Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

domingo, 28 de agosto de 2011

Observações sobre prescrição

Rogério Sanches Cunha

Pesquisador: Danilo Fernandes Christófaro

1 – A prescrição é a perda, em face do decurso do tempo, do direito de o Estado punir ou executar uma punição já imposta. Trata-se de um limite temporal ao poder punitivo do Estado.

2 – O Estado não pode eternizar o direito de punir, eis a finalidade da prescrição;

3 – Quando ainda não se tem o quantum da pena que será fixada pelo juiz na sentença, a prescrição será calculada pela pena máxima em abstrato prevista no tipo imputado ao agente, observando-se a escala do art. 109 – prescrição em abstrato;

4 – Leiam o artigo 109 do Código Penal, alterado pela lei 12.234/2010 – prazos prescricionais;

5 – Para se chegar à pena máxima em abstrato devem-se levar em consideração as causas de aumento e diminuição de pena;

6 – Exceção à observação 5: concurso de crimes (concurso formal, material ou crime continuado), hipóteses em que a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente;

7 – No cálculo, desprezam-se, em regra, as agravantes e atenuantes;

8 – São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, MENOR DE 21 (VINTE E UM) ANOS, ou, na data da sentença, MAIOR DE 70 (SETENTA) ANOS – artigo 115 do CP;

9 – Prevalecendo o agente das mesmas circunstâncias de tempo, local e modo de execução, praticando vários crimes da mesma espécie, alguns antes dos vinte e um anos do criminoso e outra depois, a redução só incidirá nos crimes cometidos antes da maioridade; em caso de crime permanente iniciado antes da maioridade e terminado depois, não se reduz o prazo prescricional;

10 – Efeitos do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva: desaparece para o Estado o direito de punir; eventual sentença condenatória provisória é rescindida, não ocorrendo qualquer efeito penal ou extrapenal; o acusado não arca com as custas processuais; o acusado terá direito à restituição integral da fiança, se a houver prestado;

11 – O prazo prescricional se inicia do dia em que o crime se consumou; no caso de tentativa, do último ato executório; nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; nos crimes de falsificação, da data em que o fato se tornou conhecido;

12 – Nos crimes habituais, o prazo da prescrição inicia-se da data da última das ações que constituem o fato típico (STF);

13 – A prescrição pode ser suspensa ou interrompida, leiam os artigos 116 e 117;

14 – Prescrição “in concreto” (prescrição da pretensão executória): ocorre depois de transitar em julgado sentença penal condenatória, também é baseada nos prazos estabelecidos no artigo 109, mas aumentada de um terço, se o condenado é reincidente;

15 – Ocorrendo essa modalidade de prescrição (prescrição da pretensão executória), extingue-se a pena aplicada, todavia, permanecem os efeitos penais e extrapenais. Ex: reincidência;

16 – Esta prescrição é contada: do dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação; do dia em que foi revogado o sursis e o livramento condicional; do dia em que o preso evadiu-se do cárcere, neste caso, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena;

17 – Nesta modalidade de prescrição (prescrição da pretensão executória) também ocorre a suspensão e a interrupção, artigos 116 e 117 do CP;

18 – Prescrição retroativa: apesar de reconhecida após o trânsito em julgado da sentença, a prescrição retroativa tem termo data anterior à da publicação da sentença;

19 – Conta-se o prazo prescricional retroativamente, isto é, da data do recebimento da denúncia ou da queixa até a publicação da sentença condenatória, sendo os seus efeitos os mesmos da prescrição abstrata (vide observação 10);

20 – A suspensão condicional da pena e o livramento condicional são incidentes da execução penal e, durante esses incidentes, não corre prescrição;

21 – Caso um dos benefícios citados na observação 20 seja revogado, a prescrição começa a correr a partir do dia em que transita em julgado a sentença revocatória – art. 112, inciso I, 2ª parte, do CP;

22 – No caso de multa, consoante artigo 114 do CP, cinco são as hipóteses de prescrição, três de pretensão punitiva e duas de pretensão executória;

23 – Hipóteses de prescrição da pretensão punitiva: quando a pena pecuniária for a única cominada, a prescrição opera-se em dois anos, contando-se conforme observação 11; quando a pena de multa for cominada cumulativamente com pena privativa de liberdade, prescreve junto com a pena mais grave (art. 118 do CP); quando a pena de multa for cominada alternativamente com a de prisão, prescreve junto com esta (art. 118 do CP);

24 – Hipóteses de prescrição da pretensão executória da multa: quando a pena de multa for aplicada junto com a pena privativa de liberdade, prescreverá junto com esta, que é mais grave (art. 118 do CP); quando a pena pecuniária for a única aplicada na sentença, a prescrição da pretensão executória ocorre em dois anos, a contar da data do trânsito em julgado para a acusação;

Fonte: Atualidades do Direito

Art.155 do Código de Processo Penal: breves comentários (Por: Rogério Sanches)

“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil”.

