Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Inconvencionalidade do crime de desacato a autoridade (Quinta Turma do STJ)

A Quinta Turma do STJ descriminalizou a conduta tipificada como crime de desacato a autoridade, por entender que a tipificação é INCOMPATÍVEL com o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). A decisão foi tomada na sessão de 15/12/2016.

O ministro relator do recurso no STJ, Ribeiro Dantas, ratificou os argumentos apresentados pelo MPF de que os funcionários públicos estão mais sujeitos ao ESCRUTÍNIO da sociedade, e que as “leis de desacato” existentes em países como o Brasil atentam contra a LIBERDADE DE EXPRESSÃO e o direito à INFORMAÇÃO.

A decisão, unânime na Quinta Turma, ressaltou que o STF já firmou entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil têm natureza SUPRALEGAL. Para a turma, a condenação por desacato, baseada em lei federal, é incompatível com o tratado do qual o Brasil é signatário. 

Controle de convencionalidade

Ao apresentar seu voto, o ministro Ribeiro Dantas destacou que a decisão não invade o controle de constitucionalidade reservado ao STF, já que se trata de adequação de norma legal brasileira a um tratado internacional, o que pode ser feito na análise de um recurso especial, a exemplo do que ocorreu no julgamento da Quinta Turma.

O controle de convencionalidade NÃO SE CONFUNDE com o controle de constitucionalidade, uma vez que a posição supralegal do tratado de direitos humanos é bastante para superar a lei ou ato normativo interno que lhe for contrária, abrindo ensejo a recurso especial, como, aliás, já fez esta corte superior ao entender pela inconvencionalidade da prisão civil do depositário infiel”, explicou Ribeiro Dantas.

O ministro lembrou que o objetivo das leis de desacato é dar uma proteção maior aos agentes públicos frente à crítica, em comparação com os demais, algo contrário aos princípios democráticos e igualitários que regem o país.

“A criminalização do desacato está na contramão do HUMANISMO, porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo”, destacou o ministro.

Outras medidas

O magistrado apontou que a descriminalização da conduta não significa liberdade para as agressões verbais ILIMITADAS, já que o agente pode ser responsabilizado de OUTRAS formas pela agressão. O que foi alterado é a impossibilidade de condenar alguém, em âmbito de ação penal, por desacato a autoridade.

No caso submetido a julgamento, um homem havia sido condenado a cinco anos e cinco meses de reclusão por roubar uma garrafa de bebida avaliada em R$ 9,00, por desacatar os policiais que o prenderam e por resistir à prisão. Os ministros afastaram a condenação por desacato.

Leia o voto do relator.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Busca veicular e desnecessidade de autorização judicial

O Colegiado decidiu que as medidas cautelares, por reclamarem especial urgência, não prescindem de AGILIDADE, mas também não podem se distanciar das necessárias autorizações legais e judiciais. 

Consignou, também, que as APREENSÕES de documentos no interior de veículos automotores, por constituírem hipótese de BUSCA PESSOAL — caracterizada pela inspeção do corpo, das vestes, de objetos e de veículos (não destinados à habitação do indivíduo) —, DISPENSAM autorização judicial quando houver fundada suspeita de que neles estão ocultados elementos necessários à elucidação dos fatos investigados, a teor do disposto no art. 240, § 2º, do CPP.

RHC 117767/DF, rel. min. Teori Zavascki, 11.10.2016.

Pesca ilegal: crime de perigo e afastamento do princípio da insignificância

A Segunda Turma, em julgamento conjunto, denegou a ordem em “habeas corpus” e negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” em que se pretendia fosse reconhecida a atipicidade da conduta pela incidência do princípio da insignificância. Em ambos os casos, os envolvidos foram denunciados pela suposta prática do crime do art. 34 da Lei 9.605/1998 (pesca PROIBIDA). 
 
Em um dos processos, a denúncia foi oferecida em razão de o acusado ter sido encontrado com 70 metros de rede de malha número 16 e iscas vivas, porém sem pescado algum. No outro, o denunciado foi flagrado praticando atos de pesca amadora, com o uso de redes de emalhar ancoradas (fixas), em local interditado para a atividade durante o período de safra da tainha. Também não havia nenhum espécime em seu poder.
 
O Colegiado citou a DEFINIÇÃO da atividade da pesca, conforme o disposto no art. 36 da Lei 9.605/1998 (“Para os efeitos desta Lei, considera-se pesca todo ato TENDENTE a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção, constantes nas listas oficiais da fauna e da flora”). De acordo com o texto legal, a pesca não se restringe à captura do ser vivo, mas também abrange todo ato tendente a fazê-lo.

