Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Resolução do Senando suspende a eficácia do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. Não há mais vedação às penas restritivas de direito para o tráfico de drogas privilegiado


Um dos grandes debates do direito penal nos últimos anos foi o seguinte:

É possível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito no delito de tráfico de drogas quando incidir a causa de diminuição do § 4o do art. 33 da Lei 11.343/2006? Em outras palavras, cabe pena restritiva de direitos no chamado "tráfico privilegiado"?
O que dizia a Lei de Drogas (Lei n.° 11.343/2006):

Art. 33. (...)

§ 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Desse modo, a Lei de Drogas expressamente vedava a conversão de pena privativa de liberdade aplicada ao "tráfico privilegiado" por restritivas de direitos.
O que os Tribunais Superiores pensavam sobre o tema?

O Pleno do STF, no julgamento do Habeas Corpus 97.256, decidiu que a expressão “vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos” contida tanto no § 4º do art. 33 como no art. 44 da Lei n.° 11.343/2006 era inconstitucional:
EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.

2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória.

3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero.

4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes.

5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.   (HC 97256, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2010)
Com base nesta decisão da Corte Suprema, o STJ também passou a permitir a substituição de penas privativas de liberdade em restritivas de direito para os crimes da Lei de Drogas.
Foi então que o Senado Federal, no dia de ontem, publicou a Resolução n.° 5, de 2012 suspendendo, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, a execução de parte do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.



Desse modo, desde o dia 16/02/2012, a parte final do § 4º do art. 33  da Lei n.° 11.343/2006 não mais existe no mundo jurídico, ou seja, o referido artigo deverá ser agora lido assim:

Art. 33. (...)

§ 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Em suma, não mais existe, na legislação brasileira,  vedação para que o juiz, ao condenar o réu pelo  "tráfico privilegiado"  (art. 33, com a redução do § 4º da Lei de Drogas), substitua a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
Entenda um pouco mais sobre esta Resolução do Senado nos casos do art. 52, X da CF.
No Brasil, o sistema jurisdicional brasileiro de controle de constitucionalidade é o misto ou combinado. Desse modo, adota-se tanto o controle de constitucionalidade difuso como o concentrado.
Controle concentrado
Controle difuso
Realizado pelo STF, de forma abstrata, nas hipóteses em que lei ou ato normativo violar a CF/88. Também pode ser realizado pelos Tribunais de Justiça no caso de violação à CE.
Realizado por qualquer juiz ou Tribunal, em um caso concreto.
Efeitos (regra geral):
  • Ex tunc
  • Erga omnes
  • Vinculante
Efeitos (regra geral):
  • Ex tunc
  • Inter partes
  • Não vinculante
Declarada inconstitucional a lei pelo STF, no controle difuso, desde que tal decisão seja definitiva e tenha sido tomada pela maioria absoluta do pleno do Tribunal, deverá o Presidente do STF enviar um ofício ao Presidente do Senado comunicando a decisão proferida para que aquela Casa decida se irá aplicar o art. 52, X, da CF/88:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: 
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
O Senado é obrigado a suspender a execução da lei?
A maioria da doutrina entende que o Senado Federal, ao receber a comunicação, NÃO está obrigado a suspender a execução da lei declarada inconstitucional, sendo uma hipótese de discricionariedade política.

Por que o inciso X do art. 52 da CF/88 fala em suspender "no todo ou em parte"?
Porque o Senado Federal pode decidir suspender apenas parte das normas declaradas inconstitucionais pelo STF. 
Exemplo concreto: no julgamento do HC 97256, o STF declarou inconstitucionais tanto o § 4º do art. 33 como o art. 44 da Lei 11.343/2006. O Senado, contudo, decidiu suspender a eficácia apenas do § 4º do art. 33, não suspendendo o art. 44 da Lei de Drogas.
Desse modo, neste caso aqui examinado, o Senado suspendeu, em parte, as normas declaradas inconstitucionais pelo STF.

Quais os efeitos da Resolução do Senado?
A Resolução do Senado produz efeitos:
  • Erga omnes (para todos).
  • Ex nunc (não retroativo).

Desse modo, no caso da Resolução n.° 05/2012 acima comentada, a partir de ontem, a decisão do STF no HC n.° 97.256 declarando inconstitucional a expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33  da Lei n.° 11.343/2006 vale para todos.
Fonte: Dizer o Direito, em 17 de fevereiro de 2012.

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