; ou, pela concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança.

O conteúdo misto das normas estabelecidas pela lei acarretará a aplicação imediata dos dispositivos de natureza processual, sem prejuízo dos atos anteriores, ao mesmo tempo em que retroagirá quanto aos normativos penais benéficos. Portanto, com a vigência das novas regras, juízes e tribunais deverão imediatamente chamar à conclusão todos os feitos (inquéritos e processos) envolvendo prisão provisória para a indeclinável confrontação com o nascituro modelo.

Perceba-se a sutileza da mudança: os presos que deixarão imediatamente o cárcere, ao contrário do que pregam os antagonistas da lei, serão justamente aqueles que nele não deveriam estar. Para os casos realmente necessários, caberá ao juiz fundamentar, concretamente, os motivos que recomendam a prisão do agente antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Por outro lado, a nova sistemática confere ao Estado maior controle sobre o indiciado ou réu. Se entre a liberdade e a prisão nada mais havia, doravante o juiz terá à sua disposição um elenco de nada menos que nove medidas cautelares (artigo 319) de alto impacto pessoal e social. Perceba-se: as medidas cautelares funcionarão como uma espécie de “período de prova preventivo” durante o processo. O descumprimento de obrigações impostas renderá ensejo para o decreto prisional.

A sociedade poderá ficar mais tranquila sabendo que um possível culpado, solto, estará sendo monitorado durante o processo, ao mesmo tempo em que um presumido inocente não será levado à prisão injustificadamente. Esse é o paradigma constitucional. Desde 1988, nossa Carta Política impõe ao Estado que ninguém seja levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade (inciso 66 do artigo 5º), presumindo-se inocente o agente enquanto não passar em julgado a sentença condenatória (inciso 57 do artigo 5º). A prisão é a ultima ratio.

Enfatize-se, por conseguinte, que a lei não acaba com a prisão preventiva como apregoam os mais afoitos. Será ela de três tipos: inicial, derivada e substitutiva. Inicial quando decretada durante a investigação ou processo; derivada se resultar da conversão do flagrante; e, substitutiva, em lugar de medidas cautelares descumpridas pelo agente.

Os pressupostos, como antecedente indispensável à aplicação da medida extrema, passam a ser de três ordens cumulativas: prova da existência do crime, indícios sérios de autoria (artigo 312, in fine) e ineficácia — inadequação ou insuficiência — das medidas cautelares (artigo 282, parágrafos 4º e 6º, c.c. artigo 312, parágrafo único). Os requisitos da preventiva, como exigência de validade do ato, continuam os mesmos (artigo 312, 1ª parte) e são alternativos: garantir a ordem pública ou econômica, assegurar a aplicação da lei penal, ou necessidade da instrução criminal.

Presentes as citadas hipóteses, alguma das seguintes condições haverá de estar presente (artigo 313), alternativamente: prática de crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos; ou prática de crime doloso punido com pena privativa de liberdade, possuindo o agente condenação definitiva anterior por crime doloso; ou para garantir a execução de medida protetiva aplicada em crimes envolvendo violência doméstica e/ou familiar; ou, por último, em face de dúvida séria e fundada sobre a identidade civil do autor do crime, que se recusa a solvê-la.

Em situações excepcionais, a prisão preventiva poderá ser substituída pela prisão domiciliar (ex. idoso ou gestação de risco). A liberdade, com ou sem fiança é a regra. O instituto da fiança ganha status de medida cautelar e prestigia sobremaneira a vítima, que nela poderá buscar a reparação dos danos sofridos (artigo 336). O valor da fiança é expressivo e alcançará, em algumas situações, a considerável cifra de cento e seis milhões de reais (artigo 325). A prudência, circunstâncias do fato e condições do agente nortearão sua fixação.

A Lei 12.403/2011 constitui, sem dúvida alguma, um avanço e importante instrumento de Justiça. Caberá ao Poder Judiciário traçar estratégias e aplicá-la com vontade e criatividade, para dela extrair o máximo de efetividade. Não se deve aguardar por ações de outros órgãos ou instituições. A nova lei, enfim, poderá mudar a cara e a imagem da Justiça Criminal, que ainda deve à sociedade presença mais marcante com o fito de desestimular a crescente criminalidade e acabar com o sentimento de impunidade que grassa no país.

sábado, 25 de junho de 2011

Dignidade da pessoa humana

De acordo com Guilherme de Souza NUCCI "a dignidade da pessoa humana é a meta maior na caminhada pelo aperfeiçoamento interior, motivo pelo qual não devemos nos basear em nossos próprios defeitos ou falhas, mas, sim, pela perfeição, composta, dentre outras virtudes, pela razoabilidade, sensibilidade e moderação de sentimentos.

E, ainda assim, assinala o ilustre doutrinador: "O mundo jurídico não difere do real; em verdade, neste está inserido. A solidariedade e a fraternidade compõem a incessante busca pelo aprimoramento humano, constituindo o princípio mais relevantes no horizonte do Estado Democratico de Direito".

Em suma, para o Desembargador do TJ/SP a dignidade da pessoa humana envolve sensibilidade e razão, em interligação funcional, para alcançar o respeito integral ao valor do ser humano, compondo-se de garantias mínimas para a sobrevivência apropriada e para a sustentabilidade de sua autoestima.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Ação da vítima a próprio risco e a tipicidade material

Luiz Flávio Gomes*

Não há desaprovação da conduta na “ação da vítima a próprio risco” (leia-se: quando a vítima auto-responsável se autocoloca em risco, praticando ela mesma a conduta perigosa): overdose em ação coletiva, em que a própria vítima é que exagera na sua dose e morre. Os outros participantes desse fato não respondem pela morte, mesmo porque ninguém desejava a morte de qualquer um dos integrantes do grupo. De se observar que esses participantes não respondem pelo fato porque a conduta perigosa (e lesiva) foi praticada pela própria vítima.

A autocolocação em perigo pressupõe ato da própria vítima, ou seja, é ela que pratica a conduta perigosa. Não há conduta perigosa gerada por um terceiro. O fato de esse terceiro estar junto com a vítima, por si só, não lhe pode gerar responsabilidade penal. Não é desaprovada (do ponto de vista do bem jurídico vida) a conduta de quem, coletivamente, está ingerindo substância entorpecente.

Desde que se trate de pessoas auto-responsáveis, cada um só responde pelo seu delito (posse ou porte de drogas). Mas nenhuma pessoa do grupo é responsável pela autocolocação da vítima auto-responsável em risco, que veio a falecer em razão de ato próprio.

A isso Roxin denomina “imputação ao âmbito de responsabilidade da vítima”. Tem incidência, portanto, o princípio da autorresponsabilidade (da vítima).

Um outro exemplo: vítima que participa de um “racha” e, por sua inabilidade, vem a se acidentar e morrer. Aqui existe uma “ação a próprio risco” (ou seja: a vítima se autocoloca em risco diante da própria conduta). Os demais participantes do “racha” não devem responder pelo resultado morte (do companheiro), visto que foi a própria vítima que assumiu o risco e acabou morrendo em razão de conduta própria. Os participantes do “racha” só podem ser punidos pelo delito respectivo (CTB, art. 308).

Outro exemplo: da vítima, em Cuiabá, naquela festa de formatura, que se atirou por conta própria na piscina local, depois de ter ingerido bebida alcoólica (STJ, HC 46.525).

Diferente é a hipótese da “roleta russa”. A vítima se autocoloca em risco e acaba morrendo em razão da própria conduta (suicídio), mas todos que participaram do fato respondem por essa morte (induzimento ou instigação ou auxílio ao suicídio – CP, art. 122). O bem jurídico visado (ou em risco) na “roleta russa” é a vida. Todos têm ciência do risco para esse bem jurídico.

