Edilson Mougenot Bonfim, I Congresso Nacional dos Promotores de Júri, Campos do Jordão, Agosto/1995)
O Processo Penal como sismógrafo da Constituição e o Supremo Tribunal Federal - teoria, análise crítica e práxis - por Júlio Medeiros.
Nélson HUNGRIA
"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)
quarta-feira, 7 de dezembro de 2016
sexta-feira, 15 de abril de 2016
Cabimento do MS no processo penal, a banalização do HC e a maior eficiência e celeridade da prestação jurisdicional
No
que se refere ao cabimento, sublinhamos que, após um longo
histórico de BANALIZAÇÃO do habeas
corpus,
os tribunais brasileiros vêm, gradativamente, reconduzindo
cada instrumento a seus limites de cabimento, reservando o HC para os
casos em que há risco efetivo para a liberdade de ir e vir, e os
demais, residualmente, ao mandado de segurança.
Exemplo
típico é a NEGATIVA
por parte da autoridade policial em conceder vista ao advogado dos
autos do inquérito policial.
Durante muito tempo
o habeas
corpus foi
utilizado para esse fim.
Atualmente, predomina o entendimento – acertadamente – de que se
trata de violação de direito líquido e certo a ser tutelada pelo
mandado de segurança, até porque, não se trata de lesão ao
direito de ir e vir.
Contudo,
é importante sublinhar, sustentamos
a possibilidade do Mandado de Segurança nesse caso em nome da MAIOR
EFICÁCIA e CELERIDADE da prestação jurisdicional, pois, com
o advento da Súmula Vinculante n. 14 do STF, a recusa em dar vista e
amplo acesso ao inquérito policial, a
rigor, dá causa à Reclamação, prevista no art. 102, I,
“l”, da Constituição, a ser
ajuizada diretamente no STF.
Então,
para que fique claro: a recusa por parte da autoridade policial ou
judicial em dar acesso ao advogado dos autos do inquérito permite
Reclamação diretamente no STF; contudo, tendo em vista as
dificuldades que isso pode encerrar no caso concreto, é
perfeitamente viável a utilização do Mandado de Segurança,
inclusive com a invocação da
Súmula Vinculante n. 14, e que terá imensa possibilidade de
êxito imediato. O que sim não nos
parece correto é utilizar o habeas
corpus, pelas razões já
expostas.
Outros
casos de cabimento do mandado de segurança, a título de ilustração,
são:
a) negativa
da autoridade policial em realizar DILIGÊNCIAS solicitadas
pelo indiciado, nos termos do art. 14 do CPP;
b)
da decisão que indefere o pedido
de HABILITAÇÃO como assistente da acusação;
c)
nas medidas assecuratórias de
SEQUESTRO e arresto de bens;
d)
para atacar a decisão que indefere
o pedido de RESTITUIÇÃO de bem apreendido etc.
Para
a tutela das prerrogativas
FUNCIONAIS do advogado, asseguradas na Lei n. 8.906, o
instrumento adequado é o mandado de segurança, pois representa a
violação de direito líquido e certo. Da mesma forma, cabe o
mandado de segurança contra ato de
CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que não respeita as
prerrogativas funcionais de advogado.
Por
outro lado, quando o que se busca é a garantia
do DIREITO DE SILÊNCIO (autodefesa negativa) do imputado,
costumeiramente violado no âmbito das CPIs, o
caminho a ser seguido é o do HABEAS
CORPUS.
Fonte:
Direito processual penal. Aury Lopes Jr., 2014.
Princípio da criminalidade de bagatela imprópria
De
acordo com esse princípio, sem
previsão legal no Brasil,
inexiste legitimidade na imposição da pena nas hipóteses em que,
nada obstante a infração penal esteja indiscutivelmente
caracterizada, a aplicação da reprimenda desponte como
desnecessária e inoportuna.
A
análise da pertinência da bagatela imprópria há de ser realizada,
obrigatoriamente, na situação
FÁTICA,
e jamais no plano abstrato. O fato real deve ser confrontado com um
princípio basilar do Direito Penal, qual seja, o da NECESSIDADE
DA PENA (art.
