Por maioria, os ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) decidiram que desacatar funcionário público no
exercício da função ou em razão dela continua a ser crime, conforme
previsto no artigo 331 do Código Penal.
Após uma decisão
da Quinta Turma de dezembro de 2016 pela descriminalização da conduta, o
colegiado afetou um habeas corpus para que a seção (que reúne as duas
turmas de direito penal do STJ) pacificasse definitivamente a questão.
Segundo o ministro Antonio Saldanha Palheiro, autor do voto vencedor,
a tipificação do desacato como crime é uma proteção adicional ao agente
público contra possíveis “ofensas sem limites”.
Para o magistrado, a figura penal do desacato não prejudica a
liberdade de expressão, pois não impede o cidadão de se manifestar,
“desde que o faça com civilidade e educação”.
O ministro destacou que a responsabilização penal por desacato existe
para inibir excessos e constitui uma salvaguarda para os agentes
públicos, expostos a todo tipo de ofensa no exercício de suas funções.
Sem benefícios
Com outros fundamentos, o ministro Rogerio Schietti Cruz acompanhou o
voto vencedor e disse que a exclusão do desacato como tipo penal não
traria benefício concreto para o julgamento dos casos de ofensas
dirigidas a agentes públicos.
Ele explicou que, com o fim do crime de desacato, as ofensas a
agentes públicos passariam a ser tratadas pelos tribunais como injúria,
crime para o qual a lei já prevê um acréscimo de pena quando a vítima é
servidor público.
Schietti lembrou que, apesar da posição da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos ser contrária à criminalização do desacato, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, órgão que efetivamente julga os
casos envolvendo indivíduos e estados, já deixou claro em mais de um
julgamento que o direito penal pode responder a eventuais excessos na
liberdade de expressão.
Acrescentou, por outro lado, que o Poder Judiciário brasileiro deve
continuar a repudiar reações arbitrárias eventualmente adotadas por
agentes públicos, punindo pelo crime de abuso de autoridade quem, no
exercício de sua função, reagir de modo autoritário a críticas e
opiniões que não constituam excesso intolerável do direito de livre
manifestação do pensamento.
Abuso de poder
O relator do caso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que ficou
vencido no julgamento, votou pela concessão do habeas corpus para
afastar a imputação penal por desacato. O magistrado destacou que o
Brasil assinou
em 1992 a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San
José) e que a tipificação do desacato como tipo penal seria contrária ao
pacto por afrontar a liberdade de expressão.
Para o ministro, eventuais abusos gestuais ou verbais contra agentes
públicos poderiam ser penalmente responsabilizados de outra forma, e a
descriminalização do desacato não significaria impunidade.
Ao acompanhar o relator, o ministro Ribeiro Dantas – que foi relator do
caso julgado em dezembro pela Quinta Turma – afirmou que não se deve
impor uma blindagem aos agentes públicos no trato com os particulares.
Ele disse que o Judiciário gasta muito tempo e dinheiro para julgar
ações por desacato, muitas vezes decorrentes do abuso do agente público
que considera como ofensa a opinião negativa do cidadão.