Nesse sentido, a Turma assentou tratar-se de crime de PERIGO, que se consuma com a mera possibilidade de dano ao bem jurídico. Assim, a captura por meio da pesca é mero EXAURIMENTO do delito, de modo que não se pode falar em crime de bagatela por não ter sido apreendido nenhum ser vivo. Os comportamentos dos denunciados apresentam elevado grau de REPROVABILIDADE. Além disso, os crimes não se exauriram porque as autoridades intervieram antes que houvesse dano maior à fauna aquática.

RHC 125566/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 26.10.2016.

Consunção: possibilidade de absorção de infração mais grave pela de menor gravidade

HIPÓTESE EM QUE O FALSO PODE SER ABSORVIDO PELO CRIME DE DESCAMINHO.
 
Quando o falso se exaure no descaminho, SEM mais potencialidade lesiva, é por este absorvido, como crime-fim, condição que não se altera por ser menor a pena a este cominada. 

Conforme entendimento doutrinário, na aplicação do critério da CONSUNÇÃO, verifica-se que "o conteúdo de injusto principal consome o conteúdo de injusto do tipo secundário porque o tipo consumido constitui meio regular (e não necessário) de realização do tipo consumidor". 

Nesse contexto, o STJ já se pronunciou no sentido de não ser obstáculo para a aplicação da consunção a proteção de BENS JURÍDICOS DIVERSOS ou a absorção de infração mais grave pela de MENOR gravidade (REsp 1.294.411-SP, Quinta Turma, DJe 3/2/2014). 

O STJ, inclusive, já adotou, em casos análogos, orientação de que o delito de USO de documento falso, cuja pena em abstrato é mais grave, pode ser absorvido quando não constituir conduta autônoma, mas mera etapa preparatória ou executória do DESCAMINHO, crime de menor gravidade, no qual o falso exaure a sua potencialidade lesiva (AgRg no REsp 1.274.707-PR, Quinta Turma, DJe 13/10/2015; e REsp 1.425.746-PA, Sexta Turma, DJe 20/6/2014). 

No mesmo sentido, mutatis mutandis, a Súmula n. 17 do STJ, segundo a qual "Quando o falso se EXAURE no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido".  

REsp 1.378.053-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Terceira Seção, j. em 10/8/2016.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Inaplicabilidade do arrependimento posterior em homicídio culposo na direção de veículo

Em homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB), ainda que realizada COMPOSIÇÃO CIVIL entre o autor do crime e a família da vítima, é inaplicável o arrependimento posterior (art. 16 do CP).

O STJ possui entendimento de que, para que seja possível aplicar a causa de diminuição de pena prevista no art. 16 do Código Penal, faz-se necessário que o crime praticado seja PATRIMONIAL ou possua efeitos patrimoniais (HC 47.922-PR, Quinta Turma, DJ 10/12/2007; e REsp 1.242.294-PR, Sexta Turma, DJe 3/2/2015). 

Na hipótese em análise, a tutela penal abrange o bem jurídico, o direito fundamental mais importante do ordenamento jurídico, a VIDA, que, uma vez ceifada, jamais poderá ser restituída, reparada. Não se pode, assim, falar que o delito do art. 302 do CTB é um crime patrimonial ou de efeito patrimonial. 

Além disso, não se pode reconhecer o arrependimento posterior pela impossibilidade de REPARAÇÃO DO DANO cometido contra o bem jurídico vida e, por conseguinte, pela impossibilidade de aproveitamento pela vítima da composição financeira entre a agente e a sua família. Sendo assim, inviável o reconhecimento do arrependimento posterior na hipótese de homicídio culposo na direção de veículo automotor.  

REsp 1.561.276-BA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/6/2016, DJe 15/9/2016.

Hipótese de inaplicabilidade da Súmula 337 do STJ (procedência integral)

Após a sentença penal que CONDENOU o agente pela prática de dois crimes em concurso formal, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em relação a apenas um dos crimes em razão da pena concreta (art. 109 do CP) NÃO autoriza a suspensão condicional do processo em relação ao crime remanescente.

O comando da Súmula n. 337 do STJ tem a seguinte redação: "É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva."

Na hipótese em que a declaração de extinção de punibilidade se dá pela pena concreta, verifica-se a existência de uma prévia condenação. Realmente, somente a partir do quantum concreto, observa-se qual seria o prazo prescricional, dentre aqueles inscritos no art. 109 do CP. 

Ora, se a denúncia teve de ser julgada procedente primeiro, para, somente após, ser reconhecida a prescrição, em razão da pena concreta, não houve procedência parcial da pretensão punitiva - a qual, de fato, foi INTEGRAL- não sendo caso de incidência da Súmula n. 337 do STJ. Precedente citado do STF: RHC 116.399-BA, Primeira Turma, DJe 15/8/2013. 

REsp 1.500.029-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 27/9/2016, DJe 13/10/2016.