Na overdose ninguém quer a morte de qualquer integrante do grupo. No “racha” ninguém quer a morte de qualquer participante. Todos querem fazer uso de droga (e nada mais). Todos querem se emocionar com a “velocidade” (e nada mais). Ninguém, na overdose, induziu a vítima a se suicidar. Ninguém queria o suicídio. Na “roleta russa” o propósito de suicídio de um dos integrantes do grupo é inequívoco.

A teoria que acaba de ser exposta não pode ser aplicada no exemplo do atirador de facas no circo porque, nesse caso, é o atirador que gera o risco (ou seja: que pratica a conduta geradora de risco mortal). A vítima, nesse caso, expõe-se ao perigo, mas isso não basta.

A teoria em destaque só tem aplicação quando, além disso, é a própria vítima que pratica a conduta geradora do resultado. No exemplo da overdose foi a própria vítima que se excedeu (gerando sua própria morte). No caso do atirador de facas é ele o responsável pela conduta fatal. Logo, responde por essa morte.

E se o empregado se nega a usar o equipamento de proteção individual entregue pelo empregador, vindo a falecer? A negativa do empregado, nesse caso, não pode ter valor jurídico porque ninguém pode dispor do bem jurídico vida arbitrariamente. O consentimento da vítima, quando é o bem jurídico vida que está jogo, não pode conduzir a uma morte arbitrária.

A lei das medidas cautelares alternativas é um avanço ou um retrocesso? Hermenêutica e pré-compreensões


Luiz Flávio Gomes

A Lei 12.403/11, que dispõe que o juiz, antes de decretar a prisão preventiva, deve analisar se cabíveis outras medidas cautelares alternativas, constitui um avanço ou um retrocesso? Dois grupos (ideologicamente definidos) já se formaram: para quem concebe que não existe direito penal sem cadeia a lei é um retrocesso. Para os que veem a cadeia como a “extrema ratio” (extrema medida) da “ultima ratio” (que é o direito penal), a lei é digna de aplausos.

A nova lei (de acordo com nossa visão) nada mais faz que enfatizar o que já se extrai da CF: a liberdade é a regra, a prisão é exceção. Para se prender alguém presumido inocente é preciso que todos os requisitos da prisão preventiva estejam presentes.

Por que uma mesma realidade (uma única lei) permite pontos de vista tão díspares, tão antagônicos? É que cada um interpreta a mesma realidade de acordo com sua peculiar visão (conservadora, liberal, extremista, pragmática, eficientista, garantista etc.).

O aplicador da lei não foge (em geral) dessa regra: “também ele deve interpretar e ao interpretar estará fazendo a partir de sua circunvisão, de sua perspectiva, que parte de uma compreensão, que só subsiste a partir de uma pré-compreensão.” (Heidegger).

Sob o título “A pré-compreensão e a compreensão na experiência hermenêutica”, há um texto de Amandino Teixeira Nunes Junior na internet (Jus Navegandi, visitado em 18.06.11), que analisa a hermenêutica (teoria da interpretação) na visão de Heidegger e Gadamer.

O que se pode extrair desse bem escrito trabalho é o seguinte: nós, como intérpretes, em regra não somos isentos, neutros. O intérprete já possui uma pré-compreensão (guiada por uma ideologia) daquilo que vai interpretar. Se o intérprete não abre espaço para a alteridade do texto (para a outra visão da questão), como diz Gadamer, o resultado da interpretação só pode atender aquilo que já estava pré-concebido. Primeiro decidimos de acordo com nosso inconsciente (que é uma força incontrolável, como dizia Freud), para depois fundamentar a nossa posição pré-estabelecida.

O intérprete “já possui uma pré-compreensão daquilo que vai interpretar, inclusive das palavras que irá usar. Essa pré-compreensão está adstrita à circunvisão dele mesmo e, à medida que se chega ao compreendido (aquilo que se abre na compreensão), este se torna de tal forma acessível que pode explicitar-se em si mesmo “como isso ou aquilo” e este “como” constitui a própria estrutura da explicitação do compreendido, a interpretação.”

A interpretação “parte de uma estrutura prévia caracterizada (posição prévia, visão prévia, concepção prévia) adstrita à circunvisão do intérprete. Como afirma Heidegger: “A interpretação de algo como algo funda-se, essencialmente, numa posição prévia, visão prévia e concepção prévia. A interpretação nunca é a apreensão de um dado preliminar isenta de pressuposições. (…) Em todo princípio de interpretação, ela se apresenta como sendo aquilo que a interpretação necessariamente já “põe”, ou seja, que é preliminarmente dado na posição prévia, visão prévia e concepção prévia.”

Sendo o homem “uma conjugação dele mesmo mais a sua vida” (nós somos frutos da nossa história, das nossas memórias, das nossas experiências, ou seja, como dizia Ortega y Gasset: “eu sou eu e minhas circunstâncias”), as suas impressões prévias, a sua cultura prévia, enfim, todos os seus preconceitos, acabam impregnando a interpretação (de tudo que se nos apresentam).

Destarte, “o ‘ser’ do intérprete contamina a interpretação que ele fará, porque, em sendo ele um indivíduo inserido num contexto social, histórico, lingüístico, etc, a interpretação feita estará, necessariamente, associada às suas impressões anteriores, à sua pré-compreensão.”

O resultado de praticamente tudo que interpretamos já está dado desde o início. É que primeiro decidimos de acordo com nosso inconsciente e só depois vamos buscar argumentos (mais ou menos racionais) para fundamentar nossa decisão. Heidegger (como bem sublinhou Amandino Teixeira Nunes Junior) “nos leva a concluir que não há interpretações definitivas, elas hão de ser estudadas à luz do tempo em que foram concebidas e tendo em vista as possíveis pré-compreensões do intérprete, de maneira que nós mesmos ao lê-las, a partir de nossas pré-compreensões, dentro de nossas circunvisões, também estaremos abrindo um novo sentido, uma nova possibilidade de interpretar.”

A compreensão (interpretação) atua dentro de um “círculo hermenêutico”, inseparável da existência do intérprete. Nós somos frutos da nossa história. As interpretações que fazemos, em geral, seguem essas premissas. Não se pode conceber a compreensão (e a interpretação) fora de um contexto histórico e social, que vem aliado a uma ideologia.

Qual é o remédio para evitar o “círculo ou vício hermenêutico” que nos conduz indefectivelmente (quase sempre) às nossas pré-compreensões? Ele foi sugerido por Gadamer: é prestar atenção na alteridade do texto (na outra visão, na outra forma de ver a mesma realidade): “em face a qualquer texto, nossa tarefa é não introduzir, direta e acriticamente, nossos próprios hábitos lingüísticos”, mas “o que se exige é simplesmente a abertura à opinião do outro ou à do texto”.

Como bem explica Amandino Teixeira Nunes Junior: “Entra em jogo aqui a noção de alteridade do texto exposta por Gadamer, pois “quem quer compreender um texto, em princípio, tem que estar disposto a deixar que ele diga alguma coisa por si. Por isso, uma consciência formada hermeneuticamente tem que se mostrar receptiva, desde o princípio, para a alteridade do texto. Mas essa receptividade não pressupõe nem neutralidade com relação à coisa nem tampouco auto-anulamento, mas inclui a apropriação das próprias opiniões prévias e preconceitos, apropriação que se destaca destes.”

A interpretação (em regra) parte dos nossos preconceitos (ou pré-juízos), que são muito mais do que meros juízos individuais, mas a realidade histórica do nosso ser. Toda história inventada sobre os métodos interpretativos (histórico, sistemático, gramatical, teleológico etc.) não passariam, destarte, de ferramentas (verniz) que encobrem nossos discursos (nossas linguagens) já pré-concebidos (pré-concebidas). Tudo isso parece ter muita lógica. Não te parece?