1. Prova

O processo destina-se à aplicação do Direito; a aplicação do Direito, de sua parte, depende da existência ou verificação dos fatos aos quais a ordem jurídica alia a produção de um dado efeito jurídico([1]). As provas, por sua vez, têm por função a demonstração da realidade dos fatos, um caminho a ser necessariamente desenvolvido até o juízo final. Como bem resume Germano Marques Silva, a expressão prova tem um tríplice significado:

“A – Prova como atividade probatória: acto ou complexo de actos que tendem a formar a convicção da entidade decidente sobre a existência ou inexistência de uma situação fatual;

B – Prova como resultado: a convicção da entidade decidente formada no processo sobre a existência ou não de uma dada situação de facto;

C – Prova como meio: instrumento probatório para formar aquela convicção”.([2])

2. Princípio da verdade real:

O processo, sabidamente, é o instrumento pelo qual o Estado aplica a jurisdição, consistente numa reconstituição de fatos. Materializa-se na tentativa de reconstrução da verdade com o escopo de se aplicar corretamente o Direito ao caso concreto. A verdade real, cuja busca é a tônica do Processo Penal, somente se atinge por intermédio da prova. Daí avulta a importância desse tema, referido nas Ordenações Filipinas como “o farol que deve guiar o juiz em suas decisões” (Liv. III, Tít. 63) ([3]).

Assim, uma das características mais marcantes do processo penal é a vigência do chamado princípio da verdade real ([4]). Não deve o juiz criminal, por conta de tal princípio, satisfazer-se com a mera verdade formal (aparente) que lhe é exibida pelas partes. Definido o objeto do processo pela acusação e delimitado consequentemente o objeto do julgamento, o julgador deve procurar a reconstrução histórica dos fatos ([5]), buscando, por todos os meios processualmente admissíveis, alcançar a verdade histórica, independentemente ou para além da contribuição da acusação e da defesa (art. 156, CPP) ([6]).

Portanto, a posição de inércia, mais freqüente no processo civil, onde vigora a máxima ne procedat ex officio, não se admite no âmbito criminal, isso porque, ao lidar com um dos mais caros direitos da pessoa – o direito à liberdade – deve o Magistrado procurar adequar sua decisão não somente à prova apresentada pelas partes mas, além disso, suprindo eventual omissão dos interessados, pesquisar os fatos, aproximando-os, o mais que possível, da verdade real . Tudo, é evidente, com o cuidado de não perder de vista a imparcialidade, agindo de maneira supletiva e jamais assumindo a posição de parte, acusando ou defendendo.

3. Princípio da liberdade de provas

A produção da prova no processo penal é livre (o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial). Como bem ensina Eugenio Florian, “o princípio da verdade material, que no processo brilha com luz própria e constitui fundamento do sistema probatório e o critério do livre convencimento, que é a alma e o espírito vivificador desse sistema, levam conjuntamente à conclusão de que os meios de prova não podem restringir-se a uma enumeração taxativa e inalterável. Assim manifesta-se em toda sua firmeza o princípio da liberdade dos meios de prova (Das provas, tomo I, p. 223).

A liberdade aqui prevista não é, nem deve implicar nunca o arbítrio, merecendo limitações. Dentre tais limitações, destaca-se aquela que veda a produção da prova obtida por meios ilícitos, segundo expresso preceito constitucional (art. 5°. LVI, da CF). Ou a prova quanto ao estado das pessoas, para a qual não vigora qualquer liberdade em sua produção, na medida em que deve atentar às restrições estabelecidas na lei civil, conforme se verá abaixo.

