Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Decálogo do Promotor do Júri - por Mougenot Bonfim

1. QUESTIONA. Questiona o espelho de tua sinceridade se vês refletida a imagem de um idealista. É a pergunta por tua vocação, pois sem ela não suportarás os percalços da espinhosa missão que tens a cumprir. 

2. COMPREENDE. Compreende que o júri se leciona com conceitos clássicos, pois o mesmo é um clássico da justiça, como a vida é um clássico do universo; 

3. INSTRUI. Instrui o processo, pois sem provas, é um corpo sem alma e somente com talento não poderás sobrepujar a verdade que não se apaga; 

4. ACUSA E DEFENDE, pois o libelo que sustentas contra o acusado é a absolvição da memória da vítima; 

5. ACUSA. Acusa com firmeza, lealdade e dignidade. Teu discurso é de combate ao mal, porquanto és uma pessoa de bem! 

6. SÊ CONSCIENTE. A condenação que postulas não devolve uma vida ceifada, mas ajuda a aplacar a dor da família enlutada; 

7. SÊ ALTIVO. Não se curva a alma de um tribuno, pois não se verga a honra da sociedade. Justiça se postula em pé, com dignidade. De joelhos, poêm-se os que suplicam o perdão, porque erraram; 

8. APRIMORA. Aprimora os princípios. Lembra que teu destemor advém de tua honestidade, conceito subjetivo da retidão que sabes possuir; 

9. BUSCA. Busca a fortuna das virtudes, para que quando partires, teus filhos encontrem um espólio de bens morais e possam saciar a sede do bem na fonte de teus exemplos; 

10. NUNCA DES O "PERDÃO FÁCIL", tampouco pleiteies um minuto a mais da pena que mereça o infrator. És tribuno, falas em nome da lei e da sociedade. És Promotor do Júri, cidadão, homem ou mulher, filho de DEUS.  

Edilson Mougenot Bonfim, I Congresso Nacional dos Promotores de Júri, Campos do Jordão, Agosto/1995)

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Cabimento do MS no processo penal, a banalização do HC e a maior eficiência e celeridade da prestação jurisdicional

No que se refere ao cabimento, sublinhamos que, após um longo histórico de BANALIZAÇÃO do habeas corpus, os tribunais brasileiros vêm, gradativamente, reconduzindo cada instrumento a seus limites de cabimento, reservando o HC para os casos em que há risco efetivo para a liberdade de ir e vir, e os demais, residualmente, ao mandado de segurança.

Exemplo típico é a NEGATIVA por parte da autoridade policial em conceder vista ao advogado dos autos do inquérito policial. Durante muito tempo o habeas corpus foi utilizado para esse fim. Atualmente, predomina o entendimento – acertadamente – de que se trata de violação de direito líquido e certo a ser tutelada pelo mandado de segurança, até porque, não se trata de lesão ao direito de ir e vir.

Contudo, é importante sublinhar, sustentamos a possibilidade do Mandado de Segurança nesse caso em nome da MAIOR EFICÁCIA e CELERIDADE da prestação jurisdicional, pois, com o advento da Súmula Vinculante n. 14 do STF, a recusa em dar vista e amplo acesso ao inquérito policial, a rigor, dá causa à Reclamação, prevista no art. 102, I, “l”, da Constituição, a ser ajuizada diretamente no STF.

Então, para que fique claro: a recusa por parte da autoridade policial ou judicial em dar acesso ao advogado dos autos do inquérito permite Reclamação diretamente no STF; contudo, tendo em vista as dificuldades que isso pode encerrar no caso concreto, é perfeitamente viável a utilização do Mandado de Segurança, inclusive com a invocação da Súmula Vinculante n. 14, e que terá imensa possibilidade de êxito imediato. O que sim não nos parece correto é utilizar o habeas corpus, pelas razões já expostas.

