Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

sábado, 26 de dezembro de 2015

Estatuto do Desarmamento: Atipicidade da conduta de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido com registro vencido

Não configura o crime de posse ilegal de arma de fogo (art. 12 da Lei nº 10.826/2003) a conduta do agente que mantém sob guarda, no interior de sua residência, arma de fogo de uso permitido com registro vencido. Se o agente já procedeu ao registro da arma, a expiração do prazo é MERA IRREGULARIDADE administrativa que autoriza a apreensão do artefato e aplicação de multa. A conduta, no entanto, não caracteriza ilícito penal. 

Ex: a Polícia, ao realizar busca e apreensão na casa de João, lá encontrou um revólver, de uso permitido. João apresentou o registro da arma de fogo localizada, porém ele estava vencido há mais de um ano. João não praticou crime de posse ilegal de arma de fogo (art. 12 da Lei nº 10.826/2003). STJ. 

Corte Especial. APn 686-AP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 21/10/2015 (Info 572).

Argumentos:

  • Não há DOLO do agente que procede ao registro e, depois de expirado o prazo, é apanhado com a arma nessa circunstância. 
  • Trata-se de uma irregularidade administrativa. Isso porque se a pessoa possui o REGISTRO da arma de fogo de uso permitido, significa que o Poder Público tem completo CONHECIMENTO de que ele possui o artefato em questão, podendo rastreá-lo, se necessário. Logo, inexiste OFENSIVIDADE na conduta.
  • A mera inobservância da exigência de recadastramento periódico não pode conduzir à incriminação penal. Cabe ao Estado APREENDER a arma e aplicar a punição administrativa pertinente, não estando em consonância com o Direito Penal moderno deflagrar uma ação penal para a imposição de pena tão somente porque o indivíduo - devidamente autorizado a possuir a arma pelo Poder Público, diga-se de passagem - deixou de ir de tempos em tempos efetuar o recadastramento do artefato. Portanto, até mesmo por questões de POLÍTICA CRIMINAL não há como submeter o paciente às agruras de uma condenação penal por uma conduta que não apresentou nenhuma LESIVIDADE relevante aos bens jurídicos tutelados pela Lei nº 10.826/2003, não incrementou o risco e pode ser resolvida na via administrativa.
  •  O direito penal possui caráter SUBSIDIÁRIO e de ULTIMA RATIO.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Requisição pelo "Parquet" de informações bancárias de contas públicas: inocorrência de violação de sigilo bancário

Importante julgado do STJ, assinalando que as contas públicas não estão abrangidas pelo sigilo bancário a que alude a LC nº 105/2001, uma vez que operações deste jaez estão submetidas aos princípios da administração pública insculpidos no art.37 da Lei Fundamental, sobretudo aos princípios da publicidade e da moralidade:

REQUISIÇÃO PELO MP DE INFORMAÇÕES BANCÁRIAS DE ENTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
 
Não são nulas as provas obtidas por meio de requisição do Ministério Público de informações bancárias de titularidade de prefeitura municipal para fins de apurar supostos crimes praticados por agentes públicos contra a Administração Pública. 

É pacífico na doutrina pátria e na jurisprudência dos Tribunais Superiores que o sigilo bancário constitui espécie do direito à INTIMIDADE/PRIVACIDADE, consagrado no art. 5º, X e XII, da CF. No entanto, as contas públicas, ante os princípios da PUBLICIDADE e da MORALIDADE (art. 37 da CF), não possuem, em regra, proteção do direito à intimidade/privacidade e, em consequência, não são protegidas pelo sigilo bancário.

Na verdade, a intimidade e a vida privada de que trata a Lei Maior referem-se à pessoa humana, aos INDIVÍDUOS que compõem a sociedade e às pessoas jurídicas de direito PRIVADO, INAPLICÁVEIS tais conceitos aos ENTES PÚBLICOS.

Ademais, entendeu o STF que as "Operações financeiras que envolvam RECURSOS públicos não estão abrangidas pelo sigilo bancário a que alude a Lei Complementar nº 105/2001, visto que as operações dessa espécie estão submetidas aos PRINCÍPIOS da administração pública insculpidos no art. 37 da Constituição Federal" (MS 33.340-DF, Primeira Turma, DJe de 3/8/2015). Decisão monocrática citada: STJ, RCD no HC 301.719-CE, DJe 13/3/2015.  

HC 308.493-CE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 20/10/2015.

Inocorrência de ação controlada ante a ausência da meta de atingir o "peixe graúdo"

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HIPÓTESE DE INOCORRÊNCIA DE AÇÃO CONTROLADA.

A investigação policial que tem como única finalidade obter informações mais concretas acerca de conduta e de paradeiro de DETERMINADO traficante, sem pretensão de identificar outros suspeitos, NÃO configura a ação controlada do art. 53, II, da Lei 11.343/2006, sendo DISPENSÁVEL a autorização judicial para a sua realização. 

Como se extrai do art. 53, II, da Lei 11.343/2006, a ação controlada tem como finalidade "[...] identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico [...]". Nesse sentido, a doutrina afirma que a ação controlada consiste em RETARDAR a intervenção policial com a meta de atingir o "peixe graúdo", sem que se dissemine a prisão dos meros carregadores de drogas ilícitas, atuando por ordem dos verdadeiros comandantes da operação, traficantes realmente perigosos. 

Assim, a investigação policial que almeja apenas obter informações mais concretas acerca de condutas e de paradeiro de determinado traficante, sem pretensão de identificar OUTROS suspeitos, não configura ação controlada, sendo dispensável a autorização judicial para a sua realização.  