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Validação Suprema: Prisão cautelar é exceção em recurso

Era assente o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal[1] de que o mero efeito devolutivo do Recurso Especial e/ou Extraordinário previsto no artigo 637 do Código de Processo Penal contra decisão condenatória não impediria a execução imediata da pena pelo simples esgotamento das vias ordinárias, sem que isso implicasse em ofensa ao princípio da presunção da inocência[2].

O recolhimento à prisão do réu condenado não configuraria constrangimento ilegal sendo, assim, possível o cumprimento do mandado de prisão antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.

Para essa diretriz, bastava a decisão definitiva de condenação nas instâncias ordinárias, ainda que sem a preclusão temporal, ou pendente a apreciação de Recurso Extraordinário defensivo, para o recolhimento automático do réu. Não se discutia o eventual preenchimento dos requisitos do artigo 312, CPP, eis que a segregação era ex vi legis e com fundamento independente e diverso da utilidade e da necessidade que regem a prisão preventiva.

Contudo, a partir do julgamento da Reclamação 2391/PR, o Plenário do STF passou a reexaminar a constitucionalidade da exigência de prisão para que o condenado pudesse recorrer em liberdade[3]. Embora a referida reclamação tenha sido declarada prejudicada, por perda de objeto, o entendimento que estava a se firmar, pressupunha que eventual custódia cautelar, após a sentença condenatória e sem trânsito em julgado, somente poderia ser implementada se devidamente fundamentada, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

A matéria voltou a ser enfrentada no julgamento do Habeas Corpus 84078-7/MG, relatado pelo Ministro Eros Grau, afetado ao Pleno pela 1ª Turma que, por maioria[4], concedeu Habeas Corpus, nos seguintes termos:

“Ofende o princípio da não-culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no artigo 312 do CPP” [5].

Em seu voto-condutor, o ministro Eros Grau deduziu, em síntese, a seguinte argumentação:

(i) os preceitos veiculados pela Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal, artigos 105, 147 e 164), além de adequados à ordem constitucional vigente (artigo 5º, inciso LVII), sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no artigo 637 do CPP;

(ii) quanto à execução da pena privativa de liberdade, dever-se-ia aplicar o mesmo entendimento fixado, por ambas as Turmas[6], relativamente à pena restritiva de direitos, no sentido de não ser possível a execução da sentença sem que se dê o seu trânsito em julgado;

(iii) a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar;

(iv) a ampla defesa englobaria todas as fases processuais, razão por que a execução da sentença após o julgamento da apelação e antes do trânsito em julgado, implicaria, também, restrição do direito de defesa, com desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão;

(v) o modelo de execução penal consagrado na reforma penal de 1984 conferiria concreção ao denominado princípio da presunção de inocência;

(vi) a supressão do efeito suspensivo dos recursos extraordinário e especial seria expressiva de uma política criminal vigorosamente repressiva, instalada na instituição da prisão temporária pela Lei 7.960/1989 e, posteriormente, na edição da Lei 8.072/1990;

(vii) concluiu que, se a Corte, ao julgar o RE 482006/MG, prestigiara o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade, não o poderia negar quando se tratasse da garantia da liberdade[7].

Após o julgamento do HC 84078-7/MG, ambas as Turmas[8] do STF têm reafirmado[9] a decisão do Pleno adotada no citado Habes Corpus, tendo a ministra Carmem Lúcia votado no mesmo sentido da tese vencedora, ressalvando seu ponto de vista[10] e a ministra Ellen Gracie assentado que “não tendo prevalecido meu posicionamento, curvo-me ao entendimento da maioria”[11].

Assim, restou consolidada a nova[12] diretriz jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal pela impossibilidade de execução provisória da pena privativa de liberdade decorrente de sentença penal condenatória, quando interposto Recurso Extraordinário e/ou Especial, que são desprovidos de efeito suspensivo, ressalvada a decretação de prisão cautelar nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal[13], sob pena de se malferir o princípio da presunção da inocência.

Com isso, o Supremo Tribunal Federal conforma a validade da interpretação do artigo 637, CPP com o princípio constitucional da presunção de inocência e as bases democráticas do sistema jurídico nacional ao reafirmar a excepcionalidade da prisão cautelar, que somente deve ser decretada em situações de absoluta necessidade.


[1] “(...) é firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que o recolhimento à prisão do réu condenado pelo Tribunal estadual não configura constrangimento ilegal, ainda que interposto recurso extraordinário ou especial, que são desprovidos de efeito suspensivo. Precedentes: HC nº 72.102, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, DJ 20.04.95 e HC nº 81.392, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 01.03.2002; 3. Habeas Corpus indeferido”. STF, 1. T, HC 80939/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 13.09.2002, p. 00083.

“Habeas corpus. 2. Decisão condenatória. Determinação de imediata prisão do condenado. 3. Princípio da presunção de inocência. Art. 5º, LVII, da Constituição Federal. 4. Não possuindo os recursos de natureza extraordinária efeito suspensivo do julgado condenatório, não fere o princípio de presunção de inocência a determinação de expedição do mandado de prisão do condenado. Precedentes. 5. Habeas corpus indeferido”. STF, 2. T, HC 81685/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17.05.2002, p. 00073.

[2] No mesmo sentido: Superior Tribunal de Justiça, Súmula 267: “A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”.

[3] STF, 2. T, HC 84029/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 096 de 05.09.2007.

[4] Vencidos os Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que denegavam a ordem.

[5] Informativo STF nº 534, Brasília, 2 a 6 de fevereiro de 2009.

[6] “AÇÃO PENAL. Sentença condenatória. Pena privativa de liberdade. Substituição por pena restritiva de direito. Decisão impugnada mediante agravo de instrumento, pendente de julgamento. Execução provisória. Inadmissibilidade. Ilegalidade caracterizada. Ofensa ao art. 5º, LVII, da CF e ao art. 147 da LEP. HC deferido. Precedentes. Pena restritiva de direitos só pode ser executada após o trânsito em julgado da sentença que a impôs.” STF, 1. T, HC 88413, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 9/6/2006.

“HABEAS CORPUS. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. EXECUÇÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. O artigo 147 da Lei de Execução Penal é claro ao condicionar a execução da pena restritiva de direitos ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Ordem concedida.” STF, 2. T, HC 86498, Rel. Min. Eros Grau, DJ 19/5/2006.

[7] “Decidiu-se então, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque --- disse o relator --- ´a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição´. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988. Afirmação unânime, como se vê, da impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade, anteriormente ao seu trânsito em julgado, a decisão com caráter de sanção. Ora, a Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade certamente não o negará quando se trate da garantia da liberdade. Não poderá ser senão assim, salvo a hipótese de entender-se que a Constituição está plenamente a serviço da defesa da propriedade, mas nem tanto da liberdade... Afinal de contas a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas”. Trecho do voto do Min. Eros Grau (HC 8078-4/MG).

[8] Primeira Turma: HC 96186/AC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 079 de 29.04.2009. A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime; HC 97523/SP, Rel. Min. Carlos Britto, DJe 162 de 27.08.2009. Ordem concedida. Decisão unânime, ausente, justificadamente, o Ministro Menezes Direito. O Min. Dias Toffoli, que passou a integrar a 1ª Turma do STF após o julgamento do Habeas Corpus nº 84078-7/MG, acompanhou a maioria formada no citado HC e aplicou a tese de que só se deve ser recolhido à prisão por ocasião do trânsito em julgado da sentença penal condenatória ao conceder a ordem no RHC 104723/SP (1. T, DJe-035, de 21.02.2011), do qual foi o relator. Segunda Turma: HC 96059/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 064 de 02.04.2009. Decisão unânime, ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie; HC 94408/MG, Rel. Min. Eros Grau, DJe 059 de 26.03.2009. A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie.