59, caput,
do CP).
O
juiz, levando em conta as circunstâncias simultâneas e posteriores
ao fato típico e ilícito cometido por agente culpável, deixa
de aplicar a pena, pois falta interesse para tanto.
Ao contrário do que se verifica no princípio da insignificância
(própria), o
sujeito é regularmente PROCESSADO.
A
ação penal precisa ser iniciada,
mas a análise das circunstâncias do fato submetido ao crivo do
Poder Judiciário recomenda a exclusão da pena. A bagatela imprópria
tem como pressuposto
inafastável
a NÃO INCIDÊNCIA do princípio da insignificância (PRÓPRIA).
Fonte: Código Penal comentado. Cléber Masson. São Paulo: MÉTODO, 2014
Princípio da convergência no concurso de pessoas: vontade homogênea e desnecessidade de "pactum sceleris"
Em
relação ao vínculo
subjetivo
entre os agentes no concurso de pessoas,
também chamado de concurso
de vontades,
impõe estejam todos os agentes ligados entre si por um vínculo de
ordem subjetiva, um nexo
psicológico,
pois caso contrário não haverá um crime praticado em concurso, mas
vários CRIMES SIMULTÂNEOS.
Os agentes devem revelar vontade
homogênea,
visando à produção do mesmo resultado. É o que se convencionou
chamar de princípio
da CONVERGÊNCIA.
Logo,
não
é possível a contribuição dolosa para um crime culposo,
nem a concorrência culposa para um delito doloso. Sem esse requisito
estaremos diante da AUTORIA COLATERAL.
O vínculo subjetivo não
depende, contudo, do prévio ajuste entre os envolvidos (PACTUM
SCELERIS).
Basta a ciência por parte de um agente no tocante ao fato de
concorrer para a conduta de outrem (scientia
sceleris ou scientia
maleficii),
chamada pela doutrina de “consciente e voluntária cooperação”,
“vontade de participar”, “vontade de coparticipar”, “adesão
à vontade de outrem” ou “concorrência de vontades”.
Não
se reclama o PRÉVIO AJUSTE,
nem muito menos estabilidade no agrupamento, o que acarretaria a
caracterização do delito de associação
criminosa
(art. 288 do CP), se presentes ao menos três pessoas.
Fonte: Código Penal comentado. Cléber Masson. São Paulo: MÉTODO, 2014
Estelionato, falsidade ideológica e "cola eletrônica"
Na
visão do Supremo Tribunal Federal, o procedimento denominado de
“cola eletrônica”, no qual os candidatos burlam as provas de
vestibulares, exames ou de concursos públicos mediante a comunicação
por meios eletrônicos (transmissores e receptores) com pessoas
especialistas nas matérias exigidas nas avaliações, não constitui
ESTELIONATO nem FALSIDADE IDEOLÓGICA (CP, art. 299).
O
fato ERA ATÍPICO.
Entretanto,
este panorama sofreu profundas alterações com a entrada em vigor da
Lei 12.550/2011, a qual criou um crime especial – fraudes
em certames de interesse público –
no
qual se subsume a conduta daquele que pratica ou concorre para a
prática da “cola eletrônica”.
Destarte,
atualmente existe crime específico envolvendo a fraude em certames
de interesse público. O comportamento inerente à cola eletrônica
se enquadra na descrição do art. 311-A do Código Penal.
Fonte: Código Penal comentado. Cléber Masson. São Paulo: MÉTODO, 2014.
Súmulas do STF sobre o tema: "Nulidades" no processo penal
Caros colegas, destaquei as palavras-chave e as exceções destas Súmulas do Supremo, a respeito de um tema tão essencial; espero que seja proveitoso!
Súmula
n. 155 — É relativa
a nulidade do processo criminal por falta
de intimação da expedição de PRECATÓRIA para inquirição de
testemunha.
Súmula
n. 156 — É absoluta
a nulidade do julgamento, pelo júri, por falta
de QUESITO OBRIGATÓRIO.