RHC 60.251-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 17/9/2015.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Consumação do crime de tráfico de drogas na modalidade "adquirir"

A conduta consistente em negociar por telefone a aquisição de droga e também disponibilizar o veículo que seria utilizado para o transporte do entorpecente configura o crime de tráfico de drogas em sua forma CONSUMADA- e não tentada -, ainda que a polícia, com base em indícios obtidos por interceptações telefônicas, tenha efetivado a APREENSÃO do material entorpecente antes que o investigado EFETIVAMENTE o recebesse. 

Inicialmente, registre-se que o tipo penal em análise é de ação múltipla ou CONTEÚDO VARIADO, pois apresenta várias formas de violação da mesma proibição, bastando, para a consumação do crime, a prática de uma das ações ali previstas. Nesse sentido, a Segunda Turma do STF (HC 71.853-RJ, DJ 19/5/1995) decidiu que a modalidade de tráfico "adquirir" completa-se no instante em que ocorre a AVENÇA entre comprador e vendedor. 

De igual forma, conforme entendimento do STJ, incide no tipo penal, na modalidade "adquirir", o agente que, embora sem receber a droga, concorda com o fornecedor quanto à coisa, NÃO havendo necessidade, para a configuração do delito, de que se EFETUE A TRADIÇÃO da droga adquirida, pois que a compra e venda se realiza pelo consenso sobre a coisa e o preço (REsp 1.215-RJ, Sexta Turma, DJ 12/3/1990). 

Conclui-se, pois, que a negociação com aquisição da droga e colaboração para seu transporte constitui conduta TÍPICA, encontrando-se presente a materialidade do crime de tráfico de drogas. 

HC 212.528-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 1º/9/2015, DJe 23/9/2015.

sábado, 17 de outubro de 2015

Termo inicial do prazo prescricional do crime de sonegação fiscal: fraude que irradia efeitos até ser descoberta

Segue julgado bem interessante sobre o crime de sonegação fiscal, que é formal (não se aplicando, portanto, o teor da SV nº 24 do STF), instantâneo de efeitos permanentes (e não um crime permanente). Assim, é preciso notar que muito embora a fraude tenha sido empregada em momento determinado, pode propagar seus efeitos até ser descoberta pela Receita Federal, por exemplo. Ainda assim, o termo inicial prescricional será a data em que o engodo foi praticado pelo agente:

DIREITO PENAL. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL DO CRIME PREVISTO NO ART. 2º, I, DA LEI 8.137/1990.
 
O termo inicial do prazo prescricional da pretensão punitiva do crime previsto no art. 2º, I, da Lei 8.137/1990 ("fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo") é a data em que a fraude é PERPETRADA, e não a data em que ela é descoberta. 

Isso porque o referido tipo tem natureza de crime formal, INSTANTÂNEO, sendo suficiente a conduta instrumental, haja vista não ser necessária a efetiva supressão ou redução do tributo para a sua consumação, bastando o emprego da fraude. 

Assim, o fato de a fraude ter sido empregada em momento determinado, ainda que irradie efeitos até ser descoberta, não revela conduta permanente, mas sim, crime INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES - os quais perduraram até a descoberta do engodo. 

Precedente citado do STJ: RHC 9.625-CE, Sexta Turma, DJ 27/8/2001. Precedente citado do STF: RHC 90.532 ED, Tribunal Pleno, DJe 5/11/2009. 

RHC 36.024-ES, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25/8/2015, DJe 1º/9/2015.

Referência:

Súmula Vinculante nº 24 do STF: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
 

Interrupção de prescrição de pretensão punitiva em crimes conexos

Amigos, segue um julgado bem simples, e que se fundamenta na própria literalidade do art.117, § 1º, e inciso IV do Código Penal. 

No entanto, destaco sua importância pela práxis:

No caso de crimes conexos que sejam objeto do mesmo processo, havendo sentença condenatória para um dos crimes e acórdão condenatório para o outro delito, tem-se que a prescrição da pretensão punitiva de ambos é interrompida a CADA provimento jurisdicional (art. 117, § 1º, do CP). 

De antemão, salienta-se que o art. 117, IV, do CP enuncia que: "O curso da prescrição interrompe-se: IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis". Nesse contexto, é importante ressaltar que, se a sentença é condenatória, o acórdão só poderá ser confirmatório ou absolutório, assim como só haverá acórdão condenatório no caso de prévia sentença absolutória. 

Na hipótese, contudo, os crimes são conexos, o que viabilizou a ocorrência, no MESMO PROCESSO, tanto de uma sentença condenatória quanto de um acórdão condenatório. Isso porque a sentença condenou por um crime e absolveu por outro, e o acórdão reformou a absolvição. Ressaltado isso, enfatiza-se que a prescrição não é contada separadamente nos casos de crimes conexos que sejam objeto do mesmo processo. 

Ademais, para efeito de prescrição, o art. 117, § 1º, do CP dispõe que: "[...] Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, ESTENDE-SE aos demais a interrupção relativa a qualquer deles". Portanto, observa-se que, a despeito de a sentença ter sido em parte condenatória e em parte absolutória, ela interrompeu o prazo prescricional de ambos os crimes julgados. 

Outrossim, o acórdão, em que pese ter confirmado a condenação perpetrada pelo Juiz singular, também condenou o agente - que, até então, tinha sido absolvido - pelo outro crime, de sorte que interrompeu, NOVAMENTE, a prescrição de ambos os delitos conexos. Precedente citado do STF: HC 71.983-SP, Segunda Turma, DJ 31/5/1996. 

RHC 40.177-PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25/8/2015, DJe 1º/9/2015.

Crime de coação no curso de Procedimento Investigatório Criminal (PIC)

Entendimento simples, objetivo e bem importante do STJ: em suma, o intuito do art.344 do Código Penal é impedir que o agente influencie o resultado de eventual investigação criminal.