[9] Em que pese o enunciado de sua Súmula 267/STJ, a 5ª Turma do referido Tribunal também passou a entender que: “Viola o princípio da presunção de inocência a expedição de mandado de prisão pelo simples esgotamento das vias ordinárias, pois o Supremo Tribunal Federal, haja vista interpretação decorrente do inciso LVII do art. 5º da Constituição da República, decidiu pela inconstitucionalidade da execução provisória da pena, baseada no mero efeito devolutivo do recurso especial previsto no art. 637 do CPP”. HC 104352/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 15/06/2009.

[10] 1. T, HC 97143/SP, Rel. Min. Carlos Britto, DJe 157 de 20.08.2009. Pedido de habeas corpus deferido, nos termos do voto do Relator, com ressalva do ponto de vista da Ministra Cármen Lúcia. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Menezes Direito.

[11] 2.T, HC 98166/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 113 de 18.06.2009. A Turma, à unanimidade, deferiu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Ausente, justificadamente, o Ministro Joaquim Barbosa.

[12] “O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a execução provisória da pena, ausente a justificativa da segregação cautelar, fere o princípio da presunção de inocência”. STF, 1. T, HC 99717/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe-226, de 24.11.2010.

[13] STF, 1. T, HC 96029/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 089 de 14.05.2009 (decisão unânime).

Novos valores: "Delação premiada deve ser evitada" (por: José Roberto Batochio)

Ao princípio constitucional da presunção de inocência repugna o precoce encarceramento de quem é apenas suspeito. Assim, dispõe a Carta Magna: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória" (art. 5º, inciso LVII).

Segundo a Constituição Federal, pois, a supressão da liberdade antes do julgamento se afigura medida autoritária aos povos civilizados, que a reservam – como violência injusta, mas tolerável – para os casos da mais inexorável necessidade.

Dessa maneira, segundo a ótica da Lei das Leis, as prisões cautelares (dentre elas a prisão preventiva), que são medidas de exceção, encarceram sempre um presumido inocente. Prisão sem culpa, decorrente de mera suspeita, e, mais que isso, prisão de alguém que deve ser, necessariamente, havido por inocente.

Verdadeiro mal social, as prisões provisórias - que encarceram antes de julgar – só se justificam em circunstâncias verdadeiramente excepcionais e para remediar outro mal, maior ainda. Fora disso, é ilegítima a sua decretação.

Somente in extremis, reafirme-se, é que se legitima a aplicação da repugnante restringenda, mesmo assim quando marcado o seu caráter instrumental de servir à regularidade do processo. Não pode significar, jamais, antecipação do cumprimento de eventual pena a ser aplicada ou reação suplementar à gravidade do crime (para a gravidade do crime, já fixa o legislador a gravidade da pena).

Indisfarçável que são as prisões cautelares sempre um pré-conceito, com o qual não se coaduna a ideia de um julgamento sereno, meticuloso e definitivo. Verdadeira amputação social - segregam um mero suspeito -, com muita parcimônia e excepcionalmente devem ser realizadas pelo bisturi judiciário.

O seu largo uso, sem critérios ou comedimento, traduz prática condenável.

Esse quadro torna-se ainda mais eloquente quando a prisão ante tempus vem lastreada em barganhas testemunhais, tão em voga nos dias que correm, e que se positivaram no nosso ordenamento jurídico sob a eufêmica denominação de “delação premiada”.

Abstraídas as censuras éticas feitas a tal instituto (a delação assenta-se na traição, assoalha o Professor Luiz Flávio Gomes), certo é que ela consubstancia a expectativa – ilusória, muitas vezes – de o copartícipe da prática criminosa de obter benefício que o livre dos rigores que haveria de suportar por também haver concorrido para a prática infracional.

Não é mister largo tirocínio para se avaliar que, quem está no cárcere, ou mesmo ameaçado de vir a ser preso, a tudo está disposto para de si esse mal afastar.

Evidentemente que ao cidadão investigado e encurralado por suposta prática de atos de gravidade e, ainda, seduzido por promessas artificialmente engendradas, se vê compelido a produzir incriminações contra terceiros, como única alternativa jurídica para sua própria salvação.

Caberia refletir: no plano conceitual e doutrinário, qual é o limite entre o delito previsto no artigo 344 do Código Penal (coação no curso do processo) e a figura da delação premiada? Que meios suasórios são permitidos tendo em vista a escolha do alvo reputado principal da persecução? O insistente empenho de convencimento por parte da autoridade pública é lícito? Qual a axiologia justificadora? Ética de resultado de que falava Max Weber? Tendo em vista os fins colimados, pode o Estado se mostrar aético nessa tarefa? A traição delatora é um bem moral a ser acoroçoado na nossa sociedade como referencial para futuras gerações? Em que campo? A finalidade nobre “flexibiliza” os valores negativos?

Traga-se à tona inquietante caso ocorrido em Curitiba, em que se decretou a prisão preventiva de cidadão inocente, acusado de ser integrante de organização criminosa. Embora tenha negado, sempre, a imputação que lhe fora assestada, permanecia na prisão por muitos dias. Convocou, então, seu advogado para dizer que não suportava mais a desumanidade do cárcere e o assédio recorrente da autoridade policial. Estava disposto a colaborar com as investigações, produzindo delação premiada, mesmo sendo inocente e de nada sabendo. Nessa condição, afirmou que iria aceitar a proposta do órgão acusatório, ao que foi redargüido por seu patrono: mas, se você é inocente e não participou dos crimes apontados, o que irá delatar? E a resposta: Tudo aquilo que a autoridade quiser e contra quem ela desejar”.

A cautela, a prudência e, sobretudo, a serenidade recomendam o reexame do instituto da delação premiada (que entre nós vitimou Tiradentes na Inconfidência). A questionável prática tem conduzido a erros clamorosos e, nunca se deve esquecer de que, dentre todos os erros o mais imperdoável é a supressão da liberdade de quem é inocente.

Liberdade Garantida: Min. Marco Aurélio reforma quatro decisões do STF

Quatro Habeas Corpus. Quatro liberdades concedidas. Todas analisadas pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, contra decisões do Superior Tribunal de Justiça. Em três deciões, Marco Aurélio critica a inversão natural das coisas: prendeu-se para depois começar a investigar. "A prisão provisória não é automática, não decorre da gravidade de possível imputação, da gravidade da apontada prática delituosa."

Em outro caso, o Tribunal de Justiça de Pernambuco aplicou a Súmula 21, que prevê: "Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução". O ministro Marco Aurélio reformou a decisão e declarou que, "ao contrário do que revelado no Verbete 21 da Súmula daquele Tribunal, a sentença de pronúncia não é marco interruptivo do excesso de prazo no tocante à custódia provisória".

Motoqueiros de Capibaribe

O juiz da 2ª Vara de Direito da Comarca de Santa Cruz do Capibaribe (SP) determinou a prisão dos acusados de roubo. Consta dos autos que eles chegaram de moto e roubaram da vítima a quantia de R$ 22 mil reais, que fora sacada, minutos antes, no Banco Bradesco. Os assaltantes estavam armados com um revólver calibre 38 e uma pistola 765. O juiz da primeira instância entendeu "preenchidos os requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, para garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal. A permanência dos acusados em liberdade implicaria estimular outros à prática do crime".

Acontece que após um ano e nove meses da prisão dos acusados, ainda não havia provas concretas da culpa dos motoqueiros, o que motivou pedido de Habeas Corpus no TJ-PE. A ordem foi indeferida. O tribunal entendeu que, "consoante informado pelo juiz, a demora na tramitação processual estaria justificada, considerada a necessidade de expedição de cartas precatórias, o número de acusados e a complexidade da causa".

