Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Professor, e se, sob coação para roubar, ele matar?

José Osterno Campos de Araújo

Procurador Regional da República

Mestre em Ciências Criminais

Professor do UniCEUB

Na sala de aula, após explicação e exemplo, a pergunta do aluno: “Professor, e se, sob coação para roubar, ele matar?”.

Tratava-se, na exposição, de culpabilidade, ou, melhor, de exigibilidade de conduta conforme o direito, ou, melhor ainda, de coação moral irresistível, na forma posta no artigo 22 do Código Penal.

O professor leu referido artigo 22 e exemplificou: “Imagine-se que Jonas sequestre o pai de Pedro e o próprio Pedro. Em seguida, diga a este: ‘Se você não for à Faculdade de Direito e roubar o banco ali localizado, eu mato seu pai. Dou-lhe 3 horas para me trazer o dinheiro. É pegar ou largar’”.

Sem opção, Pedro concorda com o crime.

Arma-se e - a sorte estava lhe ajudando – vê-se já dentro da agência bancária, onde, incontinenti, anuncia o assalto.

Ocorre que o segurança do banco, forte e intimorato, intervém, para evitar o crime. Com nervos destroçados, Pedro atira e o mata.

Afinal, era isso ou não teria o dinheiro. O morto, então, seria seu pai.

Pedro retorna ao cativeiro, onde entrega o produto do roubo a Jonas.

Aqui, a hora de se enfrentar a pergunta do aluno interessado: “Pelo havido latrocínio, detém Pedro responsabilidade penal, já que fora coagido para roubar?”.

A questão se cinge ao que se pode chamar de limites do mandato outorgado para atuação criminosa.

De fato, a questão trata da demarcação dos limites da coação imposta por Jonas a Pedro. Noutro dizer, estava na linha de previsibilidade normal da coação, para roubar, que o coagido, em sua atuação, pudesse, para realizar em plenitude o “mandato” criminoso, vir a matar, transformando, pois, o roubo em latrocínio?”.

No encalço de resposta, lança-se mão, pela pertinência, da normatividade do artigo 29 do Código Penal, mormente do que respeita à chamada cooperação dolosamente distinta, a saber: “Art. 29. Omissis. § 1º. Omissis. § 2º. Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até a 1/2 (metade), na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.

Na hipótese, o latrocínio – sim - era plenamente previsível por Jonas, encontrando-se, pois, sua prática dentro dos limites do “mandato” criminoso por ele outorgado a Pedro, não se podendo dizer o mesmo de eventual estupro que Pedro viesse a cometer, ao roubar.

Em verdade, ao roubar o banco e matar o guarda, Pedro viu-se – no dizer popular – entre a cruz e a espada. A cruz, a morte do guarda; a espada, a de seu próprio pai.

Tinha, pois, Pedro, para salvar a vida do pai, que fazer tudo aquilo, e somente “tudo aquilo”, que fosse necessário para ter o dinheiro e entregá-lo a Jonas.

E foi somente o que fez: o necessário. Armou-se, roubou e matou, pela vida do pai cativo.

No caso, à míngua de culpabilidade, também em relação ao latrocínio, dada a inexigibilidade de conduta diversa, Pedro estaria isento de pena e a responsabilidade pelo havido roubo seguido de morte seria, integral e exclusiva, de Jonas, agente da coação, criminoso único, autor mediato.

Fonte: http://chrystianoangelo.blogspot.com

Um comentário:

  1. Este é um bom exemplo para se aprofundar no estudo da excludente (dirimente) de culpabilidade denominada inexigibilidade de conduta diversa.

    Mais uma vez, o Direito Penal mostrando-se claramente: finalista, sancionador e, acima de tudo, valorativo.

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