O crime de coação no curso do processo (art. 344 do CP) PODE ser praticado no decorrer de Procedimento Investigatório Criminal instaurado no âmbito do Ministério Público. 

Isso porque, além de o PIC servir para os MESMOS FINS e efeitos do inquérito policial, o STJ já reconheceu que, mesmo as ameaças proferidas ANTES da formalização do inquérito caracterizam o crime de coação no curso do processo, desde que realizadas com o intuito de INFLUENCIAR o resultado de eventual investigação criminal (HC 152.526-MG, Quinta Turma, DJe 19/12/2011). 

HC 315.743-ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 6/8/2015, DJe 26/8/2015, Inf 568 do STJ.

Dispositivo legal citado:

Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

STF chancela a audiência de custódia disciplinada pelo TJ/SP, sob interpretação teleológica do próprio art.656 do CPP e em observância à ordem supralegal

Tema importantíssimo! Já havia ressaltado aqui na página, anteriormente, que o STF se manifestaria e chancelaria, de fato, a Audiência de Custódia (nem ao menos foi imperiosa a citação da regra "pro homine", uma vez que foi realizada interpretação TELEOLÓGICA do próprio art.656 da nossa Lei Instrumental Penal).

Todavia, insta agora vincar os argumentos ressaltados pelo nosso Tribunal Constitucional, a seguir destacados:

TJ/SP: audiência de custódia e Provimento Conjunto 3/2015

O Plenário, por maioria, conheceu em parte da ação e, na parte conhecida, julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face do Provimento Conjunto 3/2015 da Presidência do Tribunal de Justiça e da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que determina a apresentação de pessoa detida, até 24 horas após a sua prisão, ao juiz competente, para participar de audiência de custódia no âmbito daquele tribunal. 

A Corte afirmou que o art. 7º, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos, ao dispor que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz”, teria SUSTADO os efeitos de toda a legislação ordinária conflitante com esse preceito convencional. Isso em decorrência do caráter SUPRALEGAL que os tratados sobre direitos humanos possuiriam no ordenamento jurídico brasileiro, como ficara assentado pelo STF, no julgamento do RE 349.703/RS (DJe de 5.6.2009).

STJ: Inexistência de direito líquido e certo de impedir o arquivamento do IP à luz de um sistema de controle de legalidade "muito técnico e rigoroso"

DIREITO PROCESSUAL PENAL. ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL.
 
Na ação penal pública incondicionada, a vítima NÃO tem direito líquido e certo de IMPEDIR o arquivamento do inquérito ou das peças de informação.  

Considerando que o processo penal rege-se pelo princípio da obrigatoriedade, a propositura da ação penal pública constitui um dever, e não uma faculdade, não sendo reservado ao Parquet um juízo discricionário sobre a conveniência e oportunidade de seu ajuizamento. 

Por outro lado, não verificando o Ministério Público material probatório convincente para corroborar a materialidade do delito ou a autoria delitiva ou entendendo pela atipicidade da conduta, pela existência de excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, ou, ainda, pela extinção da punibilidade, pode requerer perante o Juiz o arquivamento do inquérito ou das peças de informação. 

O magistrado, concordando com o requerimento, deve determinar o arquivamento, que prevalecerá, salvo no caso de novas provas surgirem a viabilizar o prosseguimento das investigações pela autoridade policial (art. 18 do CPP). Se DISCORDAR, porém, deve o magistrado encaminhar o pedido de arquivamento, com o inquérito ou peças de informação, à consideração do Procurador-Geral de Justiça, o qual deverá:  
a) oferecer a denúncia, ou designar outro órgão ministerial para fazê-lo; ou b) insistir no arquivamento, estando, nessa última hipótese, obrigado o Juiz a atender. Poderá, ainda, o Procurador-Geral requerer novas diligências investigatórias. 
 Há, portanto, um sistema de CONTROLE DE LEGALIDADE muito técnico e rigoroso em relação ao arquivamento de inquérito policial, inerente ao próprio sistema acusatório. No exercício da atividade jurisdicional, o Juiz, considerando os elementos trazidos nos autos de inquérito ou nas peças de informações, tem o poder-dever de anuir ou discordar do pedido de arquivamento formulado pelo Ministério Público.

Não há, porém, obrigação de, em qualquer hipótese, remeter os autos para nova apreciação do Procurador-Geral. Assim, se constatar pertinência nos fundamentos do pedido de arquivamento, o Juiz terá o poder-dever de promover o arquivamento, não cabendo contra essa decisão RECURSO. 

Ademais, no sistema processual penal vigente, a função jurisdicional não contempla a iniciativa acusatória, de maneira que, do mesmo modo que não poderá o Juiz autoprovocar a jurisdição, não poderá obrigar o Ministério Público, diante de sua independência funcional, a oferecer a denúncia ou a ter, em toda e qualquer hipótese, reexaminado o pedido de arquivamento pela instância superior, o respectivo Procurador-Geral. Ao Ministério Público cabe formar a opinio delicti e, se entender devido, oferecer a denúncia. 

Desse modo, uma vez verificada a inexistência de elementos mínimos que corroborem a autoria e a materialidade delitivas, pode o Parquet requerer o arquivamento do inquérito, e o Juiz, por consequência, AVALIAR se concorda ou não com a promoção ministerial. Uma vez anuindo, fica afastado o procedimento previsto no art. 28 do CPP, sem que, com isso, seja violado direito líquido e certo da possível vítima de crime de ver processado seu suposto ofensor (RMS 12.572-SP, Sexta Turma, DJ de 10/9/2007). 

