Com a inovação legislativa, a prisão preventiva deve ser adotada em último caso, sempre que as demais medidas cautelares se mostrarem insuficientes ou inadequadas, conforme o artigo 282 do Código de Processo Penal, o que está absolutamente de acordo com o princípio da presunção de não-culpabilidade.
Prisão preventiva convertida
Essa modalidade de prisão preventiva é determinada pela Autoridade Judiciária competente no momento da análise do auto de prisão em flagrante delito.
Como é cediço, a prisão em flagrante possui natureza pré-cautelar, uma vez que ela tem a função de colocar o autor de um crime à disposição do Juiz para que ele decida sobre a necessidade de se adotar uma medida cautelar, que pode, inclusive, ser a prisão preventiva.
Nesse diapasão, Aury Lopes Jr. ensina que a prisão em flagrante “não é uma medida cautelar pessoal, mas sim pré-cautelar, no sentido de que não se dirige a garantir o resultado final do processo, mas apenas destina-se a colocar o detido à disposição do juiz para que adote ou não uma verdadeira medida cautelar.”[1]
A prisão em flagrante não tem natureza cautelar, haja vista que estas medidas exigem a característica da jurisdicionalidade, o que não se pode vislumbrar no auto de prisão em flagrante, que é de atribuição do Delegado de Polícia.
Por isso, defendemos que a posição da prisão em flagrante dentro do Código de Processo Penal deveria ser na parte que trata do Inquérito Policial, como uma das formas de instauração deste procedimento investigativo e não no capítulo referente às medidas cautelares.
Deve-se destacar, entretanto, que esse entendimento não é pacífico na doutrina. José Frederico Marques, por exemplo, entende que a prisão cautelar se divide em duas espécies: prisão penal cautelar administrativa e prisão penal cautelar processual, de acordo com a autoridade que a decreta. O autor ensina que a prisão cautelar administrativa é decretada na fase pré-processual, pela Autoridade Policial, no momento em que uma pessoa é detida em situação de flagrante delito. Já a prisão cautelar processual é aquela decretada pelo Juiz com o objetivo tutelar os meios e os fins do processo penal de conhecimento.[2]
Seja como for, após receber o auto de prisão em flagrante no prazo de 24 horas e verificar a sua legalidade, o Magistrado deve analisar se estão presentes os requisitos da prisão preventiva (artigo 312 – periculum in libertatis). Caso não seja adequada ou suficiente a adoção de outras medidas cautelares, ele deve converter o flagrante em prisão preventiva.
Salientamos que essa espécie de prisão preventiva não configura uma exceção à regra de que o Juiz não pode decretar essa cautelar de ofício durante a fase pré-processual.
Entendemos que nessa modalidade de prisão preventiva, o auto de prisão em flagrante funciona como uma espécie de representação da Autoridade Policial. Diferentemente do Ministério Publico, por exemplo, que requer a prisão preventiva, o Delegado de Polícia “representa” pela decretação da medida. Esta representação objetiva, justamente, levar ao conhecimento do Juiz os fatos que fundamentam a adoção desta extrema ratio.
Sendo assim, pode-se afirmar que o auto de prisão em flagrante possui a mesma função, servindo para dar ciência ao Magistrado sobre os fatos criminosos ocorridos, que, eventualmente, exigem a decretação da prisão preventiva.
Por tudo isso, concluímos que, ao converter o flagrante em prisão preventiva, o Juiz não age de ofício, uma vez que esta sendo provocado a se manifestar por meio do auto de prisão em flagrante, que como uma medida pré-cautelar, expõe o preso e as circunstâncias de sua prisão, à análise do Poder Judiciário, para que este órgão decida sobre a necessidade da medida a ser adotada.
O mesmo raciocínio pode ser utilizado com relação à concessão de fiança pelo Juiz. Nunca foi questionado o fato de que o magistrado age de ofício ao conceder a fiança no momento da análise do auto de prisão em flagrante. Lembramos que a fiança também é uma medida cautelar e, sendo assim, impossível sua concessão de ofício durante a fase de investigações.
Contudo, ao ser provocado pelo auto de prisão em flagrante, que leva ao conhecimento do Juiz um fato típico e suas circunstâncias, ele pode perfeitamente conceder a fiança sem que se desrespeite o sistema acusatório e o princípio da imparcialidade.
Outro ponto que merece destaque, é o fato de que nesta modalidade de prisão preventiva (convertida), não é necessária a presença das condições previstas no artigo 313, do CPP. Assim, o flagrante pode ser convertido em prisão preventiva independentemente da pena máxima cominada ao crime, haja vista que o artigo 310, II, do CPP só determina a observância dos fundamentos previstos no artigo 312 (periculum in libertatis – garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal e garantia da aplicação da lei penal).
Nesse sentido é a lição de Fernando Capez: “Entendemos que, mesmo fora do rol dos crimes que autorizam a prisão preventiva, o juiz poderá converter o flagrante em prisão preventiva, desde que presente um dos motivos previstos na lei: (1) necessidade de garantir a ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal insuficiência de qualquer outra medida cautelar para garantia do processo. É que a lei, ao tratar da conversão do flagrante em preventiva não menciona que o delito deva ter pena máxima superior a 04 anos, nem se refere a qualquer outra exigência prevista no artigo 313 do CPP. Conforme se denota da redação do artigo 310, inciso II, do Código de Processo Penal, para que a prisão em flagrante seja convertida em preventiva, basta a demonstração da presença de um dos requisitos ensejadores do periculum in mora (CPP, artigo 312), bem como a insuficiência de qualquer outra providência acautelatória prevista no artigo 319. Não se exige esteja o crime no rol daqueles que permitem tal prisão.”[3]
Prisão preventiva autônoma ou independente
Essa espécie de prisão preventiva pode ser decretada pelo juiz em qualquer momento da investigação ou do processo, desde que observados os pressupostos, os fundamentos e as condições de admissibilidade previstas no Código de Processo Penal.
