Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

sábado, 5 de maio de 2012

Palestra sobre tráfico de drogas em Cuiabá/MT

Aos colegas que assistiram a minha palestra na Escola Superior da Advocacia (ESA/MT), segue os principais tópicos analisados:

1. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. Diferença com o crime de contrabando (art.334 do CP - Importar ou exportar “mercadoria proibida”);
2. TRÁFICO COMO DELITO PROPULSOR. Delito propulsor. Furtos em continuidade delitiva. Homicídio qualificado por conexão consequencial ou teleológica. Roubos circunstanciados. Tráfico de armas. Lavagem de dinheiro. Organização criminosa;
3. NÃO HÁ FLAGRANTE PREPARADO (Súmula 145 do STF), em virtude dos 18 núcleos do tipo. A polícia, geralmente, se utiliza de um viciado para a compra da droga, e prende o traficante em flagrante. Diferente de provas plotadas, em que há denunciação caluniosa (particular – art.339 do CP) ou abuso de autoridade (funcionário público – art.4º da Lei 4.898/65). Portanto, há válido flagrante esperado. Insta analisar, neste aspecto, a teoria da serendipidade (encontro fortuito de provas), sobretudo, quando há interceptação telefônica. Caso do policial exigindo 5 mil reais de um traficante para não efetuar a prisão, foram encontradas 12 kg de maconha em seu carro, sendo que o GAECO investigava apenas a concussão;
4. NORMA PENAL EM BRANCO, FATO ATÍPICO E DUPLA TIPICIDADE. A lei de drogas é uma norma penal em branco heterogênea, visto ser complementada pela Portaria nº 344/SVS da ANVISA, de natureza administrativa. Algumas substâncias não estão previstas, tais como tolueno (cola de sapateiro). Pode fazer o agente responder pelo art.243 do ECA (substância que causa dependência física ou psíquica). Se o agente traz substância não proibida, de outro país, por exemplo, lança perfume (Argentina) não pode ser responsabilizado pelo tráfico internacional;
5. DISTINÇÃO ENTRE USUÁRIO E TRAFICANTE E CONSTITUCIONALIDADE DO ART.28 DA LEI. O STF vai analisar a constitucionalidade do art.28 da Lei de Drogas (a droga estimula a prática de toda a sorte de infrações penais). Distinção entre traficante e usuário ocorre pelo art.28, § 2º da Lei de Drogas. Não pode haver um critério puramente aritmético, como se o direito fosse uma ciência exata e as pessoas, fantoches. A quantidade da droga não é o único indicativo para se concluir se houve ou não o tráfico (art.28, § 2º da Lei). Por exemplo: 13 pedras de crack ou comprimidos de ecstasy. Natureza jurídica do artigo: despenalização, segundo o STF. Condição de usuário obviamente não exclui o tráfico (art.48, § 1º da Lei). Poderá, em última análise, apenas influenciar na imputabilidade do agente (art.45 da Lei);
6. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA EM CRIME DE USO DE DROGA. Aplicação da insignificância em crime de uso de drogas em ambientes da Administração Militar choca com os princípios da disciplina e hierarquia das forças armadas. Mínima ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente e inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado (requisitos exigidos para aplicação do princípio);
7. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E VEDAÇÃO DE ANALOGIA IN MALAN PARTEM. A tipificação da associação (não representa o tráfico em si, mas apenas a finalidade de realiza-lo), além de não ser equiparada a hediondo, não exclui a prática do art.33, ou seja, eles são cumulativos. Há discussão sobre eventual “bis in idem”. A lista dos crimes hediondos é exaustiva e não cabe analogia in malam partem. O tráfico privilegiado é crime hediondo. A expressão “reiteradamente ou não” refere-se à prática dos crimes, mas a associação deve ser com ânimo definitivo e permanente;