4. Restrições à liberdade de provas

No desejo de conter o poder punitivo estatal, o art. 155, caput, proíbe o magistrado sentenciante fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

No Senado houve emenda buscando retirar do dispositivo a expressão “exclusivamente”, sob o argumento de que as informações colhidas na investigação não são provas produzidas de acordo com o contraditório, não devendo sequer ser levadas em consideração pelo juiz criminal. Não foi acolhida pela Câmara. A supressão pretendida faria com que o órgão jurisdicional fosse impedido de considerar qualquer elemento informativo da fase de inquérito. Foi (corretamente) lembrado que, por determinação constitucional, todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, de tal forma que o julgador só deve levar em consideração informações contidas em inquérito policial se o fizer de forma razoável. Deve, portanto, o magistrado explicitar os motivos que o levaram a utilizar o elemento informativo colhido no inquérito policial. Este, por sua vez, não segue mais o antigo paradigma de investigação inquisitória, havendo, atualmente, observância às garantias do acusado no que tange à ampla defesa, sendo, inclusive, assegurado o acesso do advogado aos autos do inquérito.

A inovação em estudo acompanhou copiosa jurisprudência dos nossos Tribunais. A novel Lei, simplesmente, adequou o artigo em comento ao princípio do devido processo legal, estampado na CF/88 (art. 5°, LV), protegendo o cidadão contra a ingerência arbitrária do Estado, proibindo a este exercer o seu direito de punir senão por meio de um processo judicial legítimo, concedendo ao acusado o direito de oferecer resistência, produzir provas e influenciar, positivamente, no convencimento do Julgador.

Fez coro, ainda, ao sistema da livre convicção ou da persuasão racional (ou da verdade real), adotado pelo legislador do código, conforme se depreende de sua Exposição de Motivos, da lavra do Ministro Francisco Campos, que assenta: “todas as provas são relativas: nenhuma terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que a outra. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não ficará subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material” (item VII). Vê-se aqui, destarte, que o legislador, de um lado, confere ao Juiz a mais ampla liberdade de análise da prova, já que não fica limitado a nenhuma hierarquia previamente estabelecida, julgando segundo sua consciência e conforme a prova constante dos autos. De outra banda, porém, tal liberdade não se confunde com arbítrio e, por isso, criou o legislador uma série de restrições, cujo objetivo é o de impedir o despotismo judicial.

Conclusão: diante do preceito constitucional do contraditório, exige-se que a prova extrajudicial, para ser utilmente oposta ao acusado, venha a reproduzir-se na forja da Justiça ou, ao menos, a receber amparo suficiente na prova da instrução. Não se pode, entretanto, desconsiderar que os elementos amealhados no inquérito policial, apesar de insuficientes, por si sós, para sustentar a condenação, mostram-se hábeis na formação do convencimento do magistrado, pois colhidos na polícia na função de apurar a ilicitude e, quase sempre, com grande proximidade temporal do delito (nesse sentido: TACrim-SP – Rel. Renato Nalini – RJD 28/39).

5. Provas cautelares, não repetíveis ou antecipadas

As provas cautelares, não repetíveis ou antecipadas dispensam reprodução sob o crivo do contraditório. A razão é óbvia: há provas que, por sua própria natureza, não permitem reprodução em Juízo. Nesses casos, embora produzidas extrajudicialmente, pode o juiz basear sua decisão em tais provas. Imagine-se uma perícia realizada em um portão, a fim de apurar a prática de um crime de furto qualificado. Tal exame deverá ser realizado o mais rápido possível, tão logo se der a prática do crime. Não se exigirá, nesse caso, que passado um ano, já em Juízo, nova violação na porta seja feita, para que uma perícia, agora judicial, seja produzida. Tampouco se imporá à vítima o dever de aguardar, durante um ano, um eventual processo criminal para, somente a partir daí, poder efetuar os reparos na porta, como forma de proteger seu patrimônio. Não. A prova válida e eficaz será aquela produzida ainda na fase policial, embora – insistimos – sem contar com as garantias do contraditório e da ampla defesa, exigíveis, apenas, para o processo criminal.

O mesmo ocorrerá em um caso de homicídio. O exame necroscópico a ser sopesado pelo julgador é aquele realizado no âmbito administrativo, ainda durante o inquérito policial. Não se exigirá, decerto, que passados três ou quatro anos da prática do crime, se vá reproduzir a perícia em Juízo, em face, inclusive, do total desaparecimento do material a ser levado a exame.