São legitimados ativos para solicitar essa medida: o delegado de polícia, o Ministério Público e o ofendido durante a fase de investigações; já durante o processo, o Ministério Público, o assistente, o ofendido e o Juiz de ofício. Vale destacar que essa modalidade de prisão preventiva deve ser decretada em último caso, quando as outras medidas cautelares se mostrarem inadequadas ou insuficientes, independentemente do contraditório.
Prisão preventiva substitutiva ou subsidiária
Trata-se da prisão preventiva decretada em substituição às medidas cautelares adotadas anteriormente devido ao seu descumprimento. Entendemos que, nesse caso, a prisão preventiva pode ser decretada independentemente da pena máxima cominada ao crime, sob pena de não se mostrarem efetivas as cautelares diversas da prisão. Nessas hipóteses, em se tratando de crime doloso e punido com pena privativa de liberdade, será possível a decretação da prisão preventiva substitutiva ou subsidiária.
Para que não restem dúvidas, essa espécie de prisão preventiva tem a função de garantir a execução das medidas cautelares diversas da prisão e não se submete aos limites expostos no artigo 313, do CPP. Por fim, advertimos que essa medida poderá ser adotada pelo juiz de ofício, ou mediante requerimento do Ministério Público, do seu assistente ou do querelante.
Com relação ao Delegado de Polícia, nada impede que ele represente pela decretação da prisão preventiva em substituição à medida cautelar eventualmente descumprida. Caso contrário, perder-se-ia um grande guardião do fiel cumprimento das medidas impostas pelo Poder Judiciário, o que afetaria sobremaneira a eficácia das cautelares, pondo em risco a persecução penal e o próprio Estado Democrático de Direito. Ademais, se o Delegado de Polícia pode representar pela imposição de medida cautelar, não teria sentido a impossibilidade da representação pela prisão preventiva no caso do seu descumprimento, até porque esta também é uma medida cautelar.
Parece que a omissão da autoridade policial no texto legal foi apenas um lapso do legislador, que não teve a intenção de excluí-lo. Assim, com base numa interpretação sistemática da nova Lei 12.403, de 2011, pode-se afirmar que é absolutamente possível a representação pela prisão preventiva em substituição à medida cautelar descumprida.
Prisão preventiva para averiguação
Essa espécie de prisão preventiva pode ser adotada sempre que houver dúvida com relação à identidade civil de uma pessoa e esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo a prisão perdurar até que a pessoa seja identificada. Parece que com essa inovação legislativa a lei de prisão temporária foi revogada parcialmente.
Vemos com bons olhos essa modalidade prisional. No dia a dia de uma Delegacia de Polícia, por incrível que pareça, é corriqueira a apresentação de indivíduos não identificados. Tais indivíduos, na maioria das vezes já cometeram outros crimes e são foragidos da justiça. Por isso, esses criminosos se valem do anonimato para tentar ludibriar as autoridades e permanecer em liberdade.
Diante desse quadro, a Autoridade de Polícia Judiciária não pode ficar à mercê desse expediente enganoso, correndo o risco de liberar um criminoso procurado pela prática de diversos crimes. Assim, sempre que não for possível a identificação civil de uma pessoa ou ela não fornecer elementos suficientes para o seu esclarecimento, mister a decretação da prisão preventiva para assegurar a aplicação de lei penal ou por conveniência da instrução criminal.
Vale lembrar que, caso seja possível a identificação do conduzido por meio da identificação criminal (processo datiloscópico e fotografia) ou por diligências policiais, desnecessária a decretação dessa medida cautelar.
Outra questão que merece destaque nesse ponto, é a possibilidade de o conduzido não fornecer elementos para sua identificação civil alegando estar resguardado pelo direito de não produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere). Sem embargo das opiniões em sentido contrário, entendemos que esse direito não abarca o direito de falsear a verdade com relação a sua identificação, sendo que essa conduta, inclusive, caracteriza o delito previsto no artigo 307 do Código Penal (falsa identidade) ou a contravenção penal prevista no artigo 68, da Lei de Contravenções Penais (recusa de dados sobre a própria identidade ou qualificação), conforme o caso.
Nesse ponto, salientamos que para que a prisão preventiva para averiguação seja decretada, é necessário que o sujeito passivo da medida esteja envolvido na prática de alguma infração penal. Desse modo, a pessoa levada ao plantão de polícia judiciária por falta de identificação, mas sem envolvimento em qualquer ilícito, não poderá ser submetida a esta modalidade prisional, haja vista que a Lei 12.403/2011 exige a existência de Inquérito Policial ou ação penal, além da prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.
Por tudo que foi dito, sempre que houver dúvida com relação à identidade civil de uma pessoa envolvida em algum tipo de crime, não sendo possível sua identificação por outros meios, cabe ao Delegado de Polícia fazer uso de sua capacidade postulatória e representar pela prisão preventiva do conduzido, sendo que a restrição da liberdade irá perdurar apenas pelo tempo necessário a sua identificação.
Bibliografia
CAPEZ, Fernando. Lei 12.403 e as polêmicas prisões provisórias. Disponível em www.conjur.com.br
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade com a Constituição. 3ª edição. Editora Lúmen Júris, 2008
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª edição: Millennium, 2000
[1] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade com a Constituição.pág.63.
[2] MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal.pág.25.
[3] CAPEZ, Fernando. Lei 12.403 e as polêmicas prisões provisórias. Disponível em www.conjur.com.br
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