Cumpre salientar, por oportuno, que, se a vítima ou qualquer outra pessoa trouxer novas informações que justifiquem a reabertura do inquérito, pode a autoridade policial proceder a novas investigações, nos termos do citado art. 18 do CPP. Nada obsta, ademais, que, surgindo novos elementos aptos a ensejar a persecução criminal, sejam tomadas as providências cabíveis pelo órgão ministerial, inclusive com a abertura de investigação e o oferecimento de denúncia. 

MS 21.081-DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 17/6/2015, DJe 4/8/2015

STJ: Estelionato e foro competente para processar a persecução penal

Olá colegas, segue interessante julgado do STJ sobre a consumação do crime de estelionato, que como se sabe ocorre no momento da obtenção da vantagem indevida, portanto, no momento em que o valor é DEPOSITADO na conta corrente do autor do delito! Senão vejamos:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO E FORO COMPETENTE PARA PROCESSAR A PERSECUÇÃO PENAL.
 
Compete ao juízo do foro onde se encontra localizada a agência bancária por meio da qual o suposto estelionatário recebeu o proveito do crime - e não ao juízo do foro em que está situada a agência na qual a vítima possui conta bancária - processar a persecução penal instaurada para apurar crime de estelionato no qual a vítima teria sido induzida a depositar determinada quantia na conta pessoal do agente do delito.  

Com efeito, a competência é definida pelo lugar em que se CONSUMA a infração, nos termos do art. 70 do CPP. Dessa forma, cuidando-se de crime de estelionato, tem-se que a consumação se dá no momento da obtenção da vantagem indevida, ou seja, no momento em que o valor é depositado na conta corrente do autor do delito, passando, portanto, à sua disponibilidade. Note-se que o prejuízo alheio, apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à CONSEQUÊNCIA do crime de estelionato e NÃO propriamente à CONDUTA. 

De fato, o núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão pela qual a consumação se dá no momento em que os valores ENTRAM na esfera de disponibilidade do autor do crime, o que somente ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente. No caso em apreço, tendo a vantagem indevida sido depositada em conta corrente de agência bancária situada em localidade diversa daquela onde a vítima possui conta bancária, tem-se que naquela houve a consumação do delito. 

CC 139.800-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/6/2015, DJe 1º/7/2015.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Relativização dos efeitos da teoria da indiciariedade no ônus probatório.

De acordo com a doutrina majoritária, o Brasil seguiu a teoria da indiciariedade ou da ratio cognoscendi. Assim, provada a tipicidade, há indícios de ilicitude (ou antijuridicidade). Essa suspeita provoca uma consequência importante: o ônus da prova sobre a existência da causa de exclusão da ilicitude é da defesa (de quem alega).

Ocorre que, em 2008 , com a reforma do Código de Processo Penal (Lei n°11.690/2008), o juiz deve absolver o acusado quando “existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver FUNDADA DÚVIDA sobre sua existência” (destaque nosso).

Parece-nos que, agora, está absolutamente claro que a dúvida razoável sobre a existência ou não da excludente de ilicitude favorece o réu, devendo o magistrado absolvê-lo com fundamento no artigo 386, VI, parte final, do Código de Processo Penal.
 
Em resumo: havendo dúvida, deve o réu ser condenado (não se aplicando o in dubio pro reo); no caso de dúvida RAZOÁVEL, o réu merece ser absolvido.

Deste modo, foram relativizados os efeitos da teoria da indiciariedade no ônus probatório.

Fonte: SANCHES, Rogério. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 3ª ed., 2015.

O que se entende pela regra do concurso (ou cúmulo) material benéfico? Exemplifique.

Não se descarta a hipótese de o sistema da exasperação se revelar prejudicial ao réu. Nesse caso, lembrando que o concurso formal foi criado para BENEFICIAR o agente, deve o magistrado PREFERIR o cúmulo das penas.

Trata-se do denominado concurso material benéfico, estabelecido no artigo 70, parágrafo único, do Código Penal: “Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código” .

Exemplo: JOÃO, com intenção de matar, atira e m ANTONIO. Entretanto, JOSÉ, que passava pelo local, também foi atingido. ANTONIO morreu e JOSÉ ficou levemente ferido.

Estamos diante de um típico caso de concurso FORMAL HETEROGÊNEO PERFEITO. Se aplicada a regra da exasperação, a pena do crime mais grave (homicídio, reclusão de 6 a 20 anos) será aumentada de 1/6 até a metade. Imagine-se que, diante do caso concreto, o magistrado sentenciante conclua pela fixação da pena mínima (6 anos) maj orada também do mínimo (1/6), totalizando 7 anos de prisão.

Nesta situação, deverá ser reconhecido o concurso material benéfico, pois fica evidente que a soma das penas mínimas das duas infrações (homicídio e de lesão corporal leve) resulta em pena MENOR (6 anos e 3 meses de prisão) .

 Fonte: SANCHES, Rogério. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 3ª ed., 2015.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

"Marcha da maconha" e a inadmissibilidade da proibição estatal do dissenso (íntegra do acórdão da ADPF 187/DF)

Conforme o julgamento da ADPF 187/DF, que liberou a "marcha da maconha", o artigo 287 do Código Penal deve ser interpretado conforme a Constituição de forma a não impedir manifestações públicas em defesa da legalização de drogas. O dispositivo tipifica como crime fazer apologia de "FATO CRIMINOSO" ou de "AUTOR DE CRIME".

O min. Celso de Mello explicou que a mera proposta de DESCRIMINALIZAÇÃO de determinado ilícito penal não se confunde com o ato de incitação à prática do delito nem com o de apologia de fato criminoso.

Ademais, para os ministros, os direitos constitucionais de reunião e de livre expressão do pensamento garantem a realização dessas marchas. 