Súmula
n. 160 — É nula
a decisão do tribunal que acolhe,
contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação,
ressalvados os casos
de RECURSO DE OFÍCIO.
O Parquet na função de interveniente adesivo obrigatório
Atuação
e ônus processuais
A
atuação do Ministério Público pode
iniciar-se ANTES do exercício da ação penal, tal como
ocorre quando requisita a instauração de inquérito policial ou a
realização de diligências investigatórias (art. 129, VIII, da
CF).
Quando
atua como PARTE, tem a atividade vinculada aos princípios
da obrigatoriedade (ou
da legalidade) e da
indisponibilidade, daí por
que tem de exercer a ação penal sempre que verificar a existência
de prova da existência do fato criminoso e de indícios de autoria,
além do que dela não pode desistir. Na qualidade de parte, deve
arcar com os ônus processuais
decorrentes do exercício do direito de ação, zelando, após o
oferecimento de denúncia, pela produção das provas necessárias ao
convencimento do magistrado, acompanhando a realização dos atos
processuais e, se for o caso, apresentando recurso ou ações de
impugnação, inclusive EM
FAVOR do acusado.
Embora
os ônus processuais do Ministério Público sejam, em
regra, IMPRÓPRIOS
(ou diminuídos), já que o descumprimento do prazo não acarreta a
preclusão (ex.: prazo
para o oferecimento da denúncia),
há
também ônus PERFEITOS (ou plenos),
como os relativos à interposição
de recursos.
Nas ações PRIVADAS, o Ministério Público atua, necessariamente, na condição de custos legis, sob pena de nulidade do processo.
Diante
das particularidades das funções
do Ministério Público na ação penal PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA
PÚBLICA e da imprescindibilidade
de sua atuação, fala-se, em tal hipótese, que é
INTERVENIENTE
ADESIVO OBRIGATÓRIO.
Fonte: Direito processual penal esquematizado. Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves; coordenador Pedro Lenza. – São Paulo: Saraiva, 2015.
Júri: pode haver inovação de tese defensiva na tréplica?
Há divergência
doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de a defesa
inovar na tréplica, apresentando tese até então não ventilada.
Argumentam os que repudiam a possibilidade de inovação que, se
admitida a sustentação de tese inédita quando a acusação já não
pode rebatê-la, haveria maltrato ao princípio constitucional
do CONTRADITÓRIO (Fernando da Costa Tourinho Filho. Processo penal, 33. ed., v. 4, p. 214).
Não comungamos desse entendimento, uma vez que a garantia do contraditório não alcança a necessidade de sempre oferecer à parte adversa oportunidade para contrariar tese jurídica, cuja invocação pode ser ANTEVISTA pelo órgão acusador, que é jurisperito.
O postulado do contraditório, que visa assegurar, em verdade, que ambas as partes tenham ciência e possam manifestar-se sobre todos os atos processuais e sobre todas as provas, deve harmonizar-se, ademais, com o princípio da PLENITUDE DA DEFESA, como já proclamado pelo Superior Tribunal de Justiça:
“Tribunal do júri (plenitude de defesa). Tréplica (inovação). Contraditório/ampla defesa (antinomia de princípios). Solução (liberdade). Vem o júri pautado pela plenitude de defesa (Constituição, art. 5º, XXXVIII e LV). É-lhe, pois, lícito ouvir, na tréplica, tese diversa da que a defesa vem sustentando. Havendo, em casos tais, CONFLITO entre o contraditório (pode o acusador replicar, a defesa, treplicar sem inovações) e a amplitude de defesa, o conflito, se existente, resolve-se a FAVOR DA DEFESA — privilegia-se a liberdade (entre outros, HC 42.914, de 2005, e HC 44.165, de 2007). Habeas corpus deferido” (STJ — HC 61.615/MS — 6ª Turma — Rel. p/ acórdão Min. Nilson Naves — DJe 09.03.2009).
