Meus amigos,
Um dos temas mais em voga no direito penal, atualmente, diz respeito ao regime inicial de cumprimento de pena para os condenados por tráfico de drogas.
No Informativo 663 do STF, aqueles que
leram puderam constatar – perplexos – duas decisões antagônicas sobre o tema,
uma da 1ª Turma e outra da 2ª Turma.
A 5ª e a 6ª Turmas do STJ (que julgam
penal) também possuem divergência sobre o tema.
Enfim, é um terreno inseguro para
aqueles que militam com Direito Penal e, principalmente, para os que se
preparam para os concursos públicos.
Esta realidade somente reforça a
necessidade, a nosso ver, de conferir ainda mais força aos mecanismos de uniformização
da jurisprudência. Nesse sentido, seria muito salutar que o Plenário do STF
pacificasse a questão e editasse uma súmula vinculante.
Enquanto não temos uma definição
precisa, vamos revelar o cenário atual sobre o tema:
O
que são crimes hediondos?
São crimes que o legislador considerou
especialmente repulsivos e que, por essa razão, recebem tratamento penal e
processual penal mais gravoso que os demais delitos.
A CF/88 menciona que os crimes
hediondos são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, não definindo,
contudo, quais são os delitos hediondos.
Art. 5º (...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de
graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, o terrorismo e os
definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
Quais
são os crimes hediondos no Brasil?
O Brasil adotou o sistema
legal de definição dos crimes hediondos. Isso significa que é a lei quem define,
de forma exaustiva (taxativa, numerus
clausus), quais são os crimes hediondos.
Esta lei é a n.° 8.072/90, conhecida como Lei dos crimes hediondos.
A
Lei n.°
8.072/90 prevê, em seu art. 1º, o rol dos crimes hediondos:
São considerados
hediondos os seguintes crimes (consumados ou tentados):
I - homicídio
(art. 121 do CP), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio,
ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º,
I, II, III, IV e V);
II - latrocínio (roubo
seguido de morte) (art. 157, § 3º, in
fine);
III - extorsão
qualificada pela morte (art. 158, § 2º);
IV - extorsão
mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ 1º, 2º e 3º);
V - estupro (art.
213, caput e §§ 1º e 2º);
VI - estupro de
vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º);
VII - epidemia com
resultado morte (art. 267, § 1º).
VIII -
falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins
terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B).
IX - Genocídio (arts.
1º, 2º e 3º da Lei n.° 2.889/56).
O
tráfico de drogas é crime hediondo?
NÃO. O tráfico de drogas, a tortura e o
terrorismo não são crimes hediondos. Estes três delitos (TTT) são equiparados
(assemelhados) pela CF/88 a crimes hediondos. Em outras palavras, não são
crimes hediondos, mas devem receber o mesmo tratamento penal e processual penal
mais rigoroso que é reservado aos delitos hediondos.
A Lei n.° 8.072/90, em sua redação original,
determinava que os condenados por crimes hediondos ou equiparados (TTT) deveriam
cumprir a pena em regime integralmente fechado:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática
da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo
são insuscetíveis de: (...)
§ 1º A pena por crime previsto neste
artigo será cumprida integralmente
em regime fechado.
Em
23/02/2006, o STF declarou inconstitucional este § 1º do art. 2º por duas
razões principais, além de outros argumentos:
a) A norma violava o princípio
constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF) já que obrigava
o juiz a sempre condenar o réu ao regime integralmente fechado
independentemente do caso concreto e das circunstâncias pessoais do réu;
b) A norma proibia a progressão de
regime de cumprimento de pena, o que inviabiliza a ressocialização do preso.
PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO -
PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER.
A progressão no regime de cumprimento
da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a
ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio
social.
PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE
CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 -
INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL.
Conflita com a garantia da
individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a
imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente
fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em
evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º,
da Lei nº 8.072/90.