Proclamou-se, ainda, a inadmissibilidade da PROIBIÇÃO ESTATAL DO DISSENSO e a valorização do conceito de livre mercado de ideias – bem como o sentido da existência do “free marketplace of ideas” como elemento fundamental e inerente ao regime democrático (Ac 2.695-MC/RS, rel. min. Celso de Mello).
 
Clique aqui para ler a íntegra do acórdão.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Em nível ambiental, a prática da biopirataria é tipificada no Brasil? Por meio de quais tipos penais?

Essa questão foi recentemente cobrada no concurso para Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, realizado em 2014, possivelmente motivada pela apresentação do Relatório Final da CPI da Biopirataria. Vejamos, então, a sua possível resposta:

A prática de biopirataria, tida como exploração ou apropriação desautorizada de recursos da fauna e da flora e do conhecimento das comunidades tradicionais para fins comerciais, NÃO é, em si, tipificada penalmente pela Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), nem tampouco pela Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/05), mesmo porque, neste caso, NÃO SE CONFUNDE a biopirataria, nos moldes acima descritos, tão somente com o cultivo, produção, manipulação, transferência, importação ou exportação de organismos geneticamente modificados (OGMs)

Há, portanto, um HIATO na legislação, que reclama a criação de um tipo penal para a proteção da biodiversidade, e não tão somente da fauna, da flora, ou da vida e da saúde humana, animal e vegetal. Diante da carência legislativa, o que há, em verdade, sem que se possa dizer tipificado o dolo do biopirata, é a tipificação de condutas outras, que, não obstante tutelem BENS JURÍDICOS DIVERSOS, porquanto mais específicos, COMPÕEM NATURALMENTE a prática da biopirataria (ex.: art. 29, § 1º, III; 34, III, e 38, caput, in fine, todos da Lei nº 9.605/98, entre outros tantos). 

Em suma, nos moldes do Relatório Final da CPI da Biopirataria, não há previsão legal específica para aqueles que subtraem insumos da vida silvestre com fins industriais, lucrativos, sendo fundamental, pois, a criação do tipo penal de biopirataria

Fonte: MP/MG

quinta-feira, 25 de junho de 2015

O significado da expressão "por si só" do art.13, § 1º do CP versus desdobramento anatomopatológico da ação

O significado da expressão “POR SI SÓ” - Quando a lei penal diz, no art.13, § 1º do Código Penal que “a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado”, significa que somente aqueles resultados que se encontrarem como um desdobramento natural da ação, ou seja, estiverem, na expressão de Montalbano, na chamada linha de desdobramento físico, ou ANATOMOPATOLÓGICO, é que poderão ser imputados ao agente.

Nesse lume, insta assinalar que o STJ assim já decidiu:

“O fato de a vítima ter falecido no hospital em decorrência das lesões sofridas, ainda que se alegue eventual omissão no atendimento médico, encontra-se inserido no desdobramento físico do ato de atentar contra a vida da vítima, não caracterizando constrangimento ilegal a responsabilização criminal por homicídio consumado, em respeito à teoria da equivalência dos antecedentes causais adotada no Código Penal e diante da comprovação do animus necandi do agente” (STJ, HC 42 559/ PE, Rei. M in. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., j. em 2 4/4/2006 ).

Com essa decisão, entendeu o STJ que a eventual omissão no atendimento médico encontra-se na mesma linha de desdobramento natural e, portanto, o resultado daí advindo deve ser imputado a quem deu origem à cadeia causal.  

A expressão por si só tem a finalidade, assim, de excluir a linha de desdobramento físico, fazendo que o agente somente responda pelos atos já praticados. Se o resultado estiver na linha de desdobramento natural da conduta inicial do agente (por exemplo, infecção hospitalar), este deverá por ele responder; se o resultado fugir ao desdobramento natural da ação, ou seja, se a causa superveniente relativamente independente vier, por si só, a produzi-lo, não poderá o resultado ser atribuído ao agente, que responderá tão somente pelo seu dolo.

Fonte: Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. 17ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Aplica-se o procedimento da Lei 9.099/95 ao usuário-traficante?

Estabelece o art. 48, § 1.º, da Lei 11.343/2006, que “o agente de qualquer das condutas previstas no art. 28 desta Lei, salvo se houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, será processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais”.

Ora, o art. 28 tipifica o agir de quem possui drogas para consumo pessoal, enquanto os arts. 33 a 37 contemplam as diversas condutas relacionadas ao tráfico.

E se for hipótese de concurso entre as condutas do art. 28 e a figura do art. 33, § 3.º, da Lei 11.343/2006? Conforme demonstrado, o art. 48, § 1.º, é expresso em excluir a aplicação do procedimento da Lei 9.099/1995 quando houver concurso entre o art. 28 e os tipos dos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas, mesmo sendo o primeiro, isoladamente, uma infração de menor potencial ofensivo.

Ocorre, porém, que o art. 33, § 3.º, do mesmo diploma, incriminando a entrega EVENTUAL e GRATUITA de drogas, constitui-se, também, infração de menor potencial ofensivo, já que a pena máxima cominada é inferior a dois anos. Nesta hipótese, tem-se entendido que o concurso entre os dois tipos penais – art. 28 e art. 33, § 3.º – NÃO AFASTA a competência dos Juizados Especiais Criminais, ao contrário do que sugere a literalidade do precitado art. 48, § 1.º.

Fonte: Avena, Norberto. Processo Penal Esquematizado, 2014.

É obrigatória a intervenção do Ministério Público no habeas corpus?