Outros casos de cabimento do mandado de segurança, a título de ilustração, são:

a) negativa da autoridade policial em realizar DILIGÊNCIAS solicitadas pelo indiciado, nos termos do art. 14 do CPP;

b) da decisão que indefere o pedido de HABILITAÇÃO como assistente da acusação;

c) nas medidas assecuratórias de SEQUESTRO e arresto de bens;

d) para atacar a decisão que indefere o pedido de RESTITUIÇÃO de bem apreendido etc.

Para a tutela das prerrogativas FUNCIONAIS do advogado, asseguradas na Lei n. 8.906, o instrumento adequado é o mandado de segurança, pois representa a violação de direito líquido e certo. Da mesma forma, cabe o mandado de segurança contra ato de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que não respeita as prerrogativas funcionais de advogado.

Por outro lado, quando o que se busca é a garantia do DIREITO DE SILÊNCIO (autodefesa negativa) do imputado, costumeiramente violado no âmbito das CPIs, o caminho a ser seguido é o do HABEAS CORPUS.

Fonte: Direito processual penal. Aury Lopes Jr., 2014.

Princípio da criminalidade de bagatela imprópria

De acordo com esse princípio, sem previsão legal no Brasil, inexiste legitimidade na imposição da pena nas hipóteses em que, nada obstante a infração penal esteja indiscutivelmente caracterizada, a aplicação da reprimenda desponte como desnecessária e inoportuna.

A análise da pertinência da bagatela imprópria há de ser realizada, obrigatoriamente, na situação FÁTICA, e jamais no plano abstrato. O fato real deve ser confrontado com um princípio basilar do Direito Penal, qual seja, o da NECESSIDADE DA PENA (art. 59, caput, do CP).

O juiz, levando em conta as circunstâncias simultâneas e posteriores ao fato típico e ilícito cometido por agente culpável, deixa de aplicar a pena, pois falta interesse para tanto. Ao contrário do que se verifica no princípio da insignificância (própria), o sujeito é regularmente PROCESSADO.

A ação penal precisa ser iniciada, mas a análise das circunstâncias do fato submetido ao crivo do Poder Judiciário recomenda a exclusão da pena. A bagatela imprópria tem como pressuposto inafastável a NÃO INCIDÊNCIA do princípio da insignificância (PRÓPRIA).

Fonte: Código Penal comentado. Cléber Masson. São Paulo: MÉTODO, 2014

Princípio da convergência no concurso de pessoas: vontade homogênea e desnecessidade de "pactum sceleris"

Em relação ao vínculo subjetivo entre os agentes no concurso de pessoas, também chamado de concurso de vontades, impõe estejam todos os agentes ligados entre si por um vínculo de ordem subjetiva, um nexo psicológico, pois caso contrário não haverá um crime praticado em concurso, mas vários CRIMES SIMULTÂNEOS. 

Os agentes devem revelar vontade homogênea, visando à produção do mesmo resultado. É o que se convencionou chamar de princípio da CONVERGÊNCIA.

Logo, não é possível a contribuição dolosa para um crime culposo, nem a concorrência culposa para um delito doloso. Sem esse requisito estaremos diante da AUTORIA COLATERAL. O vínculo subjetivo não depende, contudo, do prévio ajuste entre os envolvidos (PACTUM SCELERIS). Basta a ciência por parte de um agente no tocante ao fato de concorrer para a conduta de outrem (scientia sceleris ou scientia maleficii), chamada pela doutrina de “consciente e voluntária cooperação”, “vontade de participar”, “vontade de coparticipar”, “adesão à vontade de outrem” ou “concorrência de vontades”.

Não se reclama o PRÉVIO AJUSTE, nem muito menos estabilidade no agrupamento, o que acarretaria a caracterização do delito de associação criminosa (art. 288 do CP), se presentes ao menos três pessoas.

Fonte: Código Penal comentado. Cléber Masson. São Paulo: MÉTODO, 2014

Estelionato, falsidade ideológica e "cola eletrônica"

Na visão do Supremo Tribunal Federal, o procedimento denominado de “cola eletrônica”, no qual os candidatos burlam as provas de vestibulares, exames ou de concursos públicos mediante a comunicação por meios eletrônicos (transmissores e receptores) com pessoas especialistas nas matérias exigidas nas avaliações, não constitui ESTELIONATO nem FALSIDADE IDEOLÓGICA (CP, art. 299).