Tendo o HC como destino as mãos do ministro Marco Aurélio do STF, o entendimento do caso foi outro. Para ele, "a credibilidade do Judiciário encontra-se no respeito irrestrito às normas jurídicas e não na feitura de Justiça a ferro e fogo, invertendo-se o andamento natural das coisas — prendendo para, depois, apurar". Segundo o ministro, quando o Judiciário diz que a liberdade do réu estimularia a prática de crimes por outros cidadãos, "se partiu de ideias preconcebidas, o que é inadequado na espécie".

Cocaína para fins comerciais

Na 4ª Vara Criminal da Comarca de São José dos Campos (SP), o réu foi indiciado por porte de cocaína para fins de comercialização. Antes do recebimento da denúncia, o juiz acolheu proposição do Ministério Público e determinou a prisão preventiva do paciente, tendo em conta a gravidade do delito e a necessidade de garantia da ordem pública, a instrução processual e a aplicação da lei penal.

Em pedido de Habeas Corpus, o réu pediu a revogação do decreto de prisão, acesso aos autos das interceptações telefônicas de que teria sido alvo e às transcrições de trechos das gravações. Os desembargadores mantiveram o decreto de prisão, mas determinaram o acesso aos dados do processo.

Como a decisão não foi reformada no Superior Tribunal de Justiça, o caso foi parar no gabinete do ministro Marco Aurélio. Ele não aceitou a decisão do STJ e criticou novamente o fato de a prisão preceder a investigação. Para o ministro, "não há como placitar" o argumento do STJ: "O crime praticado é de extrema gravidade, tratando-se de organização para o tráfico de drogas, que ficou evidente durante as investigações, demonstrando a efetiva participação do acusado Clodoaldo com os demais denunciados, portanto, necessário a prisão cautelar para garantia da ordem pública, instrução do processo e aplicação da Lei Penal".

Homicídio qualificado

Preso preventivamente em outubro de 2008 por acusação de homicídio qualificado recorreu ao Tribunal de Justiça de Pernambuco alegando excesso de prazo para designação do julgamento pelo Tribunal do Júri. O Habeas Corpus foi rejeitado com base na Súmula 21 do Superior Tribunal de Justiça: "Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução".

O ministro Gilson Dipp, relator do caso no Superior Tribunal de Justiça, também indeferiu a liminar. Marco Aurélio, no Supremo, foi assertivo: "Ao contrário do que revelado no Verbete 21 da Súmula daquele Tribunal, a sentença de pronúncia não é marco interruptivo do excesso de prazo no tocante à custódia provisória."

Tráfico de drogas

Presa desde junho de 2010 por acusação de tráfico de drogas, a ré teve de chegar ao Supremo Tribunal Federal para conseguir liberdade. No pedido de Habeas Corpus, disse que a manutenção da custódia, sob o argumento de vedação contida no artigo 44 da Lei 11.343/2006, configura ofensa ao direito de locomoção, pois não demonstrada a real necessidade da prisão e o risco que, em liberdade, causaria à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal.

Os argumentos da defesa tiveram êxito no Supremo Tribunal Federal, onde o HC foi deferido. O relator Marco Aurélio destacou inicialmente que a prisão preventiva foi decretada pelo Juízo da 1ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais de Bocaiuva (MG) sem que existisse representação ou requerimento nesse sentido. Três pedidos foram apresentados ao juiz: busca e apreensão, formulado pela autoridade policial; restituição de bens apreendidos, feito pela defesa; e quebra de sigilo bancário, esse último formalizado pelo Ministério Público.

Para o ministro, ao observar a ordem jurídica e natural das coisas "o certo é prender-se, para haver a execução da pena, só depois de formalizada a culpa. A prisão provisória não é automática, não decorre da gravidade de possível imputação, da gravidade da apontada prática delituosa. O açodamento somente causa descrédito ao Judiciário, no que o órgão judiciário seguinte vê-se obrigado a rever a posição primeira, a harmonia ou não do ato de constrição com o sistema jurídico. Chega-se a dizer, na visão leiga, que a polícia prende para o Judiciário soltar, quando, na verdade, prisão e soltura resultam de atividade judicante".

terça-feira, 21 de junho de 2011

O efeito mais bombástico da nova lei de prisões (por: Luiz Flávio Gomes)

LUIZ FLÁVIO GOMES*

Cerca de 200 mil prisões em flagrante devem ser revistas prontamente, a partir do dia 04 de julho. Os presos não comprovadamente perigosos e/ou primários, poderão ter liberdade, com ou sem medidas cautelares alternativas.

Dos mais de 500 mil presos no Brasil (cf. nossa pesquisa no www.ipclfg.com.br) , 44% deles não têm sentença definitiva (são presos provisórios ou cautelares). Desses, cerca de 90% estão presos em razão de prisão em flagrante. Milhares deles, desde que não apresentem periculosidade comprovada, deverão ser liberados se os juízes não fundamentarem a necessidade concreta do encarceramento cautelar.

Isso significa impunidade? Não. A lei nova não garante nenhuma impunidade, simplesmente está mandando os juízes cumprirem a constituição, em relação aos presumidos inocentes, para distinguir quem deve ficar preso (durante o processo) e quem não deve.

A nova lei (Lei 12.403/11), para além de prever 11 medidas cautelares alternativas, que devem ser analisadas pelo juiz, antes de decretar ou confirmar a prisão, acabou com a velha e inconstitucional praxe do “carimbão” que, simplesmente, dizia: “Flagrante em ordem”. Colocava-se o “carimbão” na papelada dos réus pobres e tudo prosseguia, sem percalços. Em relação aos ricos isso nunca jamais ocorreu impunemente.

De acordo com a praxe forense ainda em vigor a prisão em flagrante (são centenas todos os dias) é mantida pelos juízes sem nenhum tipo de fundamentação (há exceções honrosas, claro). No lugar de uma análise minuciosa para distinguir o joio do trigo (quem deve efetivamente ficar preso e quem não deve), reinava, para os pobres, a cultura do “carimbão”. A prisão em flagrante servia de título para manter o sujeito preso durante todo o processo. Isso acabou com a nova lei.

Por força do novo art. 310, com redação dada pela Lei 12.403/11, a prisão em flagrante, quando o caso, deve ser convertida em prisão preventiva, inclusive em relação aos pobres, em decisão fundamentada (tríplice é a fundamentação: quais fatos justificam a prisão, qual é seu fundamento jurídico e se ela é realmente necessária). Para os ricos essas exigências sempre foram cumpridas pelos juízes. A fiscalização deles é muito mais efetiva.

Doravante passamos a ter apenas duas espécies de prisão cautelar: a temporária e a preventiva. A prisão em flagrante ou é convertida em prisão preventiva ou é relaxada (quanto ilegal) ou é substituída pela liberdade provisória (com ou sem medidas cautelares alternativas).

Considerando-se que a pobreza informativa do auto de prisão em flagrante, a respeito da vida pregressa do preso, constitui a regra, dificilmente o juiz terá elementos para justificar, de plano, a prisão preventiva. Não lhe restará outro caminho senão conceder a liberdade provisória, aplicando-se, se o caso, uma ou mais de uma medida cautelar alternativa.

Claro que a velha praxe das fundamentações consideradas ilegais ou inconstitucionais vão prosseguir. Alguns juízes continuarão falando em clamor público, gravidade abstrata da infração etc. Mas tudo isso não é aceito pelo STF, como motivação válida para a prisão.

Na teoria, a nova lei acaba com o “direito penal do cadeião automático para os pobres ou equiparados”. Mas na prática a teoria é outra. Se não houver rigorosa fiscalização dos advogados e defensores públicos, a velha praxe das prisões infundadas dos pobres ou equiparados que são presumidos inocentes não vai morrer.

