Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

domingo, 30 de outubro de 2011

STJ_Denúncia anônima_inquérito_função_MP

Conforme os autos, por meio de e-mail anônimo encaminhado à Ouvidoria-Geral do Ministério Público estadual, fiscais de renda e funcionários de determinada empresa estariam em conluio para obter informações de livros fiscais, reduzindo ou suprimindo tributos estaduais e obrigações acessórias, causando lesão ao erário. Em decorrência desse fato, o MP determinou a realização de diligências preliminares para a averiguação da veracidade do conteúdo da denúncia anônima. A Turma, reiterando jurisprudência assente no STJ, entendeu que, embora tais informações não sejam idôneas, por si só, a dar ensejo à instauração de inquérito policial, muito menos de deflagração de ação penal, caso sejam corroboradas por outros elementos de prova, dão legitimidade ao início do procedimento investigatório. Assim, no caso, não há nenhum impedimento para o prosseguimento da ação penal, muito menos qualquer ilicitude a contaminá-la, uma vez que o MP agiu em estrito cumprimento de suas funções. Ademais o Parquet, conforme entendimento da Quinta Turma deste Superior Tribunal, possui prerrogativa de instaurar procedimento administrativo de investigação e conduzir diligências investigatórias (art. 129, VI, VII, VIII e IX, da CF; art. 8º, § 2º, I, II, IV, V e VII, da LC n. 75/1993 e art. 26 da Lei n. 8.625/1993). Aduziu ainda que, hodiernamente, adotou-se o entendimento de que o MP possui legitimidade para proceder, diretamente, à colheita de elementos de convicção para subsidiar a propositura de ação penal, só lhe sendo vedada a presidência do inquérito, que compete à autoridade policial. Quanto à agravante do art. 12, II, da Lei n. 8.137/1990, não se deve aplicá-la ao caso, pois o próprio artigo restringe seu âmbito de incidência ao delito previsto nos arts. 1º, 2º, 4º, 5º e 7º da referida lei, excluindo expressamente o art. 3º da sua abrangência. Como no caso a imputação é a funcionário público, haveria bis in idem na imposição da mencionada agravante a fato que constitui elemento de crime funcional previsto no art. 3º, II, da Lei n. 8.137/1990. Precedentes citados: HC 159.466-ES, DJe 17/5/2010, e RHC 21.482-RS, DJe 12/4/2010 (RHC 24.472-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 15/9/2011. 5ª Turma).

sábado, 29 de outubro de 2011

"Emendatio libelli" - Juiz pode corrigir classificação jurídica da denúncia

Problema pouco enfrentado na doutrina e jurisprudência, mas que possui destacada importância no dia a dia de quem opera nas lides penais, é aquele que repousa na possibilidade de o juiz exercer certo controle sobre as denúncias criminais ou queixas-crimes apresentadas pelo Ministério Público ou querelante, recebendo-as já na fase vestibular do processo com capitulação legal diversa da indicada pelo Promotor de Justiça, Procurador da República, ou querelante, quando constatado de plano excessos no poder de acusar.

sábado, 15 de outubro de 2011

STF e a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em tema de tráfico de drogas

EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. QUANTUM DE REDUÇÃO DEVIDAMENTE MOTIVADO. VETORES DO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL E DO ART. 42 DA LEI 11.343/2006. SILÊNCIO DAS INSTÂNCIAS PRECEDENTES QUANTO À SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO. ORDEM PARCIALMENTE DEFERIDA PARA REMOVER O ÓBICE À SUBSTITUIÇÃO.

1. A necessidade de fundamentação dos pronunciamentos judiciais (inciso IX do art. 93 da Constituição Federal) tem na fixação da pena um dos seus momentos culminantes. Trata-se de garantia constitucional que junge o magistrado a coordenadas objetivas de imparcialidade e propicia às partes conhecer os motivos que levaram o julgador a decidir neste ou naquele sentido.

2. A via processualmente estreita do habeas corpus só se presta a rever a pena quando for evidente a ilegalidade ou o abuso de poder. E desde que inexistam motivação [formalmente idônea] de mérito e a congruência lógico-jurídica entre os motivos declarados e a conclusão (v.g., HC 69.419, Pertence, RTJ 143/600) (HC 70.362, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence).

