Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

segunda-feira, 28 de março de 2016

Reiteração criminosa no crime de descaminho e princípio da insignificância

Caros amigos, segue julgado bem precioso sobre a aplicação da insignificância, fazendo alusão à não adoção do direito penal do autor; ao  fomento à justiça privada, à teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos, ao eventual desvirtuamento da teoria da insignificância em sua gênese, elementos subjetivos que revelem o merecimento do réu; à adaptação de teorias à realidade e à aplicação casuística pelo Magistrado. 

Este é exatamente meu entendimento acerca do tema, prima-se pelo bom senso e pela razoabilidade:

DIREITO PENAL. REITERAÇÃO CRIMINOSA NO CRIME DE DESCAMINHO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
 
A reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância nos crimes de descaminho, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, as instâncias ordinárias verificarem que a medida é socialmente recomendável.  

Destaca-se, inicialmente, que não há consenso sobre a possibilidade ou não de incidência do princípio da insignificância nos casos em que fica demonstrada a reiteração delitiva no crime de descaminho. Para a Sexta Turma deste Tribunal Superior, o passado delitivo do agente não impede a aplicação da benesse. Já para a Quinta Turma, as condições pessoais negativas do autor inviabilizam o benefício. 

De fato, uma conduta formalmente típica, mas materialmente insignificante, mostra-se deveras temerária para o ordenamento jurídico acaso não se analise o contexto pessoal do agente. Isso porque se estaria instigando a multiplicação de pequenos crimes, os quais se tornariam inatingíveis pelo ordenamento penal. 

Nesse sentido, o Plenário do STF, quando do julgamento dos HC 123.734-MG (DJe 2/2/2016), HC 123.533-SP (DJe 8/8/2014) e HC 123.108-MG (DJe 1º/2/2016), a despeito de ter exarado que a aplicação do princípio da insignificância "deve ser analisada caso a caso pelo juiz de primeira instância, e que a Corte não deve fixar tese sobre o tema", acabou por traçar orientação no viés de que a vida pregressa do agente pode e deve ser efetivamente considerada ao se analisar a possibilidade de incidência do preceito da insignificância. 

Ressaltou-se, no mencionado julgamento, que adotar indiscriminadamente o princípio da insignificância, na hipótese em que há qualificação ou reincidência, seria tornar a conduta penalmente lícita e também imune a qualquer espécie de repressão estatal. Além disso, na mesma ocasião, salientou-se que a imunização da conduta do agente, ainda que a pretexto de protegê-lo, pode deixá-lo exposto à situação de justiça privada, na medida em que a inação do Estado pode fomentar a sociedade a realizar "justiça com as próprias mãos", com consequências imprevisíveis e provavelmente mais graves. 

Concluiu-se, assim, que: "o Judiciário não pode, com sua inação, abrir espaço para quem o socorra. É justamente em situações como esta que se deve privilegiar o papel do juiz da causa, a quem cabe avaliar em cada caso concreto a aplicação, em dosagem adequada, seja do princípio da insignificância, seja do princípio constitucional da individualização da pena". 

Portanto, entende-se que, para aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho, além de ser analisado o tributo iludido e os vetores - (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) nenhuma periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada -, deve ser examinada a vida pregressa do agente. 

Note-se que a incidência do princípio da insignificância nos casos de reiteração do crime de descaminho estaria legitimando a conduta criminosa, a qual acabaria por se tornar, em verdade, lícita. Ora, bastaria, por exemplo, que o agente fizesse o transporte das mercadorias de forma segmentada. 

Logo, a reiteração delitiva deve efetivamente ser sopesada de forma negativa para o agente. Esclareça-se que, ao somar um requisito de ordem subjetiva ao exame acerca da incidência do princípio da insignificância, não se está desconsiderando a necessidade de análise caso a caso pelo juiz de primeira instância. 

Antes, se está afirmando ser imprescindível o efetivo exame das circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto, porquanto, de plano, aquele que reitera e reincide não faz jus a benesses jurídicas. Dessa forma, ante a ausência de previsão legal do princípio da insignificância, deve-se entender que não há vedação à sua aplicação ao reincidente, o que não significa, entretanto, que referida circunstância deva ser desconsiderada. 