O fato ERA ATÍPICO.

Entretanto, este panorama sofreu profundas alterações com a entrada em vigor da Lei 12.550/2011, a qual criou um crime especial – fraudes em certames de interesse público – no qual se subsume a conduta daquele que pratica ou concorre para a prática da “cola eletrônica”.

Destarte, atualmente existe crime específico envolvendo a fraude em certames de interesse público. O comportamento inerente à cola eletrônica se enquadra na descrição do art. 311-A do Código Penal.

Fonte: Código Penal comentado. Cléber Masson. São Paulo: MÉTODO, 2014.

Súmulas do STF sobre o tema: "Nulidades" no processo penal

Caros colegas, destaquei as palavras-chave e as exceções destas Súmulas do Supremo, a respeito de um tema tão essencial; espero que seja proveitoso!

Súmula n. 155 — É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de PRECATÓRIA para inquirição de testemunha.

Súmula n. 156 — É absoluta a nulidade do julgamento, pelo júri, por falta de QUESITO OBRIGATÓRIO.

Súmula n. 160 — É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de RECURSO DE OFÍCIO.

O Parquet na função de interveniente adesivo obrigatório

Atuação e ônus processuais

A atuação do Ministério Público pode iniciar­-se ANTES do exercício da ação penal, tal como ocorre quando requisita a instauração de inquérito policial ou a realização de diligências investigatórias (art. 129, VIII, da CF).

Quando atua como PARTE, tem a atividade vinculada aos princípios da obrigatoriedade (ou da legalidade) e da indisponibilidade, daí por que tem de exercer a ação penal sempre que verificar a existência de prova da existência do fato criminoso e de indícios de autoria, além do que dela não pode desistir. Na qualidade de parte, deve arcar com os ônus processuais decorrentes do exercício do direito de ação, zelando, após o oferecimento de denúncia, pela produção das provas necessárias ao convencimento do magistrado, acompanhando a realização dos atos processuais e, se for o caso, apresentando recurso ou ações de impugnação, inclusive EM FAVOR do acusado.

Embora os ônus processuais do Ministério Público sejam, em regra, IMPRÓPRIOS (ou diminuídos), já que o descumprimento do prazo não acarreta a preclusão (ex.: prazo para o oferecimento da denúncia), há também ônus PERFEITOS (ou plenos), como os relativos à interposição de recursos.

Nas ações PRIVADAS, o Ministério Público atua, necessariamente, na condição de custos legis, sob pena de nulidade do processo.

Diante das particularidades das funções do Ministério Público na ação penal PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA e da imprescindibilidade de sua atuação, fala­-se, em tal hipótese, que é INTERVENIENTE ADESIVO OBRIGATÓRIO.

Fonte: Direito processual penal esquematizado. Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves; coordenador Pedro Lenza. – São Paulo: Saraiva, 2015.

Júri: pode haver inovação de tese defensiva na tréplica?

divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de a defesa inovar na tréplica, apresentando tese até então não ventilada. Argumentam os que repudiam a possibilidade de inovação que, se admitida a sustentação de tese inédita quando a acusação já não pode rebatê­-la, haveria maltrato ao princípio constitucional do CONTRADITÓRIO (Fernando da Costa Tourinho Filho. Processo penal, 33. ed., v. 4, p. 214).

Não comungamos desse entendimento, uma vez que a garantia do contraditório não alcança a necessidade de sempre oferecer à parte adversa oportunidade para contrariar tese jurídica, cuja invocação pode ser ANTEVISTA pelo órgão acusador, que é jurisperito.