Depende da hipótese. Se impetrado o writ perante o juiz, o Ministério Público, não sendo o impetrante ou a autoridade coatora, não intervém antes de proferida a decisão, cabendo-lhe, porém, ser intimado desse pronunciamento (tal intimação justifica-se até mesmo em face do cabimento de recurso em sentido estrito contra a decisão concessiva ou denegatória, ex vi do art. 581, X, do CPP). Evidentemente, nada obsta que o juiz, facultativamente, possa abrir-lhe vista do respectivo processo, não importando tal proceder em qualquer nulidade.

Todavia, tratando-se de habeas corpus impetrado junto aos Tribunais, por força do que dispõe o Decreto-lei 552/1969, o Ministério Público deverá ter vista dos autos para manifestar-se, no prazo de dois dias, após as informações da autoridade coatora (art. 1.º e § 2.º).

Fonte: Avena, Norberto. Processo Penal esquematizado, 2014.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

O "dolo de falso" na omissão de anotação na CTPS e a necessidade de concreta potencialidade lesiva

Caros colegas, segue mais um julgado digno de destaque por sua imensa aplicabilidade:

DIREITO PENAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO POR OMISSÃO DE ANOTAÇÃO NA CTPS.
 
A simples omissão de anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) NÃO configura, por si só, o crime de falsificação de documento público (art. 297, § 4º, do CP). Isso porque é imprescindível que a conduta do agente preencha não apenas a tipicidade formal, mas antes e principalmente a tipicidade MATERIAL, ou seja, deve ser demonstrado o DOLO DE FALSO e a EFETIVA possibilidade de vulneração da fé pública

Com efeito, o crime de falsificação de documento público trata-se de crime contra a fé pública, cujo tipo penal depende da verificação do dolo, consistente na vontade de falsificar ou alterar o documento público, sabendo o agente que o faz ilicitamente. Além disso, a omissão ou alteração deve ter CONCRETA POTENCIALIDADE LESIVA , isto é, deve ser capaz de iludir a percepção daquele que se depare com o documento supostamente falsificado.

Crime de tortura contra brasileiros cometido fora do território nacional

DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR CRIME DE TORTURA COMETIDO FORA DO TERRITÓRIO NACIONAL.
 
O fato de o crime de tortura, praticado contra brasileiros, ter ocorrido no exterior NÃO TORNA, por si só, a Justiça Federal competente para processar e julgar os agentes estrangeiros. De fato, o crime de tortura praticado integralmente em território estrangeiro contra brasileiros não se subsume, em regra, a nenhuma das hipóteses de competência da Justiça Federal previstas no art. 109 da CF. 

Esclareça-se que NÃO há adequação ao art. 109, V, da CF, que dispõe que compete à Justiça Federal processar e julgar “os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”, pois NÃO se trata de crime à distância. 

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Desnecessidade de constituição definitiva do crédito tributário e afastamento da Súmula Vinculante nº 24

É DISPENSÁVEL a constituição definitiva do crédito tributário para que esteja consumado o crime previsto no art. 293, § 1º, III, "b", do CP. Isso porque o referido delito possui natureza FORMAL, de modo que já estará consumado quando o agente importar, exportar, adquirir, vender, expuser à venda, mantiver em depósito, guardar, trocar, ceder, emprestar, fornecer, portar ou, de qualquer forma, utilizar em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, produto ou mercadoria sem selo oficial. 

Não incide na hipótese, portanto, a Súmula Vinculante 24 do STF, segundo a qual “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. 

Com efeito, conforme já pacificado pela jurisprudência do STJ, nos crimes tributários de natureza formal é desnecessário que o crédito tributário tenha sido definitivamente constituído para a instauração da persecução penal. Essa providência é imprescindível apenas para os crimes MATERIAIS contra a ordem tributária, pois, nestes, a supressão ou redução do tributo é ELEMENTAR do tipo penal. 

REsp 1.332.401-ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/8/2014. 6ª Turma.

Teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos

Princípio da insignificância e reincidência genérica

A 2ª Turma concedeu “habeas corpus” para restabelecer sentença de primeiro grau, na parte em que reconhecera a aplicação do princípio da insignificância e absolvera o ora paciente da imputação de furto (CP, art.155). 

Na espécie, ele fora condenado pela subtração de um engradado com 23 garrafas de cerveja e seis de refrigerante — todos vazios, avaliados em R$ 16,00 —, haja vista que o tribunal de justiça local afastara a incidência do princípio da bagatela em virtude de anterior condenação, com trânsito em julgado, pela prática de lesão corporal (CP, art. 129). 

A Turma, de início, reafirmou a jurisprudência do STF na matéria para consignar que a averiguação do princípio da insignificância dependeria de um juízo de TIPICIDADE CONGLOBANTE.
 
Considerou, então, que seria inegável a presença, no caso, dos requisitos para aplicação do referido postulado: mínima ofensividade da conduta; ausência de periculosidade social da ação; reduzida reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica

Afirmou, ademais, que, considerada a teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos, a contumácia de infrações penais que não têm o patrimônio como bem jurídico tutelado pela norma penal (a exemplo da LESÃO CORPORAL) não poderia ser valorada como fator impeditivo à aplicação do princípio da insignificância, porque ausente a séria lesão à propriedade alheia.
 
HC 114723/MG, rel. Min. Teori Zavascki, 26.8.2014. (HC-114723), 2ª Turma.

Discriminação por orientação sexual: atipicidade e reprovabilidade

Ante a atipicidade da conduta, a 1ª Turma não recebeu denúncia oferecida contra Deputado Federal que teria publicado na rede social “twitter” manifestação de natureza discriminatória em relação aos homossexuais. 

A Turma destacou que o artigo 20 da Lei 7.716/1989 — assim como toda norma penal incriminadora — possui rol exaustivo de condutas tipificadas, cuja lista não contempla a discriminação decorrente de opção sexual (“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa”).