Mas não é só: imagine-se uma busca e apreensão (inserida, em nosso ordenamento jurídico, no capítulo das provas, a despeito da crítica doutrinária a respeito). Ora, trata-se de prova que possui nítido caráter cautelar e que se esgota em si mesma. Uma vez realizada não há como se reclamar sua reprodução mais adiante, em Juízo. Cumprirá ao juiz, portanto, analisar se a prova, em sua realização e cumprimento, atendeu aos requisitos formais, conferindo-lhe, em seguida, o valor que entender devido. Jamais, porém, pretender sua renovação judicial.

Nesses casos, destarte, a prova, embora produzida extrajudicialmente, terá plena validade e eficácia na formação da convicção do Juiz. Trata-se, porém, de medida excepcional. A regra continua sendo aquela descrita no caput do dispositivo em estudo: a sentença penal deverá vir lastreada na prova produzida em Juízo, revestida dos princípios constitucionais que informam o processo penal.

6. Estado das pessoas

Em relação ao estado das pessoas, o parágrafo único do art. 155 do CPP determina que se deve observar as restrições estabelecidas na lei civil. Nessas hipóteses a intenção é encontrar, com exclusividade, no campo cível, a prova competente, prevalecendo sobre eventual prova criminal produzida em sentido contrário. Assim por exemplo, a existência da violência presumida nos crimes contra a liberdade sexual (art. 224, a, CP), deve ser demonstrada com a juntada da certidão de nascimento da vítima. Também através de tal documento será reduzida ou aumentada a pena (arts. 65, I e 61, II, h, ambos do CP), ou o prazo prescricional em favor do menor de 21 ([7]) ou maior de 70 anos. Também a morte, fator extintivo da punibilidade do réu (art. 107, I, CP), somente pode ser demonstrada por meio da respectiva certidão de óbito (art. 62, CPP) ([8]). E assim, inúmeras outras hipóteses espalhadas na legislação, nas quais a prova civil é indispensável, jamais sendo superada pela prova penal, mesmo ante eventual confissão do réu ou depoimento veraz da vítima ou testemunha.

Esta restrição, para alguns, mostra-se arbitrária, ferindo, inclusive, a garantia da ampla defesa. Não nos parece. Temos, no caso, a previsão do princípio da especialidade, sobrepondo-se à penal, a prova civil, produzida na seara própria.

Fotocópia do documento sem autenticação serve como prova? Apesar de julgados em sentido contrário, o STF já decidiu que a eficácia probante das cópias xerográficas resulta, em princípio, da sua formal autenticação por agente público competente (CPP. Art. 232, parágrafo único). Peças reprográficas não autenticadas, desde que possível a aferição de sua legitimidade por outro meio idôneo, podem ser validamente utilizadas em juízo penal (Rel. Min. Celso de Mello – RT 709/418).

7. Conclusão.

Conforme se destacou no transcurso deste trabalho, a inovação legal procurou ressaltar a importância da prova produzida em Juízo, sob o crivo dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, da publicidade, etc. O legislador, assim, vedou ao Magistrado qualquer possibilidade de fundamentar sua decisão com base, exclusivamente, na prova produzida extrajudicialmente (com exceção das provas que, por sua própria natureza, não possam ser repetidas em Juízo). Com isso, além de privilegiar, de forma expressa, os princípios contidos na Constituição, acabou por encampar, no texto legal, entendimento jurisprudencial plasmado na mais alta Corte do país, que não conferia maior valor à prova obtida fora do processo judicial ([9]). Como bem acentua Antonio Scarance Fernandes, jurisprudência e doutrina, tendo a Constituição como norte, indicaram que “a condenação não podia estar lastreada nos elementos do inquérito, porque, se assim fosse, não estaria sendo observado o princípio constitucional do contraditório. Além do mais, como a defesa não participa, necessariamente, do inquérito, a condenação escorada em informes colhidos durante a investigação representa ofensa ao princípio constitucional da ampla defesa”. ([10])


[1] J. Ribeiro de Daria, Provas, Ed. Polis, vol. IV, p. 1687.

[2] Curso de Processo Penal, vol. II, Ed. Verbo, p. 96.

[3] Ronaldo Batista Pinto, Prova Penal – doutrina e jurisprudência, p. 8.