O postulado do contraditório, que visa assegurar, em verdade, que ambas as partes tenham ciência e possam manifestar­-se sobre todos os atos processuais e sobre todas as provas, deve harmonizar­-se, ademais, com o princípio da PLENITUDE DA DEFESA, como já proclamado pelo Superior Tribunal de Justiça:
“Tribunal do júri (plenitude de defesa). Tréplica (inovação). Contraditório/ampla defesa (antinomia de princípios). Solução (liberdade). Vem o júri pautado pela plenitude de defesa (Constituição, art. 5º, XXXVIII e LV). É­-lhe, pois, lícito ouvir, na tréplica, tese diversa da que a defesa vem sustentando. Havendo, em casos tais, CONFLITO entre o contraditório (pode o acusador replicar, a defesa, treplicar sem inovações) e a amplitude de defesa, o conflito, se existente, resolve­-se a FAVOR DA DEFESA — privilegia­-se a liberdade (entre outros, HC 42.914, de 2005, e HC 44.165, de 2007). Habeas corpus deferido” (STJ — HC 61.615/MS — 6ª Turma — Rel. p/ acórdão Min. Nilson Naves — DJe 09.03.2009).
Essa mesma corte, porém, em julgado mais antigo, já decidiu em sentido contrário: “É incabível a inovação de tese defensiva, na fase de tréplica, não ventilada antes em nenhuma fase do processo, sob pena de violação ao princípio do contraditório” (STJ — REsp 65.379/PR — 5ª Turma — Rel. Min. Gilson Dipp — 13.05.2002 — p. 218).

Fonte: Direito processual penal esquematizado. AlexandreCebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves; coordenador Pedro Lenza. – São Paulo: Saraiva, 2015.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Inquirição de testemunhas pelo Magistrado e ausência de nulidade: princípio da verdade real e do impulso oficial à luz da exigência da complementariedade

INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS PELO MAGISTRADO E AUSÊNCIA DO MP NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO.
 
Não gera nulidade do processo o fato de, em audiência de instrução, o magistrado, após o registro da ausência do representante do MP (que, mesmo intimado, não compareceu), COMPLEMENTAR a inquirição das testemunhas realizada pela defesa, sem que o defensor tenha se insurgido no momento oportuno nem demonstrado efetivo prejuízo.
 
Destaca-se, inicialmente, que a AUSÊNCIA do representante do Ministério Público ao ato, se prejuízo acarretasse, seria ao próprio órgão acusatório, jamais à defesa, e, portanto, não poderia ser por esta invocado, porquanto, segundo o que dispõe o art. 565 do CPP, "Nenhuma das partes poderá arguir nulidade [...] referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse". 

De mais a mais, as modificações introduzidas pela Lei n. 11.690/2008 ao art. 212 do CPP não retiraram do juiz a possibilidade de formular perguntas às testemunhas, a fim de complementar a inquirição, na medida em que a própria legislação adjetiva lhe incumbe do dever de se aproximar o máximo possível da realidade dos fatos (princípio da VERDADE REAL e do IMPULSO OFICIAL), o que afasta o argumento de violação ao sistema ACUSATÓRIO. 

Na hipótese em análise, a oitiva das testemunhas pelo magistrado, de fato, obedeceu à exigência de complementaridade, nos termos do que determina o art. 212 do CPP, pois SOMENTE ocorreu após ter sido registrada a ausência do Parquet e dada a palavra à defesa para a realização de seus questionamentos. 

Vale ressaltar, ainda, que a jurisprudência do STJ se posiciona no sentido de que eventual INOBSERVÂNCIA ao disposto no art. 212 do CPP gera nulidade meramente RELATIVA, sendo necessário, para seu reconhecimento, a alegação no momento oportuno e a comprovação do efetivo PREJUÍZO (HC 186.397-SP, Quinta Turma, DJe 28/6/2011; e HC 268.858-RS, Quinta Turma, DJe 3/9/2013). Precedentes citados: AgRg no REsp 1.491.961-RS, Quinta Turma, DJe 14/9/2015; e HC 312.668-RS, Quinta Turma, DJe 7/5/2015. 