8. POSSIBILIDADE DE PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO. É perfeitamente admissível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, bem como a concessão de liberdade provisória. Resolução nº 05 do Senado suspendendo a parte final do art.33, § 4º da Lei, mais precisamente a expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, dando eficácia erga omnes a uma declaração de inconstitucionalidade (incidenter tantum) por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº 97.256/RS, rel. Min. Ayres Britto, j. em 18.3.2010. Isso se chama abstrativização do controle difuso de constitucionalidade. Logo, os agentes incursos no art. 33, §4º, poderão ter suas penas privativas de liberdade substituídas por restritivas de direitos (desde que observados os requisitos do art.44 do Código Penal). “O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado”;
9. CONDUTA DO FOGUETEIRO E PRINCÍPIO DA READEQUAÇÃO NORMATIVO-TÍPICA. Fogueteiro do tráfico é conduta típica, de informante (art.37 da Lei), houve readequação normativo-típica (HC 106.155/RJ, rel. Min. Luiz Fux), Se for para o tráfico e não para um traficante em específico, haverá associação para o tráfico. Assim como ocorre na conduta do informante. Existem exceções pluralísticas à teoria monista no concurso de pessoas;
10. EXIGÊNCIA DE LAUDO DEFINITIVO PARA CONDENAÇÃO. Laudo provisório (feito na hora - princípio ativo da droga – o promotor pode oferecer a denúncia) é necessário para a lavratura do auto de prisão em flagrante e não se confunde com o laudo definitivo (art.50, §§ 1º e 2º). Entendimento inédito da 1ª Turma do STF de que a apresentação do laudo toxicológico definitivo mesmo após a condenação não causa nulidade, sendo necessário demonstrar o prejuízo (RHC 110.429/MG, rel. Luiz Fux, j.6.3.2012). Vale ressaltar que o STF possui entendimento tranquilo de que a juntada do laudo toxicológico após as alegações finais não causa nulidade;
11. PECULIARIEDADE DO RITO E MOMENTO DO INTERROGATÓRIO DO ACUSADO. Rito da lei, que oportuniza a defesa preliminar antes do recebimento da denúncia. Exigem defesa preliminar também: funcionais afiançáveis, competência originária e JECrim. Outra peculiaridade desse rito é o momento do interrogatório do acusado, que de acordo com o polêmico art.57, é o primeiro ato da instrução (STJ, HC 180.033, de 2012). O STF é firme no sentido de que, havendo crimes conexos ao tráfico de drogas, a adoção do procedimento comum não implica nulidade, pois ele assegura ao acusado o mais amplo espectro de garantias processuais penais (STF, HC 102.430/SP, rel. Ayres Britto);
12. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE E AS INOVAÇÕES DA NOVA LEI DE MEDIDAS CAUTELARES. A disposição do art.59 da lei de drogas está superada há muito tempo, em síntese, o juiz tem de fundamentar os aspectos fático, jurídico e da necessidade, sobretudo com a entrada em vigor da Nova Lei de Medidas Cautelares (Lei 12.403/2011), prisão cautelar só quando necessária e adequada (extrema ratio da ultima ratio - art.282, § 6º do CPP);
13. CONFIGURAÇÃO DO TRÁFICO INTERESTADUAL E COMPETÊNCIA. A competência em regra é da Justiça Estadual, inclusive, em se tratando de tráfico interestadual. E, conforme o próprio STF, não há necessidade de se transpor fronteiras para a configuração do tráfico interestadual, conforme julgamento do HC 99.452/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 8.10.2010 (no caso concreto, o denunciado levaria a droga da cidade de Campo Grande/MS para Rondonópolis-MT). A Polícia Federal pode e deve investigar (repressão uniforme), ela tem atribuição. Não há qualquer vício, é uma questão de atribuição, até porque o IP é dispensável. Mesmo que houve mácula no Inquérito Policial, esse vício em regra não teria o condão de contaminar a ação penal. SE caracterizado o tráfico transnacional, a competência será da Justiça Federal (art.70 da Lei);