Essa mesma corte, porém,
em julgado mais antigo, já decidiu em sentido contrário: “É
incabível a inovação de tese defensiva, na fase de tréplica, não
ventilada antes em nenhuma fase do processo, sob pena de violação
ao princípio do contraditório” (STJ — REsp 65.379/PR — 5ª
Turma — Rel. Min. Gilson Dipp — 13.05.2002 — p. 218).
Fonte: Direito
processual penal esquematizado. AlexandreCebrian Araújo Reis e Victor
Eduardo Rios Gonçalves; coordenador Pedro Lenza. – São Paulo: Saraiva,
2015.
quarta-feira, 13 de abril de 2016
Inquirição de testemunhas pelo Magistrado e ausência de nulidade: princípio da verdade real e do impulso oficial à luz da exigência da complementariedade
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS PELO MAGISTRADO E AUSÊNCIA DO MP NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO.
Não gera nulidade do processo
o fato de, em audiência de instrução, o magistrado, após o registro
da ausência do representante do MP (que, mesmo intimado, não
compareceu), COMPLEMENTAR a inquirição das testemunhas realizada
pela defesa, sem que o defensor tenha se insurgido no momento
oportuno nem demonstrado efetivo prejuízo.
Destaca-se,
inicialmente, que a AUSÊNCIA do representante do Ministério Público
ao ato, se prejuízo acarretasse, seria ao próprio órgão acusatório,
jamais à defesa, e, portanto, não poderia ser por esta invocado,
porquanto, segundo o que dispõe o art. 565 do CPP, "Nenhuma das
partes poderá arguir nulidade [...] referente a formalidade cuja
observância só à parte contrária interesse".
De mais a mais, as
modificações introduzidas pela Lei n. 11.690/2008 ao art. 212 do CPP
não retiraram do juiz a possibilidade de formular perguntas às
testemunhas, a fim de complementar a inquirição, na medida em que a
própria legislação adjetiva lhe incumbe do dever de se aproximar o
máximo possível da realidade dos fatos (princípio da VERDADE REAL e
do IMPULSO OFICIAL), o que afasta o argumento de violação ao sistema ACUSATÓRIO.
Na hipótese em análise, a oitiva das testemunhas pelo
magistrado, de fato, obedeceu à exigência de complementaridade, nos
termos do que determina o art. 212 do CPP, pois SOMENTE ocorreu após
ter sido registrada a ausência do Parquet e dada a palavra
à defesa para a realização de seus questionamentos.
Vale ressaltar,
ainda, que a jurisprudência do STJ se posiciona no sentido de que
eventual INOBSERVÂNCIA ao disposto no art. 212 do CPP gera nulidade
meramente RELATIVA, sendo necessário, para seu reconhecimento, a
alegação no momento oportuno e a comprovação do efetivo PREJUÍZO (HC
186.397-SP, Quinta Turma, DJe 28/6/2011; e HC 268.858-RS, Quinta
Turma, DJe 3/9/2013). Precedentes citados: AgRg no REsp
1.491.961-RS, Quinta Turma, DJe 14/9/2015; e HC 312.668-RS, Quinta
Turma, DJe 7/5/2015.
REsp 1.348.978-SC, Rel. Min. Rogerio
Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min. Nefi Cordeiro, j. em
17/12/2015.
segunda-feira, 28 de março de 2016
Reiteração criminosa no crime de descaminho e princípio da insignificância
Caros amigos, segue julgado bem precioso sobre a aplicação da insignificância, fazendo alusão à não adoção do direito penal do autor; ao fomento à justiça privada, à teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos, ao eventual desvirtuamento da teoria da insignificância em sua gênese, elementos subjetivos que revelem o merecimento do réu; à adaptação de teorias à realidade e à aplicação casuística pelo Magistrado.
Este é exatamente meu entendimento acerca do tema, prima-se pelo bom senso e pela razoabilidade:
DIREITO PENAL. REITERAÇÃO CRIMINOSA NO CRIME DE DESCAMINHO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
A reiteração criminosa
inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância nos crimes
de descaminho, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, as
instâncias ordinárias verificarem que a medida é socialmente
recomendável.