[4] Luigi Ferrajoli trata, não sem razão, a verdade real como processual e esta, por sua vez, como verdade aproximativa. “A impossibilidade de formular um critério seguro de verdade das teses judiciais depende do fato de que a verdade ´certa´, ´objetiva´ ou ´absoluta´ representa sempre a ´a expressão de um ideal´ inalcançável” (Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal, Ed. Revista dos Tribunais, p. 42). Eugênio Pacceli, apesar de não enxergar inconveniente na expressão “verdade real”, observa: “Desde logo, porém, um necessário esclarecimento: toda a verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza exclusivamente jurídica. De fato, embora se utilizando de critérios diferentes para a comprovação dos fatos alegados em Juízo, a verdade (que interessa a qualquer processo, seja cível, seja penal) revelada na via judicial será sempre uma verdade reconstruída, dependente do maior ou menor grau de contribuição das partes, e por vezes do juiz, quanto à determinação de sua certeza” (Curso de Processo Penal, Ed. Del Rey, p. 281).

[5] Germano Marques Silva, Curso de Processo Penal, vol. I, Ed. Verbo, p. 78.

[6] O juiz, longe de ser um observador de pedra – imóvel, estático -, conta com poder de iniciativa complementar de provas, nos termos do art. 156 do CPP. Segundo Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly, na Justiça Penal, “o juiz não é mero espectador das provas produzidas pelas partes. Tem o dever de investigar a fundo a realidade do fato. Tão largo é o alcance desse princípio que até mesmo a confissão, no processo penal, tem valor relativo (art. 197) e deve ser valorada de acordo com as demais provas coligidas, enquanto, no processo civil, esse mesmo ato, quando não se cuidar de direitos indisponíveis, tem importância definitiva e absoluta (art. 341, § 1º, CPC), autorizando desde logo o julgamento da lide” (Curso de Processo Penal, Ed. Atlas, p. 28). Contudo, deve ser observado que o poder conferido ao juiz é o de (repita-se) complementar as provas, jamais tomando a dianteira na sua produção. Com fulcro nesse alerta, o STF declarou inconstitucional o art. 3° da Lei 9.034/95, que conferia ao magistrado poder total de investigação, extrapolando a intenção (permissão) do legislador processual (ADI 1570).

[7] Preceitua a Súmula 74 do STJ: “Para os efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil”.

[8] Temos doutrina admitindo a prova da morte mediante a sentença declaratória de ausência (morte presumida).

[9] “Somente a prova penal produzida em juízo pelo órgão da acusação penal, sob a égide da garantia constitucional do contraditório, pode revestir-se de eficácia jurídica bastante para legitimar a prolação de um decreto condenatório. Os subsídios ministrados pelas investigações policiais, que são sempre unilaterais e inquisitivas – embora suficientes ao oferecimento da denúncia pelo Ministério Público -, não bastam, enquanto isoladamente considerados, para justificar a prolação, pelo Poder Judiciário, de um ato de condenação penal. É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia constitucional do contraditório” (STF – HC nº 73.338 – RJ – DJ de 19.12.96 – Rel. Celso de Mello).

“A unilateralidade das investigações desenvolvidas pela polícia judiciária na fase preliminar da persecução penal (informatio delicti) e o caráter inquisitivo que assinala a atuação da autoridade policial não autorizam, sob pena de grave ofensa a garantia constitucional do contraditório e da plenitude de defesa, a formulação de decisão condenatória cujo único suporte seja a prova, não reproduzida em juízo, consubstanciada nas peças do inquérito” (STF – RE nº 136239 – SP – DJ de 14.8.92, p. 12227 – Rel. Celso de Mello).

[10] Antonio Scarance Fernandes, Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal, p. 98.

Fonte: Atualidades do Direito, em 25 de agosto de 2011.

Retrospectiva do Direito brasileiro

Lenio Luiz Streck Procurador de Justiça-RS; Professor titular da UNISINOS/ RS; visitante/colaborador da UNESA/RJ, ROMA TRE, JAVERIANA DE BOGOTÁ, FDUC (PT)); membro catedrático da ABDCONST; coordenador do DASEIN - Núcleo de Estudos Hermenêuticos; pós-doutor em Direito (FDUL - Portugal).