14. INTERROGATÓRIO COMO ÚLTIMO ATO DO PROCEDIMENTO. HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL E AMEAÇA (ARTIGOS 129, § 9º E 147 DO CÓDIGO PENAL). INTERROGATÓRIO DO PACIENTE, DETENTOR DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO, DESIGNADO COMO PRIMEIRO ATO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, NOS TERMOS DA LEI 8.038/1990. PLEITO DE APLICAÇÃO DO ARTIGO 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, QUE PREVÊ A INQUIRIÇÃO DO ACUSADO COMO ÚLTIMO ATO DA FASE INSTRUTÓRIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STF. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Ao julgar caso semelhante, este Relator se posicionou no sentido de que o artigo 400 da Legislação Processual Penal não pode ser adotado nas ações penais regidas pela Lei 8.038/1990, uma vez que as regras do rito comum ordinário só têm lugar no procedimento especial quando nele houver omissões ou lacunas (HC 121171/SP, QUINTA TURMA, julgado em 22/03/2011, REPDJe 01/09/2011, DJe 25/04/2011). 2. Contudo, ao apreciar o AgRg na Apn 528/DF, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, pela unanimidade dos eminentes Ministros presentes à sessão, entendeu que a previsão do interrogatório como último ato da instrução processual, por ser mais benéfica à defesa, deve ser aplicada às ações penais originárias, em detrimento do disposto no artigo 7º da Lei 8.038/1990. 3. Embora a aludida decisão seja desprovida de qualquer caráter vinculante, é certo que se trata de posicionamento adotado pela unanimidade dos integrantes da Suprema Corte, órgão que detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e, portanto, dizer em última instância quais situações são conformes ou não com as disposições colocadas na Carta Magna, motivo pelo qual o posicionamento até então adotado por este Superior Tribunal de Justiça deve ser revisto, para que passe a incorporar a interpretação constitucional dada ao caso pelo Excelso Pretório. 4. Ordem concedida, confirmando-se a medida liminar anteriormente deferida. (HC 205364/MG, Rel. Ministr JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 19/12/2011)
15. AFASTAMENTO DA SÚMULA 691 DO STF (conhecimento na hipótese de flagrante constrangimento ilegal), que diz: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal CONHECER de habeas corpus impetrado contra decisão de relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, INDEFERE A LIMINAR". Para aprofundar, leiam o artigo: "Afastamento hic et nunc da Súmula 691 do STF: supressão de instância?". A expressão "hic et nunc" quer dizer: aqui e agora, ou seja, imediatamente. Destarte, se estiver sendo negada a liberdade provisória ou as restritivas de direitos, por mero óbice legal, a aludida Súmula deve ser afastada e, por conseguinte, deferida a ordem de habeas corpus.

16. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. Habeas corpus. Processual Penal. Tráfico ilícito de entorpecentes. Alegação de caracterização da transnacionalidade do delito. Dilação probatória. Inadequação da via eleita. Prisão em flagrante mantida na sentença condenatória. Direito de apelar em liberdade. Fundamentação idônea. Precedentes. Writ denegado. 1. Compete à Justiça Federal o julgamento dos crimes de tráfico internacional de drogas. Entretanto, nem o simples fato de alguns corréus serem estrangeiros, nem  a eventual origem externa da droga, são motivos suficientes para o deslocamento da competência para a Justiça Federal (Habeas corpus 103.945, STJ). Assim, o crime de tráfico internacional de drogas, para fins de competência da Justiça Federal, é aquele que envolve mais de um país, pouco importando a nacionalidade do réu ou a origem da droga. A internacionalidade está no resultado, que necessariamente não precisa acontecer, bastando que, pelas circunstâncias, deduza-se que o agente queria transferir droga de um país para outro. É a chamada internacionalidade territorial do resultado. Portanto, para que o crime de tráfico internacional de drogas seja julgado pela Justiça Federal deve atender aos seguintes requisitos: a) Que o crime esteja previsto em Tratado ou Convenção Internacional e iniciada a execução no País e; b) internacionalidade territorial do resultado relativamente à conduta delituosa

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