Destaca-se, inicialmente, que não há consenso
sobre a possibilidade ou não de incidência do princípio da
insignificância nos casos em que fica demonstrada a reiteração
delitiva no crime de descaminho. Para a Sexta Turma deste Tribunal
Superior, o passado delitivo do agente não impede a aplicação da
benesse. Já para a Quinta Turma, as condições pessoais negativas do
autor inviabilizam o benefício.
De fato, uma conduta formalmente
típica, mas materialmente insignificante, mostra-se deveras
temerária para o ordenamento jurídico acaso não se analise o
contexto pessoal do agente. Isso porque se estaria instigando a
multiplicação de pequenos crimes, os quais se tornariam inatingíveis
pelo ordenamento penal.
Nesse sentido, o Plenário do STF, quando do
julgamento dos HC 123.734-MG (DJe 2/2/2016), HC 123.533-SP (DJe
8/8/2014) e HC 123.108-MG (DJe 1º/2/2016), a despeito de ter exarado
que a aplicação do princípio da insignificância "deve ser analisada
caso a caso pelo juiz de primeira instância, e que a Corte não deve
fixar tese sobre o tema", acabou por traçar orientação no viés de
que a vida pregressa do agente pode e deve ser efetivamente
considerada ao se analisar a possibilidade de incidência do preceito
da insignificância.
Ressaltou-se, no mencionado julgamento, que
adotar indiscriminadamente o princípio da insignificância, na
hipótese em que há qualificação ou reincidência, seria tornar a
conduta penalmente lícita e também imune a qualquer espécie de
repressão estatal. Além disso, na mesma ocasião, salientou-se que a
imunização da conduta do agente, ainda que a pretexto de protegê-lo,
pode deixá-lo exposto à situação de justiça privada, na medida em
que a inação do Estado pode fomentar a sociedade a realizar "justiça
com as próprias mãos", com consequências imprevisíveis e
provavelmente mais graves.
Concluiu-se, assim, que: "o Judiciário
não pode, com sua inação, abrir espaço para quem o socorra. É
justamente em situações como esta que se deve privilegiar o papel do
juiz da causa, a quem cabe avaliar em cada caso concreto a
aplicação, em dosagem adequada, seja do princípio da
insignificância, seja do princípio constitucional da
individualização da pena".
Portanto, entende-se que, para aplicação
do princípio da insignificância no crime de descaminho, além de ser
analisado o tributo iludido e os vetores - (a) mínima ofensividade
da conduta do agente; (b) nenhuma periculosidade social da ação; (c)
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d)
inexpressividade da lesão jurídica provocada -, deve ser examinada a
vida pregressa do agente.
Note-se que a incidência do princípio da
insignificância nos casos de reiteração do crime de descaminho
estaria legitimando a conduta criminosa, a qual acabaria por se
tornar, em verdade, lícita. Ora, bastaria, por exemplo, que o agente
fizesse o transporte das mercadorias de forma segmentada.
Logo, a
reiteração delitiva deve efetivamente ser sopesada de forma negativa
para o agente. Esclareça-se que, ao somar um requisito de ordem
subjetiva ao exame acerca da incidência do princípio da
insignificância, não se está desconsiderando a necessidade de
análise caso a caso pelo juiz de primeira instância.
Antes, se está
afirmando ser imprescindível o efetivo exame das circunstâncias
objetivas e subjetivas do caso concreto, porquanto, de plano, aquele
que reitera e reincide não faz jus a benesses jurídicas. Dessa
forma, ante a ausência de previsão legal do princípio da
insignificância, deve-se entender que não há vedação à sua aplicação
ao reincidente, o que não significa, entretanto, que referida
circunstância deva ser desconsiderada.
A propósito, ressalta-se a
teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros
distintos, a qual considera que "a contumácia de infrações penais
que não têm o patrimônio como bem jurídico tutelado pela norma penal
(a exemplo da lesão corporal) não poderia ser valorada como fator
impeditivo à aplicação do princípio da insignificância, porque
ausente a séria lesão à propriedade alheia" (STF, HC 114.723-MG,
Segunda Turma, DJe 12/11/2014).