O novo constitucionalismo chega ao Brasil apenas em 1988. E o que é isto? É um novo paradigma. Lamentavelmente, olhamos esse novo com os olhos do velho. Isso pode ser facilmente percebido pelos Códigos ainda vigentes (em boa parte, não válidos) e pela aposta no protagonismo judicial (veja-se, p.ex., a vulgata em que se transformou a "ponderação", álibi para decisionismos). Há uma crise, pois.

No campo do direito penal, continua valendo a frase La ley es como la serpiente; sólo pica a los descalzos. O velho Código Penal - fosse nele feita uma filtragem hermenêutico-constitucional - seria reduzido a pó. Desnecessário falar da desproporcionalidade entre os tipos penais e bens jurídicos (des) protegidos.

No processo penal a situação não é diferente. A velha dogmática fez uma "adaptação darwiniana" do novo paradigma. Entretanto, alguns avanços tinham que acontecer. Um exame mesmo que superficial no texto da CF-88 mostrará que conseguimos construir um conjunto de garantias processuais-penais que colocam o Brasil - formalmente -na vanguarda. A título exemplificativo: a) os prazos para o exercício da ação penal; b) o tempo máximo para a prisão cautelar; c) a obrigatoriedade da publicidade das decisões; e e) a garantia da não culpabilidade. O modo como a CF/88 prevê o processamento dessas temáticas - para falar apenas de alguns dos aspectos importantes - não encontra similar em outros países. Claro que há diferenças, como as condições da prisão e a desigualdade no tratamento dos pobres. Entretanto, é inexorável que isso ocorra em uma sociedade ainda "estamental" (Faoro) como a nossa.

Mas, atenção: também é evidente que esses avanços sempre começam quando os "estamentos" estão envolvidos em litígios. Casos emblemáticos envolvendo o "andar de cima" servem como "start" para alterações legislativo-jurisprudenciais. Lembremos, rapidamente, da Súmula 691 (caso Maluf), contornada pelo próprio STF. Isto é, o avanço, no tocante ao exame de HC's pelo STF, mesmo sem a apreciação do STJ, deu-se de forma contingencial, como, de certo modo, ocorrera com a Lei (Delegado) Fleury na ditadura militar

Assim, se é verdade que o STF vem concedendo HC's para acusados de furtos de sabonetes, também é verdade que, de um lado, os tribunais estaduais continuam resistentes a esses avanços advindos da STF e, de outro, que os acusados pertencentes às camadas superiores da sociedade vêm se beneficiando dessa nova perspectiva garantista-constitucional que está sendo assumida principalmente pelo STF. Um exemplo interessante: enquanto o STF aponta para a tese de que a gravidade do crime não "prende por si só", os Tribunais estaduais sistematicamente ignoram essa avançada interpretação feita pelo Tribunal Maior.

Ainda no plano "jurisprudencial-contingencial", no ano de 2011, o STJ avançou em relação à tese dos frutos da árvore envenenada. Foi "mais longe" até que a tese norte-americana. Refiro-me, aqui, ao HC 159.159/SP, envolvendo figuras pertencentes ao "andar de cima" (Operação Castelo de Areia); do mesmo modo, a Operação Satiagraha. Pena que, ao mesmo tempo, há casos de HC's negados para furtadores de garafas de vinho em posto de gasolina.

Portanto, esses avanços se apresentam de maneira ad hoc. Não há, por assim dizer, um "sentimento constitucional-processual". Os avanços ocorreram porque os "cases" envolviam o "andar de cima". Não se pode negar, entretanto, que, paradoxalmente, esse modo de agir "por saltos" é/foi útil para o avanço de um processo penal de garantias. Volta-se, sempre, aquilo que se pode denominar de "Fator Fleury".

Essa evolução, no entanto, nem de longe isenta o "sistema processual penal" pelos quase quinhentos mil presos nas penitenciárias brasileiras. Ou seja, avançamos em alguns pontos. E apenas isso. Questões prosaicas como a prisão por crimes que terão a pena - em caso de condenação - substituídas por penas não privativas de liberdade podem ser detectadas em todos os Estados da federação (agora deve haver mudança, em face da 12.403).

Decisões mal fundamentadas, prisões decretadas com repetições de jargões prêt-à-porters... Eis uma imagem: em vigor a lei da Lavagem de Dinheiro desde 1998, somente houve condenação em 17 ações penais nestes mais de 14 anos, enquanto, nesse mesmo período, mais de 150.000 pessoas foram parar nas prisões por furtos, estelionatos e apropriações indébitas... Como é fácil condenar alguém por delitos de furto. E como é difícil condenar alguém pelo crime de lavagem de dinheiro...!