3. Não há ilegalidade ou abuso de poder se, no trajeto da aplicação da pena, o julgador explicita, coerentemente, os motivos de sua decisão. O inconformismo da impetrante com a análise das circunstâncias do crime não é suficiente para indicar a evidente falta de motivação ou de congruência dos fundamentos da pena afinal fixada.

4. O quadro empírico da causa impede o imediato estabelecimento da pena-base no mínimo legal. Inexistência de afronta às garantias constitucionais da individualização do castigo e da fundamentação das decisões judiciais (inciso XLVI do art. 5º e inciso IX do art. 93 da CF).

5. O Plenário deste Supremo Tribunal Federal assentou, por maioria de votos, a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, em tema de tráfico ilícito de entorpecentes (HC 97.526, da minha relatoria). Pelo que não subsiste a vedação legal ao exame dos requisitos do art. 44 do CP.

6. Ordem parcialmente concedida para afastar o óbice inscrito no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 e determinar ao Juízo das Execuções Criminais de Juiz de Fora/MG que examine se estão presentes os requisitos para a conversão da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos (HC 106.388/MG, rel. Min. AYRES BRITTO).

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Interceptação telefônica: serendipidade é aceita pelo STJ

LUIZ FLÁVIO GOMES*

Não há ilegalidade se a interceptação telefônica foi determinada por notícia-crime obtida de outra interceptação, previamente autorizada. Esta foi a posição adotada pela Quinta Turma do STJ para negar o pedido de habeas corpusHC 123.285 – AM, relatado pelo Ministro Jorge Mussi.

Veja-se. Investigava-se um delito e se descobriu outro.

Isso é o que a doutrina chama de “encontro fortuito de fatos novos” (hallazgos fortuitos) ou “descubrimientos causales” ou “descubrimientos acidentales” (ou Zufallsfunden). Para nós, há na hipótese serendipidade.

Serendipidade é o ato de fazer descobertas relevantes ao acaso, em forma de aparentes coincidências. De acordo com o dicionário Houaiss, a palavra vem do inglês serendipity: “descobrir coisas por acaso”.

A Lei nº. 9.296/96, ao tratar dos pressupostos básicos da interceptação telefônica, impõe a necessidade de o solicitante da medida e o próprio juiz, ao autorizá-la, descrever com clareza a situação objeto da investigação (individualização objetiva).

Assim, em princípio, o que se espera é a existência de identidade (congruência) entre o fato indicado e o efetivamente investigado. Na eventualidade de que haja discordância (com desvio, portanto, do princípio da identidade ou da congruência), é indispensável que se comunique o magistrado para que o mesmo delibere a respeito.

A principal discussão sobre a serendipidade (encontro fortuito) é sobre a validade da prova, pois há divergências se o meio probatório conquistado com a interceptação telefônica vale também para os fatos ou pessoas encontradas fortuitamente.

No presente julgado, o relator do writ, Ministro Jorge Mussi, destacou que todas as provas colhidas contra o paciente advieram de práticas legalmente autorizadas pelo juiz competente, pelo que, não havia qualquer constrangimento ilegal a ser remediado pelo Tribunal da Cidadania.

*LFG – Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

Os crimes tributários e a extinção de punibilidade

Ação controlada na investigação criminal: entre a normatividade e a factibilidade

De acordo com o artigo 301, CPP, a prisão em flagrante pela Autoridade Policial ou seus agentes é obrigatória, configurando infração administrativa e ilícito penal (prevaricação) a sua não realização quando possível. Ocorre que há casos em que a atuação da Autoridade ou seus agentes, prendendo em flagrante em certas circunstâncias especiais pode levar a um prejuízo na melhor apuração das condutas criminosas envolvidas, conduzindo à prisão de pessoas de menor importância num grupo criminoso e deixando livres indivíduos de maior relevância. Também pode prejudicar a devida recuperação de produtos, apreensão de objetos, documentos, instrumentos ou substâncias ou mesmo a liberação de reféns, conforme o caso.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Decisão não pode ficar ao sabor do populismo penal