REsp 1.348.978-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min. Nefi Cordeiro, j. em 17/12/2015.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Reiteração criminosa no crime de descaminho e princípio da insignificância

Caros amigos, segue julgado bem precioso sobre a aplicação da insignificância, fazendo alusão à não adoção do direito penal do autor; ao  fomento à justiça privada, à teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos, ao eventual desvirtuamento da teoria da insignificância em sua gênese, elementos subjetivos que revelem o merecimento do réu; à adaptação de teorias à realidade e à aplicação casuística pelo Magistrado. 

Este é exatamente meu entendimento acerca do tema, prima-se pelo bom senso e pela razoabilidade:

DIREITO PENAL. REITERAÇÃO CRIMINOSA NO CRIME DE DESCAMINHO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
 
A reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância nos crimes de descaminho, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, as instâncias ordinárias verificarem que a medida é socialmente recomendável.  

Destaca-se, inicialmente, que não há consenso sobre a possibilidade ou não de incidência do princípio da insignificância nos casos em que fica demonstrada a reiteração delitiva no crime de descaminho. Para a Sexta Turma deste Tribunal Superior, o passado delitivo do agente não impede a aplicação da benesse. Já para a Quinta Turma, as condições pessoais negativas do autor inviabilizam o benefício. 

De fato, uma conduta formalmente típica, mas materialmente insignificante, mostra-se deveras temerária para o ordenamento jurídico acaso não se analise o contexto pessoal do agente. Isso porque se estaria instigando a multiplicação de pequenos crimes, os quais se tornariam inatingíveis pelo ordenamento penal. 

Nesse sentido, o Plenário do STF, quando do julgamento dos HC 123.734-MG (DJe 2/2/2016), HC 123.533-SP (DJe 8/8/2014) e HC 123.108-MG (DJe 1º/2/2016), a despeito de ter exarado que a aplicação do princípio da insignificância "deve ser analisada caso a caso pelo juiz de primeira instância, e que a Corte não deve fixar tese sobre o tema", acabou por traçar orientação no viés de que a vida pregressa do agente pode e deve ser efetivamente considerada ao se analisar a possibilidade de incidência do preceito da insignificância. 

Ressaltou-se, no mencionado julgamento, que adotar indiscriminadamente o princípio da insignificância, na hipótese em que há qualificação ou reincidência, seria tornar a conduta penalmente lícita e também imune a qualquer espécie de repressão estatal. Além disso, na mesma ocasião, salientou-se que a imunização da conduta do agente, ainda que a pretexto de protegê-lo, pode deixá-lo exposto à situação de justiça privada, na medida em que a inação do Estado pode fomentar a sociedade a realizar "justiça com as próprias mãos", com consequências imprevisíveis e provavelmente mais graves. 

Concluiu-se, assim, que: "o Judiciário não pode, com sua inação, abrir espaço para quem o socorra. É justamente em situações como esta que se deve privilegiar o papel do juiz da causa, a quem cabe avaliar em cada caso concreto a aplicação, em dosagem adequada, seja do princípio da insignificância, seja do princípio constitucional da individualização da pena". 

Portanto, entende-se que, para aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho, além de ser analisado o tributo iludido e os vetores - (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) nenhuma periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada -, deve ser examinada a vida pregressa do agente. 

Note-se que a incidência do princípio da insignificância nos casos de reiteração do crime de descaminho estaria legitimando a conduta criminosa, a qual acabaria por se tornar, em verdade, lícita. Ora, bastaria, por exemplo, que o agente fizesse o transporte das mercadorias de forma segmentada. 

Logo, a reiteração delitiva deve efetivamente ser sopesada de forma negativa para o agente. Esclareça-se que, ao somar um requisito de ordem subjetiva ao exame acerca da incidência do princípio da insignificância, não se está desconsiderando a necessidade de análise caso a caso pelo juiz de primeira instância. 

Antes, se está afirmando ser imprescindível o efetivo exame das circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto, porquanto, de plano, aquele que reitera e reincide não faz jus a benesses jurídicas. Dessa forma, ante a ausência de previsão legal do princípio da insignificância, deve-se entender que não há vedação à sua aplicação ao reincidente, o que não significa, entretanto, que referida circunstância deva ser desconsiderada. 