Ações penais temerárias, milhares de denúncias (aceitas) por contravenções penais (sic); laudos periciais feitos por policiais validados em juízo; desrespeito por parte dos juízes - e pelos Tribunais, inclusive pelo STJ e STF - da regra do art. 212 do CPP (lembremos do HC 103.525, no qual o desrespeito ao procedimento do art. 212 foi considerado simples "nulidade relativa" - sic). Eis um retrato de como as garantias processuais penais ainda estão longe de chegar ao andar de baixo da sociedade.

Problema fulcral: o modelo inquisitivo. Problema para o futuro: o novo CPP, embora prometa adotar o acusatório, aposta no livre convencimento. Isto é, na prática, continua(re)mos reféns do protagonismo judicial. Esse problema se repete no processo civil (questão da gestão da prova). Trata-se do "vício de origem" do processualismo brasileiro. Desde Oskar von Büllow - questão que também pode ser vista em Anton Menger e Franz Klein -, a relação publicística está lastreada na figura do juiz, "porta-voz avançado do sentimento jurídico do povo", com poderes para além da lei, tese que viabilizou, na sequência, a Escola do Direito Livre.

Essa aposta solipsista está lastreada no paradigma racionalista-subjetivista que atravessa dois séculos, podendo facilmente ser percebida, na sequência: em Chiovenda, Carnellutti, Couture, Liebman, e, no Brasil, na Escola Instrumentalista do processo, cujos defensores admitem a existência de "escopos metajurídicos", e o "aperfeiçoamento" do sistema jurídico dependerá do ("sadio") protagonismo judicial. Resultado disso? Basta ver as mini-reformas processuais. O fracasso foi tão grande que, mesmo com a aprovação das súmulas vinculantes e a repercussão geral, o Presidente do STF propõe a PEC dos Recursos...! Confissão do fracasso das mini-reformas. Ponto para a velha dogmática.

Despiciendo falar dos demais ramos do direito, como o direito civil, tomado hoje por uma espécie de "ideologia das cláusulas abertas" ou "o código do juiz", ou o direito tributário, perdido no entremeio de uma interminável discussão entre regras e princípios (o Estado continua sendo visto como no séc XIX: ou seja, "mau"...!). Nem vou falar do panprincipiologismo, verdadeira bolha especulativa axiologista-positivista que tomou conta da doutrina e dos tribunais. Sequer sabemos distinguir os velhos princípios gerais dos (novos) princípios constitucionais.

No campo do ensino jurídico - que contribui para esse quadro - tem-se que, nos últimos 22 anos, a) ainda não se construiu um modelo de ensino que "supere" a leitura de leis e códigos comentados; b) a indústria que mais cresce é a dos compêndios de baixa qualidade; c) a doutrina - lato sensu - doutrina cada vez menos, estando dominada por produções que reproduzem repositórios jurisprudenciais (ementários); em muitos casos, interpretam-se as leis e os códigos com base em julgados anteriores à Constituição; d) até mesmo em determinados setores da pós-graduação (mestrado e doutorado) continua-se a fazer descrições de leis e casos; e) o resultado disso pode ser visto nas salas de aula os cursos de direito espalhados por todo o país. Parece que os professores não conseguem ensinar sem o uso desse material - técnico e profissionalizante - acima referido. É o modo-manualesco-de-ensinar. e) por outro lado, os setores profissionais (Poder Judiciário, Ministério Público, etc) não conseguiram elaborar um novo modelo de provas de concursos públicos; f) o modelo de decisão judicial continua o mesmo há mais de um século: a fundamentação restringe-se à citação da lei, da súmula ou do verbete, problemática que se agrava com a institucionalização da súmula vinculante.

Numa palavra: um novo paradigma demanda novas teorias: das fontes, da norma, da interpretação e da decisão. Ainda estamos devendo isso. O pagamento dessa fatura implica a superação das duas formas de positivismo imperantes: o exegetismo e o normativismo. A aposta em subjetivismos é tão danosa quanto a aposta em formalismos. Essa é uma tarefa da teoria do direito contemporâneo.


Jornal Carta Forense, terça-feira, 2 de agosto de 2011