A propósito, ressalta-se a teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos, a qual considera que "a contumácia de infrações penais que não têm o patrimônio como bem jurídico tutelado pela norma penal (a exemplo da lesão corporal) não poderia ser valorada como fator impeditivo à aplicação do princípio da insignificância, porque ausente a séria lesão à propriedade alheia" (STF, HC 114.723-MG, Segunda Turma, DJe 12/11/2014). 

Destaca-se, ainda, que apenas as instâncias ordinárias, que se encontram mais próximas da situação que concretamente se apresenta ao Judiciário, têm condições de realizar o exame do caso concreto, por meio da valoração fática e probatória a qual, na maioria das vezes, possui cunho subjetivo, impregnada pelo livre convencimento motivado. Por fim, não se desconhece a estrutura objetiva do princípio da insignificância. 

No entanto, preconiza-se a ampliação de sua análise para se incorporar elementos subjetivos que revelem o merecimento do réu. Isso não guarda relação com o direito penal do autor, mas antes com todo o ordenamento jurídico penal, o qual remete à análise de mencionadas particularidades para reconhecer o crime privilegiado, fixar a pena-base, escolher o regime de cumprimento da pena, entre outros. 

Nesse contexto, ainda que haja um eventual desvirtuamento da teoria da insignificância em sua gênese, faz-se isso com o intuito de assegurar a coerência do ordenamento jurídico pátrio, tornando a incidência do princípio da bagatela um verdadeiro privilégio/benefício, que, portanto, deve ser merecido, não se tratando da mera aplicação de uma teoria, haja vista, não raras vezes, ser necessária a adaptação de teorias à nossa realidade. Precedentes citados do STF: HC 120.662-RS, Segunda Turma, DJe 21/8/2014; HC 109.705-PR, Primeira Turma, DJe 28/5/2014. 

EREsp 1.217.514-RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 9/12/2015.

Qualificadora do motivo torpe em relação ao mandante de homicídio mercenário

Segue interessante julgado, publicado no Inf 575 do STJ:
 
O reconhecimento da qualificadora da "paga ou promessa de recompensa" (inciso I do § 2º do art. 121) em relação ao executor do crime de homicídio mercenário NÃO qualifica AUTOMATICAMENTE o delito em relação ao mandante, nada obstante este possa incidir no referido dispositivo caso o motivo que o tenha levado a empreitar o óbito alheio seja torpe.  

De fato, no homicídio qualificado pelo motivo torpe consistente na paga ou na promessa de recompensa (art. 121, § 2º, I, do CP) - conhecido como homicídio mercenário - há concurso de agentes necessário, na medida em que, de um lado, tem-se a figura do mandante, aquele que oferece a recompensa, e, de outro, há a figura do executor do delito, aquele que aceita a promessa de recompensa. 

É bem verdade que NEM SEMPRE a motivação do mandante será abjeta, desprezível ou repugnante, como ocorre, por exemplo, nos homicídios privilegiados, em que o mandante, por relevante valor moral, contrata pistoleiro para matar o estuprador de sua filha. 

Nesses casos, a circunstância prevista no art. 121, § 2º, I, do CP não será transmitida, por óbvio, ao mandante, em razão da INCOMPATIBILIDADE da qualificadora do motivo torpe com o crime privilegiado, de modo que apenas o executor do delito (que recebeu a paga ou a promessa de recompensa) responde pela qualificadora do motivo torpe. 

Entretanto, apesar de a "paga ou promessa de recompensa" (art. 121, § 2º, I, do CP) não ser elementar, mas sim circunstância de CARÁTER PESSOAL do delito de homicídio, sendo, portanto, incomunicável automaticamente a coautores do homicídio, conforme o art. 30 do CP (REsp 467.810-SP, Quinta Turma, DJ 19/12/2003), poderá o mandante responder por homicídio qualificado pelo motivo torpe caso o motivo que o tenha levado a empreitar o óbito alheio seja abjeto, desprezível ou repugnante. 

REsp 1.209.852-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 15/12/2015, DJe 2/2/2016.