(HC 82959, Relator: Min. MARCO AURÉLIO,
Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006)
Diante
dessa decisão, o Congresso Nacional editou a Lei n.° 11.464/2007 modificando o § 1º do art. 2º da Lei n.° 8.072/90:
Redação original
|
Redação dada pela Lei 11.464/2007
|
§ 1º A pena por crime previsto neste
artigo será cumprida integralmente
em regime fechado.
|
§ 1º A pena por crime previsto neste
artigo será cumprida inicialmente
em regime fechado.
|
Para
os crimes anteriores à Lei n.° 11.464/2007, como o antigo § 1º era inconstitucional, as
regras são as seguintes:
- É possível a progressão de regime cumprido 1/6 da pena (art. 112 da LEP) (Súm. 471-STJ);
- Não existe regime inicial obrigatório. O regime inicial é fixado segundo as normas do art. 33, § 2º do CP.
Para
os crimes posteriores à Lei n.° 11.464/2007 as regras legais são as seguintes:
- A nova redação do § 1º passou a permitir a progressão de regime para crimes hediondos, conforme os requisitos previstos no § 2º do art. 2º (2/5 se primário e 3/5 se reincidente);
- A nova redação do § 1º continuou a impor ao juiz que sempre fixe o regime inicial fechado aos condenados por crimes hediondos e equiparados.
Segundo
entendeu o STF, essa nova redação dada pela Lei n.° 11.464/2007 somente é válida para os crimes praticados após
a sua vigência (29.03.2007).
Assim, a Lei n.° 11.464/2007 é irretroativa
considerando que, segundo o STF, trata-se de lei posterior mais grave. Isso
porque depois da decisão do STF reconhecendo a inconstitucionalidade da vedação
de progressão para crimes hediondos (prevista na redação original do § 1º), os
condenados por crime hediondos e equiparados passaram a poder progredir com o
requisito de 1/6, mais favorável que o critério da Lei n.º 11.464/07 (RHC
91300/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 5.3.2009).
Recapitulando:
- § 1º (em sua redação original): proibia a progressão para crimes hediondos.
- STF (em 23/02/2006): decidiu que essa redação original do § 1º era inconstitucional (não se podia proibir a progressão).
- Como o STF afirmou que o § 1º era inconstitucional: as pessoas condenadas por crimes hediondos ou equiparados passaram a progredir com os mesmos requisitos dos demais crimes não hediondos (1/6, de acordo com o art. 112 da LEP).
- Lei n.° 11.464/2006: modificou o § 1º prevendo que a progressão para crimes hediondos e equiparados passaria a ser mais difícil que em relação aos demais crimes (2/5 para primários e 3/5 para reincidentes).
- Logo, a Lei n.° 11.464/2006 foi mais gravosa para aqueles que cometeram crimes antes da sua vigência (e que podiam progredir com 1/6). Por tal razão, ela é irretroativa.
O
novo § 1º do art. 2º da Lei n.°
8.072/90, com a redação dada pela Lei n.° 11.464/2007, é constitucional? Os vícios de inconstitucionalidade
que existiam na redação original foram corrigidos ou permanecem? Esse
dispositivo, em sua nova redação, não continua a violar o princípio
constitucional da individualização da pena?
Tais questões ainda serão decididas
pelo Plenário do STF no julgamento do HC 101284/MG, mas deve-se ressaltar que a
2ª Turma do STF entende que o § 1º do art. 2º, em sua nova redação, continua
violando o princípio da individualização da pena.
No entanto, de forma esquematizada, o
que temos, por enquanto, é o seguinte:
Qual
é o regime inicial de cumprimento de pena do réu que for condenado pelo crime
de tráfico de drogas praticado na vigência da Lei n.°
11.464/2007?
Lei n.° 8.072/90: prevê
que o regime inicial deve ser, obrigatoriamente, o fechado.
Art. 2º
(...)
§ 1º A
pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime
fechado.
1ª Turma
do STF:
afirma que, enquanto não houver pronunciamento definitivo por parte do Pleno do
STF sobre a constitucionalidade, ou não, deste art. 2º, § 1º, deve-se aplicar,
obrigatoriamente, o regime inicial fechado, tal qual previsto na Lei.
A
ausência de pronunciamento definitivo por parte do Pleno do Supremo Tribunal
Federal sobre a constitucionalidade, ou não, do início de cumprimento da pena
em regime fechado no crime de tráfico de drogas praticado na vigência da Lei
11.464/2007 não permite fixação de regime inicial diverso. (...)
HC
111510/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 24.4.2012.