Todas as prisões em flagrante, concretizadas antes de 04.07.11, que não foram mantidas em decisão fundamentada (isso ocorria só em relação aos pobres, claro), devem ser reanalisadas (em razão da ilegalidade). Isso significa alguma coisa em torno de 200 mil em todo país. Cabe ao defensor postular ao juiz a devida revisão. Não encontrando motivo suficiente para a prisão, cabe ao juiz conceder liberdade provisória (com ou sem medidas cautelares alternativas). Havendo recusa do juiz ou decisão mal fundamentada contra o réu, só resta o caminho do habeas corpus.

Milhares de presos, que não ostentam periculosidade concreta, embora pobres, poderão responder ao processo em liberdade, cabendo ao juiz prestar atenção nas medidas cautelares alternativas. Se o réu tem condições econômicas suficientes, a fiança se apresenta como medida cautelar muito adequada, visto que ela existe para a reparação dos danos causados pelo delito às vítimas.

*LFG – Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Teoria Constitucionalista do Delito: consentimento da vítima e tipicidade material (por: Luiz Flávio Gomes)

Não há conduta desaprovada quando o bem jurídico lesado é disponível e a vítima dá seu consentimento válido: o risco criado, nesse contexto, torna-se permitido (consentido). Exemplo: o dono de um relógio autoriza o agente a destruí-lo.

O consentimento da vítima só exclui a tipicidade (em sua dimensão material ou axiológica) quando: (a) é válido (dado por vítima com dezoito anos ou mais); (b) dado antes ou durante o fato; (c) o bem jurídico for disponível (patrimônio, honra, pequenas lesões etc.).

No caso da eutanásia o que entra em jogo não é propriamente o consentimento dado, sim, a tolerabilidade da morte (dentro de várias circunstâncias especiais).

Doutrinariamente há autor que distingue o acordo excludente do tipo do consentimento excludente do tipo. Há o primeiro quando o tipo exige o desacordo e a vítima concorda. Exemplo: estupro – CP, art. 213. Existe o segundo quando o bem jurídico é disponível e a vítima consente validamente com sua lesão. Em ambas as situações fica excluída a tipicidade.

O fundamental nessas hipóteses é o consentimento válido, que expressa um tipo de descumprimento do dever jurídico de autoproteção (do bem jurídico). Do ponto de vista do agente o dever jurídico é o de não-agressão. Mas se a vítima consente, em muitas situações esse consentimento é válido e afasta a tipicidade (ou a antijuridicidade, quando se trata de bem jurídico extremamente valioso. Exemplo: doação de um rim).

No âmbito dos crimes culposos, exige-se o consentimento em relação à conduta descuidada, não necessariamente em relação ao resultado. “A”, imprudentemente, sugere que “B” atravesse uma rodovia movimentada. “B” conscientemente assume o risco (autocoloca-se em risco). Ao agente “A” não se pode imputar o resultado, porque não criou o risco proibido.


Caso Edmundo: prescrição e impunidade

Fonte: http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2011/06/16/edmundo-e-preso-em-flat-em-sao-paulo.htm

LUIZ FLÁVIO GOMES*

Áurea Maria Ferraz de Sousa**

O caso Edmundo está prescrito (de acordo com nossa opinião). As famílias das vítimas certamente estão estarrecidas. O mau funcionamento da Justiça, como regra, precisa ser discutido seriamente pela sociedade brasileira. Nosso País, sendo a sétima economia mundial, não pode ter um Poder Judiciário tão falho.

Os juízes trabalham muito, as decisões da Justiça, especialmente do STF, são relevantes, mas de um modo geral a percepção da população é muito ruim, em razão (segundo pesquisa recente do IPEA) da morosidade, da falta de imparcialidade dos juízes e da venalidade (corrupção).

Os crimes culposos no trânsito cometidos por Edmundo aconteceram em dezembro de 1995: três homicídios e três lesões corporais. Em março de 1999 ele foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão. O juiz aplicou a pena máxima para os crimes. Considerando-se que todos foram cometidos em razão de uma só conduta (um só acidente), manda o código que o juiz aplique a pena mais grave (3 anos), aumentada até metade (isso se chama concurso formal de crimes). Três anos mais metade significa quatro anos e seis meses. Essa foi a pena final.

Como se conta a prescrição nesse caso? Por força do art. 119 do CP a prescrição se conta pela pena de cada crime, não se levando em conta o aumento do concurso formal. Três anos prescreve em oito, não em doze anos. Logo, em 2007 deu-se a prescrição (visto que a sentença é de 1999).

A prisão de Edmundo, por um dia, em 1999, não tem nenhuma relevância para a contagem da prescrição, porque se trata de prisão cautelar (não definitiva). Não incide (na prisão cautelar) o art. 117, V, do CP (que manda interromper a prescrição pela prisão). Esse dispositivo só vale para a prisão após o trânsito em julgado final.

O juiz do caso (que mandou prender Edmundo) errou na conta da prescrição, na interpretação da lei, na fundamentação da sentença e, além disso, determinou a expedição do mandado respectivo antes do trânsito em julgado final, visto que ainda existe recurso pendente no STF. Erro sobre erro.

Vencida a questão da prescrição (para nós já não há o que discutir) vem o tema da morosidade da Justiça: o STJ demorou 12 anos para julgar todos os recursos impetrados (de 1998 a 2010). Esse prazo não é nada razoável. O caso Edmundo comprova que a Justiça, em geral, funciona muito mal e contribui para a impunidade.

O caso Edmundo passa a ser emblemático. A Justiça brasileira precisa de ruptura, não de reforma. Não adiante reformar o que não funciona a contento. É melhor reconstruir tudo e mudar de paradigma: do processo conflitivo (burocrático, moroso, custoso) temos que passar para o modelo da conciliação, do acordo, da negociação, resolvendo-se a absoluta maioria dos casos em menos de trinta dias (por procedimento de via rápida).

O Brasil já é o 3º no ranking mundial dos países que mais matam em decorrência de acidentes no trânsito. Com 38.273 mortes em 2008[1] (dados oficiais do Datasus – Ministério da Saúde), fica atrás apenas da Índia (118 mil pessoas/ano) e da China (73.500 pessoas/ano)[2], ultrapassando até mesmo os Estados Unidos, com 37.261 mortes/ano[3] (embora sua frota de veículos seja quatro vezes maior que a brasileira).

(...)

Qual é a fórmula para enfrentar a mortandade no trânsito? É a seguinte: EEFPP: Escola, Engenharia, Fiscalização, Primeiros socorros e Punição. A prescrição do poder punitivo do Estado no caso Edmundo revela que a punição no Brasil é um problema.

A contagem do prazo prescricional depois de passada em julgado a condenação (para a acusação) se dá pela pena aplicada (art. 110, §1º, CP), mas no caso de concurso de crimes, a contagem da prescrição incide sobre a pena de cada crime, isoladamente (art. 119). Assim, a pena de três anos aplicada em 1999, prescreveu em 2007 (art. 109, IV, CP).

Desde o trânsito em julgado para a acusação o réu vem interpondo recursos no STJ:

Primeiro agravo no STJ distribuído em 26/06/1998

Última decisão em recurso do réu no STJ: 29 de junho de 2010, publicada em 25.08.10.

O réu interpôs 21 recursos no STJ, que demorou 12 anos para apreciá-los. Eis os recursos:

Ag 979067; Ag 979066; Ag 781474; AG 613463; AG 591232; AG 591228; AG 591223; AG 613463; AG 596939; AG 513903; AG 454779; AG 326283; AG 248462; Ag 1.113.252 – último; AG 189244 – primeiro; RESP 302636; REsp 728299; REsp 727118; EDcl nos EREsp 302636; EREsp 302636; EREsp 1.021.688

A morosidade do Judiciário, em muitos casos, é fator essencial da impunidade, que não desestimula ninguém de cometer novos delitos.

