Caros amigos, segue julgado bem precioso sobre a aplicação da insignificância, fazendo alusão à não adoção do direito penal do autor; ao fomento à justiça privada, à teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos, ao eventual desvirtuamento da teoria da insignificância em sua gênese, elementos subjetivos que revelem o merecimento do réu; à adaptação de teorias à realidade e à aplicação casuística pelo Magistrado.
Este é exatamente meu entendimento acerca do tema, prima-se pelo bom senso e pela razoabilidade:
DIREITO PENAL. REITERAÇÃO CRIMINOSA NO CRIME DE DESCAMINHO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
A reiteração criminosa
inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância nos crimes
de descaminho, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, as
instâncias ordinárias verificarem que a medida é socialmente
recomendável.
Destaca-se, inicialmente, que não há consenso
sobre a possibilidade ou não de incidência do princípio da
insignificância nos casos em que fica demonstrada a reiteração
delitiva no crime de descaminho. Para a Sexta Turma deste Tribunal
Superior, o passado delitivo do agente não impede a aplicação da
benesse. Já para a Quinta Turma, as condições pessoais negativas do
autor inviabilizam o benefício.
De fato, uma conduta formalmente
típica, mas materialmente insignificante, mostra-se deveras
temerária para o ordenamento jurídico acaso não se analise o
contexto pessoal do agente. Isso porque se estaria instigando a
multiplicação de pequenos crimes, os quais se tornariam inatingíveis
pelo ordenamento penal.
Nesse sentido, o Plenário do STF, quando do
julgamento dos HC 123.734-MG (DJe 2/2/2016), HC 123.533-SP (DJe
8/8/2014) e HC 123.108-MG (DJe 1º/2/2016), a despeito de ter exarado
que a aplicação do princípio da insignificância "deve ser analisada
caso a caso pelo juiz de primeira instância, e que a Corte não deve
fixar tese sobre o tema", acabou por traçar orientação no viés de
que a vida pregressa do agente pode e deve ser efetivamente
considerada ao se analisar a possibilidade de incidência do preceito
da insignificância.
Ressaltou-se, no mencionado julgamento, que
adotar indiscriminadamente o princípio da insignificância, na
hipótese em que há qualificação ou reincidência, seria tornar a
conduta penalmente lícita e também imune a qualquer espécie de
repressão estatal. Além disso, na mesma ocasião, salientou-se que a
imunização da conduta do agente, ainda que a pretexto de protegê-lo,
pode deixá-lo exposto à situação de justiça privada, na medida em
que a inação do Estado pode fomentar a sociedade a realizar "justiça
com as próprias mãos", com consequências imprevisíveis e
provavelmente mais graves.
Concluiu-se, assim, que: "o Judiciário
não pode, com sua inação, abrir espaço para quem o socorra. É
justamente em situações como esta que se deve privilegiar o papel do
juiz da causa, a quem cabe avaliar em cada caso concreto a
aplicação, em dosagem adequada, seja do princípio da
insignificância, seja do princípio constitucional da
individualização da pena".
Portanto, entende-se que, para aplicação
do princípio da insignificância no crime de descaminho, além de ser
analisado o tributo iludido e os vetores - (a) mínima ofensividade
da conduta do agente; (b) nenhuma periculosidade social da ação; (c)
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d)
inexpressividade da lesão jurídica provocada -, deve ser examinada a
vida pregressa do agente.
Note-se que a incidência do princípio da
insignificância nos casos de reiteração do crime de descaminho
estaria legitimando a conduta criminosa, a qual acabaria por se
tornar, em verdade, lícita. Ora, bastaria, por exemplo, que o agente
fizesse o transporte das mercadorias de forma segmentada.
Logo, a
reiteração delitiva deve efetivamente ser sopesada de forma negativa
para o agente. Esclareça-se que, ao somar um requisito de ordem
subjetiva ao exame acerca da incidência do princípio da
insignificância, não se está desconsiderando a necessidade de
análise caso a caso pelo juiz de primeira instância.
Antes, se está
afirmando ser imprescindível o efetivo exame das circunstâncias
objetivas e subjetivas do caso concreto, porquanto, de plano, aquele
que reitera e reincide não faz jus a benesses jurídicas. Dessa
forma, ante a ausência de previsão legal do princípio da
insignificância, deve-se entender que não há vedação à sua aplicação
ao reincidente, o que não significa, entretanto, que referida
circunstância deva ser desconsiderada.
A propósito, ressalta-se a
teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros
distintos, a qual considera que "a contumácia de infrações penais
que não têm o patrimônio como bem jurídico tutelado pela norma penal
(a exemplo da lesão corporal) não poderia ser valorada como fator
impeditivo à aplicação do princípio da insignificância, porque
ausente a séria lesão à propriedade alheia" (STF, HC 114.723-MG,
Segunda Turma, DJe 12/11/2014).
Destaca-se, ainda, que apenas as
instâncias ordinárias, que se encontram mais próximas da situação
que concretamente se apresenta ao Judiciário, têm condições de
realizar o exame do caso concreto, por meio da valoração fática e
probatória a qual, na maioria das vezes, possui cunho subjetivo,
impregnada pelo livre convencimento motivado. Por fim, não se
desconhece a estrutura objetiva do princípio da insignificância.
No
entanto, preconiza-se a ampliação de sua análise para se incorporar
elementos subjetivos que revelem o merecimento do réu. Isso não
guarda relação com o direito penal do autor, mas antes com todo o
ordenamento jurídico penal, o qual remete à análise de mencionadas
particularidades para reconhecer o crime privilegiado, fixar a
pena-base, escolher o regime de cumprimento da pena, entre outros.
Nesse contexto, ainda que haja um eventual desvirtuamento da teoria
da insignificância em sua gênese, faz-se isso com o intuito de
assegurar a coerência do ordenamento jurídico pátrio, tornando a
incidência do princípio da bagatela um verdadeiro
privilégio/benefício, que, portanto, deve ser merecido, não se
tratando da mera aplicação de uma teoria, haja vista, não raras
vezes, ser necessária a adaptação de teorias à nossa realidade.
Precedentes citados do STF: HC 120.662-RS, Segunda Turma, DJe
21/8/2014; HC 109.705-PR, Primeira Turma, DJe 28/5/2014.