2ª Turma
do STF e 5ª Turma do STJ: o art. 2º, § 1º da Lei n.° 8.072/90 pode ser afastado se o
condenado preencher os requisitos do Código Penal para ser condenado a regime
diverso do fechado. Assim o regime inicial nas condenações por tráfico de
drogas não tem que ser obrigatoriamente o fechado, podendo ser o regime semiaberto
ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, § 2º, alíneas b e c,
do Código Penal.
No crime de tráfico de entorpecente, a substituição da
pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem assim a fixação de
regime aberto são cabíveis. Essa a orientação da 2ª Turma ao conceder dois
habeas corpus para determinar que seja examinada a possibilidade de
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
No HC
111844/SP, após a superação do óbice contido no Enunciado 691 da Súmula do STF,
concedeu-se, em parte, de ofício, a ordem, ao fundamento de que, caso o paciente
não preenchesse os requisitos necessários para a referida substituição,
dever-se-ia analisar o seu ingresso em regime de cumprimento menos gravoso.
No HC
112195/SP, reputou-se que o condenado demonstrara atender as exigências do art.
33, § 2º, c, do CP e, portanto, teria direito ao regime aberto.
HC
111844/SP, rel. Min. Celso de Mello, 24.4.2012.
HC
112195/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 24.4.2012.
1. Esta
Corte, seguindo orientação do Supremo Tribunal Federal, entende possível nas
condenações por tráfico de drogas, em tese, a fixação de regime menos gravoso,
sempre tendo em conta as particularidades do caso concreto.
2. É
imperioso ter em linha de consideração os ditames norteadores do art. 42 da Lei
n.º 11.343/2006, no sentido de que o juiz "na fixação das penas,
considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a
natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a
conduta social do agente".
3.
Condenado o paciente à pena de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão,
por tráfico de 320 g de crack e por posse ilegal de munição de uso restrito, o
regime mais adequado à espécie é o fechado.
(HC 226.704/ES,
Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, Sexta Turma, j. em 10/04/2012)
6ª Turma
do STJ:
a regra é o regime inicial fechado, mas pode ser fixado regime inicial mais
brando (aberto ou semiaberto) em uma única hipótese: no caso de tráfico
privilegiado (§ 4º do art. 33 da Lei de Drogas) e desde que a pena privativa de
liberdade seja substituída por restritivas de direitos, a fim de adequar a
reprimenda ao benefício concedido justamente para evitar o encarceramento.
(...)
7. O
regime inicial fechado é obrigatório aos condenados pelo crime de tráfico de
drogas cometido após a publicação da Lei n.º 11.464, de 29 de março de 2007,
que deu nova redação ao § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/90, ressalvada a
possibilidade de fixação de regime prisional mais brando, quando, aplicada a
causa especial de diminuição prevista no § 4.º do art. 33 da lei n.º 11.343/06,
for substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, a
fim de adequar a reprimenda ao benefício concedido justamente para evitar o
encarceramento. Precedentes do STF e do STJ.
8.
Entretanto, na hipótese, o Juiz sentenciante deixou de aplicar a minorante
prevista no art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/06, ao concluir que o Paciente se
dedicava à atividade criminosa, reputando, assim, não preenchidos os requisitos
para concessão da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos. Dessa forma, incabível a fixação de regime inicial mais brando.
(HC
231.365/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17/04/2012)
Obs: a diferença entre a posição da 2ª
Turma do STF (6ª Turma do STJ) e o entendimento da 5ª Turma do STJ está no fato
de que, a 5ª Turma só admite a fixação de outro regime se a pena privativa de
liberdade for substituída por restritiva de direitos. Já a 2ª Turma do STF (e a
6ª Turma do STJ) não fazem tal exigência.
Obs2: este é o retrato jurisprudencial
no dia de hoje. Muito provavelmente ainda haverá mudanças de entendimento até
que a questão seja dirimida pelo Plenário do STF. Em provas da DPE e da OAB,
deve-se mencionar, sem medo de errar, que é possível o regime inicial aberto ou
semiaberto com base na análise do art. 33, § 2º do CP. Deve-se citar que esta é
a posição da 2ª Turma do STF e da 6ª Turma do STJ. Depois, é só arrumar a roupa
para a posse.
Fonte: Dizer o Direito
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