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

**Áurea Maria Ferraz de Sousa – Advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal. Pesquisadora.


[1] Fonte: Dados extraídos do DATASUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde) do Ministério da Saúde

[2]Fonte: New York Times- http://www.nytimes.com/2010/06/08/world/asia/08iht-roads.html?_r=1&pagewanted=1&em

[3] Fonte: NHTSA – National HIghway Traffic Safety Administration: http://www.nhtsa.gov

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Tráfico de drogas. Transporte público. Aumento da pena. Críticas (por: Luiz Flávio Gomes)

Fonte da imagem: revistavoto.com.br

LUIZ FLÁVIO GOMES*
Áurea Maria Ferraz de Sousa**

Para a incidência da causa de aumento prevista no artigo 40, III, da Lei de Drogas basta que o tráfico seja cometido por meio de transporte público. Com este entendimento, a Sexta Turma do STJ negou o pedido de ordem ao HC 199.417/MS (24.05.11), relatado pelo Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE).

A paciente foi surpreendida na posse de seis quilos de maconha dentro de um ônibus intermunicipal. Sua defesa pugnava pelo reconhecimento da tese segundo a qual a majorante deveria incidir apenas quando o agente utilizasse transporte público com grandes aglomerações de pessoas no intuito de passar despercebido, tornando a traficância mais fácil e ágil.

O posicionamento adotado pelo Tribunal da Cidadania, no entanto, vem sendo reiterado no sentido de que na hipótese da causa de aumento pela traficância por meio de transporte público não importa se o agente a ofereceu ou tentou distribuí-la aos demais passageiros no local (HC 118.565-MS – info. 472, STJ) ou se o transporte estava lotado a facilitar a movimentação do deliquente, como se concluiu no presente writ.

Ou seja, concluiu a Sexta Turma do STJ que o crime de traficar em transporte público é de perigo abstrato (o que é questionável no moderno Direito penal). Vejamos. O crime de perigo concreto exige o resultado jurídico “perigo” para sua consumação (por exemplo, dirigir sem habilitação exige perigo concreto para a incolumidade de outrem).

O crime de perigo abstrato (de acordo com a doutrina e a jurisprudência majoritárias) não precisa ser comprovado concretamente. Isto é, para incidir a causa de aumento não é preciso comprovar a lesão ou o risco de lesão ao bem jurídico tutelado pela Lei de Drogas, qual seja, a saúde pública.

O artigo 40 da Lei de Drogas prevê causas de aumento de pena para o crime de tráfico em circunstâncias taxativamente previstas em sete incisos. O inciso III prevê locais onde o legislador entendeu ser de maior reprovabilidade a conduta de traficar; dentre estes locais menciona-se, por exemplo, os estabelecimentos educacionais e o transporte público.

A pena do crime para aquele que agir nas imediações destes locais há de ser acrescida de um sexto a dois terços.

O automatismo adotado pela jurisprudência em matéria de drogas é impressionante. Aplica-se a lei automaticamente sem se aferir a sua ratio legis. O tráfico de drogas em local onde se transportam pessoas (transporte público) pode efetivamente justificar o aumento da pena. Mas é preciso que o tráfico seja efetivamente concretizado nesse local. Se o agente apenas transportava a droga, que nem sequer foi notada pelo público, claro que não se justifica o aumento da pena.

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

**Áurea Maria Ferraz de Sousa – Advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal. Pesquisadora.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O momento consumativo nos delitos de furto e roubo no STF e no STJ (por: Érica Babini)

Os delitos de roubo e furto guardam semelhança no verbo indicativo da conduta delitiva: “subtrair”, com a diferença de que naquele há violência ou grave ameaça, ao passo que neste não existe ofensa à pessoa. Por esta razão é que a consumação de ambos os delitos se dá sob o mesmo parâmetrto.


Analisemos, portanto, as evoluções jurisprudenciais do STF e do STJ, levando em consideração queem um dos últimos informativos, o 520, o Supremo reiterou seu entendimento, conforme se observa:


A Turma reafirmou a orientação desta Corte no sentido de que a prisão do agente ocorrida logo após a subtração da coisa furtada, ainda que sob a vigilância da vítima ou de terceira pessoa, não descaracteriza a consumação do crime de roubo. Por conseguinte, em conclusão de julgamento, indeferiu, por maioria, habeas corpus no qual se pretendia a tipificação da conduta do paciente na modalidade tentada do crime de roubo, ao argumento de que o delito não se consumara, haja vista que ele, logo após a subtração dos objetos da vítima, fora perseguido por policial e vigilante que presenciaram a cena criminosa e o prenderam em flagrante, recuperando os pertences — v. Informativo 517. Reputou-se evidenciado, na espécie, roubo frustrado, pois todos os elementos do tipo se consumaram com a inversão da posse da res furtiva. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que concedia a ordem para restabelecer o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por reconhecer a hipótese de tentativa, reduzira a pena aplicada ao paciente.
HC 92450/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 16.9.2008. (HC-92450)


A consumação dos delitos de furto e roubo é permeada por quatro diferentes teorias: a) a teoria da “contrectatio”, para a qual a consumação se dá pelo simples contato entre o agente e a coisa alheia; b) a teoria da “apprehensio” ou “amotio”, segundo a qual se consuma esse crime quando a coisa passa para o poder do agente; c) a teoria da “ablatio”, que tem a consumação ocorrida quando a coisa, além de apreendida, é transportada (posse pacífica e segura) de um lugar para outro; d) a teoria da “illatio”, que exige, para ocorrer a consumação, que a coisa seja levada ao local desejado pelo ladrão para tê-la a salvo.


Em Roma prevalecia o entendimento de que o delito contra o patrimônio consumava-se no simples contato do agente com a res objeto de subtração. Adotava-se a teria da “contrectatio”. Contudo, tal entendimento não pode prevalecer mais nos dias de hoje, haja vista que o delito em apreço é de cunho material e não formal, requisitando, portanto a modificação no mundo exterior.


A jurisprudência pátria há muito tempo divergia sobre o assunto. Até meados de 1980 o Supremo Tribunal Federal adotava a Teoria da ablatio, segundo a qual os requisitos para a consumação seriam: apreensão da res, afastamento da disponibilidade da vítima e posse tranqüila do objeto.


Para tanto, baseava-se na doutrina clássica: “se após o emprêgo da violência pessoal não puder o agente, por circunstâncias alheias à sua vontade, executar a subtração, mesmo o ato inicial da apprenhensio rei , o que se tem a reconhecer é a simples tentativa” (HUNGRIA, 1955, p. 58) . Portanto a consumação se dava com o deslocamento da coisa, “mas de modo que esta se transfira para a posse exclusiva do ladrão” (HUNGRIA, 1955, p. 23).


Exatamente no ano de 1987, com o voto magistral do Ministro Moreira Alves, modificou-se o entendimento para se adotar a Teoria da Amotio:” Para que o ladrão se torne possuidor, não é preciso, em nosso direito, que ele saia da esfera de vigilância do antigo possuidor, mas, ao contrário, basta que cesse a clandestinidade ou a violência, para que o poder de fato sobre a coisa se transforme de detenção em posse, ainda que seja possível ao antigo possuidor retomá-la pela violência, por si ou por terceiro, em virtude de perseguição imediata. Aliás, a fuga com a coisa em seu poder traduz inequivocamente a existência de posse”(Resp 102.490-SP, 17.12.1987).

Daí em diante foram reiterados os julgamentos neste sentido, tornando-se pacífico o entendimento em sede do Supremo.