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Terrorismo não é tipificado como crime pela legislação brasileira

O terrorismo não é tipificado como crime pela legislação brasileira, não sendo válido o art. 20 da Lei 7.170/83 para criminalizar essa conduta.
 
Logo, não é cabível que seja concedida extradição de um estrangeiro que praticou crime de terrorismo no Estado de origem, considerando que, pelo fato de o Brasil não ter definido esse crime, não estará presente o requisito da DUPLA TIPICIDADE.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

A análise de "reformatio in pejus" não pode ficar restrita ao quantum da pena aplicada

Recursos: Possibilidade de emendatio libelli desde que não haja reformatio in pejus

O réu foi condenado, em 1ª instância, pela prática de furto qualificado (art. 155, § 4º, II, do CP). O MP conformou-se com a sentença, mas a defesa interpôs apelação. O Tribunal entendeu que os fatos ocorreram realmente na forma como narrada pelo MP, mas que, em seu entendimento, isso configurou peculato (art. 312, § 1º do CP) e não furto qualificado. Vale ressaltar que, a fim de não prejudicar o réu/recorrente, o TJ manteve o quantum da pena imposta na sentença. 

O Tribunal fez uma emendatio libelli, mas isso não era permitido no caso concreto. Em princípio, é possível que o Tribunal, no julgamento de um recurso contra a sentença, faça emendatio libelli. No entanto, se o recurso era exclusivo da defesa, o Tribunal não pode causar uma piora na situação do réu, já que isso significa reformatio in pejus. 

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Limitações à prova ilícita por derivação (exceções às exclusionary rules) - Questão do 58º MP GO

Segue interessante questão discursiva do 58º Concurso para Promotor de Justiça do MP/GO:

Limitações à prova ilícita por derivação (exceções às exclusionary rules). Conceitue as teorias abaixo relacionadas e discorra sobre sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro:

a) teoria da fonte independente (independent source);
b) teoria do descobrimento inevitável (inevitable discovery);
c) teoria dos vícios sanados, da tinta diluída ou limitação da mancha purgada (purged taint);
d) teoria da proporcionalidade (balancing test);
e) teoria da destruição da mentira do imputado;
f) teoria do risco;
g) teoria da doutrina da visão aberta (plain view doctrine);
h) teoria da renúncia do interessado.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Estupro (art. 213) e a Lei 12.015/2009 - tipo penal misto alternativo

O estupro (art. 213 do CP), com redação dada pela Lei 12.015/2009, é tipo penal misto alternativo. Logo, se o agente, no mesmo contexto fático, pratica conjunção carnal e outro ato libidinoso contra uma só vítima, pratica um só crime do art. 213 do CP

A Lei 12.015/2009, ao revogar o art. 214 do CP, não promoveu a descriminalização do atentado violento ao puder (não houve abolitio criminis). Ocorreu, no caso, a continuidade normativo-típica, considerando que a nova Lei inseriu a mesma conduta no art. 213. Houve, então, apenas uma mudança no local onde o delito era previsto, mantendo-se, contudo, a previsão de que essa conduta se trata de crime. 

É possível aplicar retroativamente a Lei 12.015/2009 para o agente que praticou estupro e atentado violento ao pudor, no mesmo contexto fático e contra a mesma vítima, e que havia sido condenado pelos dois crimes (arts. 213 e 214) em concurso. 

Segundo entende o STJ, como a Lei 12.015/2009 unificou os crimes de estupro e atentado violento ao pudor em um mesmo tipo penal, deve ser reconhecida a existência de crime único na conduta do agente, caso as condutas tenham sido praticadas contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático, devendo-se aplicar essa orientação aos delitos cometidos antes da vigência da Lei 12.015/2009, em face do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. 

STJ. 6ª Turma. HC 212.305/DF, Rel. Min. Marilza Maynard (Des. Conv. TJ/SE), j. em 24/04/2014 (Inf 543).

Tráfico de drogas "privilegiado" é equiparado a hediondo

O crime de tráfico de drogas, com a redução do § 4º do art. 33, é equiparado a hediondo, estando sujeito a progressão com requisitos objetivos mais rígidos

A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas, limitando-se, por critérios de razoabilidade e proporcionalidade, a abrandar a pena do pequeno e eventual traficante, em contrapartida com o grande e contumaz traficante, ao qual a Lei de Drogas conferiu punição mais rigorosa que a prevista na lei anterior.

Assim, se o indivíduo é condenado por tráfico de drogas e recebe a diminuição prevista no § 4º do art. 33, mesmo assim terá cometido um crime equiparado a hediondo.

STF. 1ª Turma. RHC 118099/MS e HC 118032/MS, rel. Min. Dias Toffoli, j. em 4/2/2014 (Info 734).

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Estelionato previdenciário e devolução da vantagem indevida antes do recebimento da denúncia

O art. 9º da Lei 10.684/2003 prevê que o pagamento integral do débito fiscal realizado pelo réu é causa de extinção de sua punibilidade. Imagine que determinado indivíduo tenha praticado estelionato contra o INSS, conhecido como estelionato previdenciário (art. 171, § 3º do CP). 

Antes do recebimento da denúncia, o agente paga integralmente o prejuízo sofrido pela autarquia. Isso poderá extinguir sua punibilidade, com base no art. 9º da Lei 10.684/2003? 

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Inaplicabilidade do princípio da indivisibilidade à ação penal pública

Na ação penal pública não vigora o princípio da indivisibilidade. Assim, o MP não está obrigado a denunciar todos os envolvidos no fato tido por delituoso, não se podendo falar em arquivamento implícito em relação a quem não foi denunciado. Isso porque o Parquet é livre para formar sua convicção, incluindo na denúncia as pessoas que ele entenda terem praticadoo crime, mediante a constatação de indícios de autoria e materialidade.