A propósito, ressalta-se a teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos, a qual considera que "a contumácia de infrações penais que não têm o patrimônio como bem jurídico tutelado pela norma penal (a exemplo da lesão corporal) não poderia ser valorada como fator impeditivo à aplicação do princípio da insignificância, porque ausente a séria lesão à propriedade alheia" (STF, HC 114.723-MG, Segunda Turma, DJe 12/11/2014). 

Destaca-se, ainda, que apenas as instâncias ordinárias, que se encontram mais próximas da situação que concretamente se apresenta ao Judiciário, têm condições de realizar o exame do caso concreto, por meio da valoração fática e probatória a qual, na maioria das vezes, possui cunho subjetivo, impregnada pelo livre convencimento motivado. Por fim, não se desconhece a estrutura objetiva do princípio da insignificância. 

No entanto, preconiza-se a ampliação de sua análise para se incorporar elementos subjetivos que revelem o merecimento do réu. Isso não guarda relação com o direito penal do autor, mas antes com todo o ordenamento jurídico penal, o qual remete à análise de mencionadas particularidades para reconhecer o crime privilegiado, fixar a pena-base, escolher o regime de cumprimento da pena, entre outros. 

Nesse contexto, ainda que haja um eventual desvirtuamento da teoria da insignificância em sua gênese, faz-se isso com o intuito de assegurar a coerência do ordenamento jurídico pátrio, tornando a incidência do princípio da bagatela um verdadeiro privilégio/benefício, que, portanto, deve ser merecido, não se tratando da mera aplicação de uma teoria, haja vista, não raras vezes, ser necessária a adaptação de teorias à nossa realidade. Precedentes citados do STF: HC 120.662-RS, Segunda Turma, DJe 21/8/2014; HC 109.705-PR, Primeira Turma, DJe 28/5/2014. 

EREsp 1.217.514-RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 9/12/2015.

Qualificadora do motivo torpe em relação ao mandante de homicídio mercenário

Segue interessante julgado, publicado no Inf 575 do STJ:
 
O reconhecimento da qualificadora da "paga ou promessa de recompensa" (inciso I do § 2º do art. 121) em relação ao executor do crime de homicídio mercenário NÃO qualifica AUTOMATICAMENTE o delito em relação ao mandante, nada obstante este possa incidir no referido dispositivo caso o motivo que o tenha levado a empreitar o óbito alheio seja torpe.  

De fato, no homicídio qualificado pelo motivo torpe consistente na paga ou na promessa de recompensa (art. 121, § 2º, I, do CP) - conhecido como homicídio mercenário - há concurso de agentes necessário, na medida em que, de um lado, tem-se a figura do mandante, aquele que oferece a recompensa, e, de outro, há a figura do executor do delito, aquele que aceita a promessa de recompensa. 

É bem verdade que NEM SEMPRE a motivação do mandante será abjeta, desprezível ou repugnante, como ocorre, por exemplo, nos homicídios privilegiados, em que o mandante, por relevante valor moral, contrata pistoleiro para matar o estuprador de sua filha. 

Nesses casos, a circunstância prevista no art. 121, § 2º, I, do CP não será transmitida, por óbvio, ao mandante, em razão da INCOMPATIBILIDADE da qualificadora do motivo torpe com o crime privilegiado, de modo que apenas o executor do delito (que recebeu a paga ou a promessa de recompensa) responde pela qualificadora do motivo torpe. 

Entretanto, apesar de a "paga ou promessa de recompensa" (art. 121, § 2º, I, do CP) não ser elementar, mas sim circunstância de CARÁTER PESSOAL do delito de homicídio, sendo, portanto, incomunicável automaticamente a coautores do homicídio, conforme o art. 30 do CP (REsp 467.810-SP, Quinta Turma, DJ 19/12/2003), poderá o mandante responder por homicídio qualificado pelo motivo torpe caso o motivo que o tenha levado a empreitar o óbito alheio seja abjeto, desprezível ou repugnante. 

REsp 1.209.852-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 15/12/2015, DJe 2/2/2016.