“A jurisprudência do STF dispensa, para a consumação do furto ou do roubo, o critério da saída da coisa da chamada “esfera de vigilância da vítima” e se contenta com a verificação de que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da “res furtiva“, ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata” (HC 89958-SP, rel. Sepúlveda Pertence, 03.04.2007, v.u., DJ 27.04.2007, p. 68).

“Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pleiteava a tipificação da conduta dos pacientes na modalidade tentada do crime de roubo, ao argumento de que não houvera a cessação da ameaça/violência a legitimar a sua consumação, uma vez que foram surpreendidos no instante em que a ação ocorria e sofreram interceptação imediata. Esclareceu-se, inicialmente, que, após a subtração da coisa, os pacientes deixaram o local caminhando, e que a vítima, percebendo a direção que tomavam, informara à autoridade local, que, por sua vez, efetivara a prisão dos mesmos. Aplicou-se o entendimento firmado pelo STF, que dispensa, para a consumação do roubo, o critério de saída da coisa da chamada “esfera de vigilância da vítima” e se contenta com a verificação de que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da res furtiva, ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata. Vencido o Min. Marco Aurélio que, salientando a transcrição do depoimento da vítima a revelar que não perdera os agentes de vista, considerou que o recurso especial, ao restabelecer a sentença que condenara os pacientes por roubo consumado, não tinha condições de ser conhecido. Precedentes citados: RE 102490/SP (DJU de 16.8.2001); HC 89958/SP (DJU de 27.4.2007); HC 89653/SP (DJU de 23.3.2207). HC 89959/SP, rel. Min. Carlos Britto, 29.5.2007. (HC-89959)” – Informativo 429.

Neste sentido, é possível se resumir que para a consumação dos delitos de furto e roubo é necessária apenas a posse do bem com o agente, independentemente de vigilância da vítima ou posse tranqüila, de modo que a fuga logo após o furto já é fuga com posse, e o furto está consumado mesmo que haja perseguição imediata e conseqüente retomada do objeto.

Contudo, apesar da formação perene no STF, o STJ guardava sérias divergências, pois a Quinta Turma seguia o entendimento firmado pelo STF, ou seja, não requer a posse tranqüila para consumação do delito de furto (teoria da amotio), ao passo que a Sexta Turma entendia conforme a doutrina clássica (teoria da ablatio):

Portanto, em termos de conclusão, pode-se afirmar que atualmente os delitos de roubo e furto, segundo as duas cortes do país, seguem a teoria da amotio, o que significa que o crime se consuma quando o bem é apossado pelo agressor, não importando se a vítima permanece com a vigilância ou se há posse tranqüila.

Assim seguindo a mesma concepção da teoria da amotio:

“A Turma, por maioria, entendeu que o delito de roubo consuma-se quando o agente retira a res furtiva da esfera de vigilância da vítima, mesmo que, imediatamente após a subtração da coisa, haja perseguição e aqueles venham a ser presos. Adotou-se a teoria da amotio. Precedente citado do STF: HC 70.095-1-SP, DJ 26/11/1993. REsp 407.162-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 18/6/2002”.

“A Seção, ao prosseguir o julgamento, acolheu os embargos por maioria, considerando que o crime de roubo se consuma no momento em que o agente se torna possuidor da coisa subtraída, independente de ser a posse tranqüila ou não. Precedentes citados: EREsp 197.848-DF, DJ 15/5/2000, e EREsp 78.434-SP, DJ 6/10/1997. EREsp 229.147-RS, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 9/3/2005”

“Prosseguindo o julgamento, a Seção, por maioria, entendeu que se considera consumado o crime de roubo no momento em que o agente se torna possuidor da res furtiva mediante grave ameaça ou violência, ainda que não obtenha a posse tranqüila do bem, sendo desnecessário que saia da esfera de vigilância da vítima. Precedentes citados: EREsp 197.848-DF, DJ 15/5/2000; REsp 605.268-SP DJ 17/5/2004; REsp 311.088-SP, DJ 10/3/2003; REsp 299.135-DF, DJ 22/3/2004, e REsp 403.253-SP, DJ 22/9/2003. ERESP 235.205-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgados em 25/8/2004.”

Já na seara da teoria da ablatio:

“Caso de tentativa, e não de crime consumado – “em nenhum momento o réu deteve a posse tranqüila da res furtiva, porquanto foi imediatamente perseguido pela vítima” (REsp 678.220-RS, 6.ª T., rel. Nilson Naves, 07.06.2005, v.u., DJ 13.03.2006 p. 391).

“Na hipótese em que o agente do crime não teve, em nenhum momento, a posse tranqüila dos bens, pois foi preso logo em seguida à prática do delito, houve apenas tentativa” (REsp 197.848-DF, 6.ª T., rel. Vicente Leal, 11.05.1999, v.u., DJ 31.05.1999, p. 198)”

“Em tal moldura, a mim também se me afigura tratar-se de crime tentado. O roubo, assim como o crime de furto, relativamente à subtração da coisa móvel alheia, somente se consuma, segundo o meu convencimento, quando o agente, uma vez transformada a detenção em posse, tem a posse tranqüila da coisa subtraída. Nesse quadro, a posição que adoto, mais consentânea com a visão que tenho do Penal, aproxima-se da teoria da illatio. Segundo ela, entende-se por tentado o roubo quando o autor tem apenas fugazmente a posse da coisa subtraída, em razão da contínua perseguição sofrida. Assim, por dela não dispor tranqüilamente o agente, visto que a coisa móvel alheia não foi por ele transportada, como se supõe por ele desejado, para um local no qual estivesse a salvo, não há falar em roubo consumado. Isto é, em casos tais, o agente responde pela tentativa, não responde pela consumação.“ (REsp-724.093 (DJ de 14.11.05)/ Min. Nilson Naves)

Roubo (momento da consumação). Fixação da pena abaixo do mínimo legal (impossibilidade). Súmula 231 (aplicação). Reincidência (reconhecimento). Bis in idem (não-ocorrência). 1. A consumação do delito de roubo exige posse tranqüila da coisa subtraída, não bastando a posse, ainda que breve, tal e qual o caso dos autos (ponto de vista do Relator). 2. O entendimento do Superior Tribunal é no sentido de que a incidência de circunstâncias atenuantes não podem reduzir a pena privativa de liberdade a patamar aquém do mínimo legal (Súmula 231). 3. O agravamento da pena pela reincidência não configura bis in idem, mas reflete a necessidade de maior reprovabilidade do réu voltado à prática criminosa. (REsp 810407 / RS ; Ministro NILSON NAVES/ 6º Turma: 25/02/2008)

Entretanto em meados de 2003, com a mudança da formação da corte, a maioria, com exceção do Ministro Nilson Naves, conforme visto acima, passou a entender conforme o STF, e finalmente ambas as Cortes seguem o mesmo entendimento:

“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. ROUBO. CONSUMAÇÃO. POSSE TRANQÜILA DA RES. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. REEXAME DE FATOS E PROVAS. DESNECESSIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. INOCORRÊNCIA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (…). 2. Considerando que o art. 157 do CP traz como verbo-núcleo do tipo penal do delito de furto a ação de “subtrair”, podemos concluir que o direito brasileiro adotou a teoria da apprehensio ou amotio, em que os delitos de roubo/furto se consumam quando a coisa subtraída passa para o poder do agente, mesmo que num curto espaço de tempo, independente da res permanecer sob sua posse tranqüila. Dessa forma, a posse tranqüila é mero exaurimento do delito, não possuindo o condão de alterar a situação anterior. O entendimento que predomina no STJ é o de que não é exigível, para a consumação dos delitos de furto ou roubo, a posse tranqüila da res. 3. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no REsp 859952 / RS . Min. Jane Silva – 6º Turma, 27/05/2008 )”