Por Luiz Flávio Gomes

Entendimento anterior: A questão da responsabilidade por morte causada no trânsito por condutor embriagado sempre foi alvo de discussões nos tribunais. Em tese, não há como se apontar com certeza se há dolo eventual ou culpa consciente ou mesmo inconsciente. Em recente julgado, por exemplo, o STJ se posicionou no sentido de que considerando a complexidade da causa, correta foi a decisão de primeira instância que levou o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri, aceitando a denúncia do Ministério Público que imputava o dolo eventual (HC 199.100/SP).

Entendimento recente: O STF, no entanto, ao julgar o HC 107.801/SP (setembro de 2011), inovou no tema. Seguindo o voto condutor do ministro Luiz Fux, a 1ª Turma concluiu que o homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção perante a embriaguez alcoólica eventual.

A responsabilização dolosa pela morte em direção de veículo automotor, estando o condutor embriagado, pressupõe que a pessoa tenha se embriagado com o intuito de praticar o crime. Este foi o entendimento que fundamentou a concessão da ordem no HC 107.801/SP (6/9/11), pela 1ª Turma do STF, writ relatado pela ministra Cármen Lúcia.

A concessão da ordem consistiu em desclassificar a conduta imputada ao acusado de homicídio doloso para homicídio culposo na direção de veículo. O motorista, ao dirigir em estado de embriaguez, teria causado a morte de vítima em acidente de trânsito.

A relatora teve voto vencido, já que a maioria dos ministros da 1ª Turma seguiu o voto-vista do ministro Luiz Fux, determinando-se assim a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba (SP), pois o acusado já havia sido pronunciado para julgamento pelo Tribunal do Júri.

Para a defesa, o homicídio na direção do veículo, estando o condutor embriagado, revelaria o caráter culposo do crime por meio de imprudência, não se podendo falar sequer em dolo eventual.

Para o ministro Luiz Fux: “o homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção perante a embriaguez alcoólica eventual”. Conforme o entendimento do ministro, a embriaguez que conduz à responsabilização a título doloso refere-se àquela em que a pessoa tem como objetivo se encorajar e praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo”. (Clique aqui para ler notícia sobre a decisão)

Tecnicamente a decisão do STF está correta. A embriaguez, por si só, não significa dolo eventual. Dolo eventual existe quando o sujeito (a) representa o resultado, (b) aceita o resultado e (c) atua com indiferença frente ao bem jurídico. O estar embriagado não significa automaticamente dolo eventual. Cada caso é um caso. O que não se pode é partir de presunções contra o réu. Isso é inadmissível em Direito Penal.

O Brasil já é, agora, o terceiro país que mais mata no trânsito (cf. www.ipclfg.com.br). Passamos os EUA, com cerca de 40 mil mortes por ano. Há, portanto, também nessa área, uma demanda populista punitivista muito forte. Isso vem conduzindo muitas autoridades a aceitarem dolo eventual em muitos acidentes. Ocorre que dolo eventual é uma categoria jurídica muito precisa. É de se lamentar que a pressão popular e midiática venha a interferir nessas questões puramente dogmáticas. É incrível como a realidade criminal vem se impondo sobre a Teoria Geral do Delito ou da Pena.

Os alemães demoraram mais de 150 anos para construir um mundo de conceitos precisos (ou relativamente precisos) no âmbito penal. A mídia e a população emocionada muitas vezes tentam acabar com esses conceitos. Direito é Direito, sociologia é sociologia. As decisões judiciais não podem ficar ao sabor do populismo penal. Tampouco se justifica a sanção penal uma imposta para os graves acidentes de trânsito (penas alternativas). Não sendo também o caso de se jogar esse condenado ao “cadeião”, só resta o meio termo: pena de prisão domiciliar com monitoramento eletrônico. Mas isso depende de mudança legislativa.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). É autor do Blog do Professor Luiz Flávio Gomes.

Revista Consultor Jurídico, 15 de setembro de 2011