Destaca-se, ainda, que apenas as
instâncias ordinárias, que se encontram mais próximas da situação
que concretamente se apresenta ao Judiciário, têm condições de
realizar o exame do caso concreto, por meio da valoração fática e
probatória a qual, na maioria das vezes, possui cunho subjetivo,
impregnada pelo livre convencimento motivado. Por fim, não se
desconhece a estrutura objetiva do princípio da insignificância.
No
entanto, preconiza-se a ampliação de sua análise para se incorporar
elementos subjetivos que revelem o merecimento do réu. Isso não
guarda relação com o direito penal do autor, mas antes com todo o
ordenamento jurídico penal, o qual remete à análise de mencionadas
particularidades para reconhecer o crime privilegiado, fixar a
pena-base, escolher o regime de cumprimento da pena, entre outros.
Nesse contexto, ainda que haja um eventual desvirtuamento da teoria
da insignificância em sua gênese, faz-se isso com o intuito de
assegurar a coerência do ordenamento jurídico pátrio, tornando a
incidência do princípio da bagatela um verdadeiro
privilégio/benefício, que, portanto, deve ser merecido, não se
tratando da mera aplicação de uma teoria, haja vista, não raras
vezes, ser necessária a adaptação de teorias à nossa realidade.
Precedentes citados do STF: HC 120.662-RS, Segunda Turma, DJe
21/8/2014; HC 109.705-PR, Primeira Turma, DJe 28/5/2014.
EREsp 1.217.514-RS, Rel. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca, julgado em 9/12/2015.
Qualificadora do motivo torpe em relação ao mandante de homicídio mercenário
Segue interessante julgado, publicado no Inf 575 do STJ:
O reconhecimento da
qualificadora da "paga ou promessa de recompensa" (inciso I do § 2º
do art. 121) em relação ao executor do crime de homicídio mercenário NÃO qualifica AUTOMATICAMENTE o delito em relação ao mandante, nada
obstante este possa incidir no referido dispositivo caso o motivo
que o tenha levado a empreitar o óbito alheio seja torpe.
De fato, no homicídio qualificado pelo motivo torpe
consistente na paga ou na promessa de recompensa (art. 121, § 2º, I,
do CP) - conhecido como homicídio mercenário - há concurso de
agentes necessário, na medida em que, de um lado, tem-se a figura do
mandante, aquele que oferece a recompensa, e, de outro, há a figura
do executor do delito, aquele que aceita a promessa de recompensa.
É
bem verdade que NEM SEMPRE a motivação do mandante será abjeta,
desprezível ou repugnante, como ocorre, por exemplo, nos homicídios
privilegiados, em que o mandante, por relevante valor moral,
contrata pistoleiro para matar o estuprador de sua filha.
Nesses
casos, a circunstância prevista no art. 121, § 2º, I, do CP não será
transmitida, por óbvio, ao mandante, em razão da INCOMPATIBILIDADE da qualificadora do motivo torpe com o crime privilegiado, de modo
que apenas o executor do delito (que recebeu a paga ou a promessa de
recompensa) responde pela qualificadora do motivo torpe.
Entretanto,
apesar de a "paga ou promessa de recompensa" (art. 121, § 2º, I, do
CP) não ser elementar, mas sim circunstância de CARÁTER PESSOAL do
delito de homicídio, sendo, portanto, incomunicável automaticamente
a coautores do homicídio, conforme o art. 30 do CP (REsp 467.810-SP,
Quinta Turma, DJ 19/12/2003), poderá o mandante responder por
homicídio qualificado pelo motivo torpe caso o motivo que o tenha
levado a empreitar o óbito alheio seja abjeto, desprezível ou
repugnante.
REsp 1.209.852-PR, Rel. Min. Rogerio
Schietti Cruz, julgado em 15/12/2015, DJe
2/2/2016.
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