STJ. 6ª Turma. RHC 34.233-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/5/2014.

Medidas protetivas na Lei 11.340/2006 "não visam processos, mas pessoas"

Segue interessante julgado do STJ sobre a desnecessidade de inquérito policial, processo penal ou civil em curso para aplicação das medidas protetivas no âmbito da Lei Maria da Penha, com bela citação da doutrinadora Maria Berenice Dias, estudiosa do tema:
 
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI N. 11.340⁄2006 (LEI MARIA DA PENHA). INCIDÊNCIA NO ÂMBITO CÍVEL. NATUREZA JURÍDICA. DESNECESSIDADE DE INQUÉRITO POLICIAL, PROCESSO PENAL OU CIVIL EM CURSO.

1. As medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340⁄2006, observados os requisitos específicos para a concessão de cada uma, podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, INDEPENDENTEMENTE da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor.

Plenário do STF decide que MP pode realizar a investigação de crimes, atendidos certos parâmetros

O Ministério Público pode realizar diretamente a investigação de crimes?
SIM. O MP pode promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal.

Mas a CF/88 expressamente menciona que o MP tem poder para investigar crimes?
NÃO. A CF/88 não fala isso de forma expressa. Adota-se aqui a teoria dos "PODERES IMPLÍCITOS".

Coculpabilidade às avessas no Brasil

Sobre o tema, sempre é citado Grégore Moura, para o qual a coculpabilidade às avessas pode se manifestar com “a tipificação de condutas dirigidas a pessoas marginalizadas, ou aplicando penas mais brandas aos detentores do poder econômicos, ou ainda como fator de diminuição e também aumento da reprovação social e penal".

Temas atuais para monografias e provas discursivas em direito criminal

No campo do Processo penal, todos os comparativos entre o código atual e o projeto de lei que se encontra na Câmara dos Deputados valem a pena, mas alguns temas podem ser trabalhados tais como: Considerações processuais sobre o Caso “Lava-Jato”; Audiência de Custódia; Retratação em juízo e consequências do processo penal; Delação premiada e seus aspectos; Foro por prerrogativa de função e ex detentores de cargos; A verdade real na jurisprudência do STJ; Meios de prova para atestar embriaguez ao volante; Sentença penal condenatória e dosimetria de pena; Prisão em flagrante e o princípio da não culpabilidade; A transnacionalidade nos crimes de tráfico de drogas; Tráfico interestadual de drogas: competência jurisdicional; O processo do “Mensalão – O Estudo do Caso”; Habeas Corpus e (Im)punidade; A nova fiança; O juiz das garantias; Razoável duração do processo penal; Poder geral de cautela no processo penal; Gravação ambiental e legitimidade da prova; Lugar de assento do MP no Tribunal do Júri; Ordem das Perguntas na Audiência e sistema Cross Examination; Identificação criminal e banco de dados genéticos; Sistemas processuais penais; Poderes Investigatórios do Ministério Público; Lei de Execução Penal – acertos e ineficácias; Sistema de medidas cautelares no processo penal; Quesito obrigatório no Júri – O jurado absolve o acusado?; Nova lei de Prisões; Benefícios processuais na Lei de Drogas; Nova Lei de Prisões; Algemas; Nulidades no Júri; Sentença Penal.

Roubo: ameaça contra vários e subtração contra apenas um

Imagine a seguinte situação hipotética: Maria, rica empresária, estava saindo do banco, acompanhada de seus dois seguranças, carregando uma mala de dinheiro que havia sacado.

João, experiente ladrão, aproximou-se do trio e, de arma em punho, deu uma coronhada em um dos seguranças, causando lesão leve, e ameaçou o outro, mandando que ele corresse. Ato contínuo, João subtraiu a mala da empresária e fugiu do local sem ser incomodado. João cometeu três crimes de roubo em concurso formal?

O caso Ellwanger: anti-semitismo como crime da prática do racismo

Segue Parecer do jurista Celso Lafer, à época, sobre um dos casos mais emblemáticos já analisados pelo STF. Para ler o arquivo em PDF clique aqui.

A confissão qualificada como atenuante genérica: STJ (sim) x STF (não)

A confissão qualificada ocorre quando o réu admite a prática do fato, no entanto, alega, em sua defesa, um motivo que excluiria o crime ou o isentaria de pena (ex: eu matei sim, mas foi em legítima defesa).

Pois bem, tal confissão pode ser utilizada como atenuante genérica?

sábado, 23 de maio de 2015

Crime praticado pelo agente infiltrado (testemunha da coroa)

Prova oral, o examinador pergunta: candidato, o policial "A", agente infiltrado, nos termos da lei, em determinada organização criminosa, é obrigado a transportar drogas para não revelar sua verdadeira identidade. Ele pode ser punido pelo crime de tráfico de drogas? Justifique!

sexta-feira, 22 de maio de 2015

A importância da Audiência de Custódia - vantagens do mecanismo

O objetivo da Audiência de Custódia é garantir o contato da pessoa presa com um juiz o mais rapidamente possível após sua prisão em flagrante.

A previsão normativa da referida garantia é encontrada na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) prevê que “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (…)” (art. 7.5).

Por sua vez, a atual legislação brasileira prevê o encaminhamento de cópia do auto de prisão em flagrante para que o juiz competente analise não apenas a legalidade, mas também a necessidade da manutenção dessa prisão cautelar (art. 306 do Código de Processo Penal). Atualmente, porém, o contato entre a pessoa presa e o juiz só se dá, na maioria dos casos, meses após sua prisão, no dia da sua audiência de instrução e julgamento.