Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

sexta-feira, 8 de março de 2013

Presidente do STF pode promover efetividade penal

Atribuições Constitucionais

A necessidade de vencer a impunidade, apontada pelo ministro Joaquim Barbosa em recente entrevista, precisa de propostas concretas e factíveis para melhoria do processo penal. Este artigo apresenta, como sugestão, um decálogo de dez medidas que o presidente do STF, dentro de suas atribuições constitucionais, poderia implementar para, de fato, buscar, no âmbito do Judiciário, uma maior efetividade no processo penal.


Buscou-se, tanto quanto possível, evitar a linguagem técnico-jurídica para que estas propostas possam ser avaliadas pelo público leigo —a quem o Direito Penal busca proteger.

Tentou-se apontar algumas direções, ainda que elas possam trazer contradições entre si e não formem um todo sistemático, pois a questão não é achar uma resposta definitiva como solução contra a impunidade que tanto incomoda a sociedade e aos juízes (objetivo que seria no mínimo ingênuo e no limite pouco democrático e arbitrário), mas sim a possibilidade de formação de um novo discurso para que outras soluções sejam buscadas.

É necessário ir além do conhecido jargão de meras reformas dos códigos, trazendo, também, os outros agentes do sistema (delegados, promotores e advogados) para pensar o plano constitucional, as medidas práticas e sugestões processuais totalmente novas para experiências que possam sair das reformas que são “mais do mesmo”.

São estas as propostas.

1— Apoio efetivo à PEC 15/2001, apresentada pelo então presidente Cezar Peluso, que propõe acabar com os recursos extraordinário e especial e substituí-los por ações rescisórias (nas palavras do ministro do STF, agora aposentado, “o sistema atual produz intoleráveis problemas, como a ‘eternização’ dos processos, a sobrecarga do Judiciário e a morosidade da Justiça. (..) Recursos às cortes superiores não impedirão a execução imediata das decisões dos tribunais estaduais e regionais. Tais decisões, aliás, em geral são mantidas pelas cortes superiores. Em 2010, por exemplo, o STF modificou as decisões dos tribunais inferiores em apenas 5% dos recursos que apreciou. Os recursos continuarão existindo como hoje, e, em especial, o habeas corpus, remédio tradicional contra processos e prisões ilegais. Quem tiver certeza de seu direito continuará a recorrer aos tribunais superiores. Os recursos, no entanto, já não poderão ser usados para travar o bom andamento das ações judiciais”).

2— Apresentação de projeto de lei que extinga a prescrição penal (as razões para isso são evidentes);

3— Proposta de Emenda Constitucional que modifique o rol de competências do STF, transformando-a numa corte constitucional para transferir outros tipos de ações para o STJ — ampliando e reformulando a composição deste (o Brasil é o único país do mundo cuja corte constitucional aprecia um amplo rol de ações — inclusive as ordinárias como a AP 470 que monopolizaram o STF durante vários meses, deixando outras milhares de questões em aberto. Comparar o STF, com mais de cem mil processos recebidos por ano, com a US Supreme Court, que julga menos de cem, é algo absurdo e que só mostra as deficiências do modelo atual O sistema de processos com repercussão geral, que deveria resolver a questão, só piorou, pois o número de questões admitidas é muito superior ao de questões julgadas. Em Fevereiro de 2013, já eram mais de 425 mil processos paralisados no Brasil).

4— Adoção e valorização constitucional do “plea bargaining” ou transação judicial. Há necessidade modificação do sistema de Transação, previsto na lei 9.099/1995, para um modelo que seja um meio termo entre o atual e o instituto do “plea bargain” norte-americano. Nos EUA, 95 % dos processos criminais são encerrados por acordo. Porém, ele não é perfeito, pois como não há fiscalização e acompanhamento judicial, existem casos de inocentes que assumem culpa para se livrar do processo ou da repercussão negativa e casos de “blefes” pela acusação. No Brasil, o sistema atual é pior, pois, além de excesso de formalismo e recursos, o descumprimento da Transação gera um “nada”, isto é, o descumprimento só implica a retomada da Ação Penal, vários anos depois. A sugestão seria um sistema híbrido que pudesse atender à eficiência do modelo norte-americano retirando seus defeitos, ou seja, permitir um "plea bargaining" com controle judicial para evitar concentração de poder nas mãos de um único órgão e com reforço dos sistemas de defensoria dativa. Esta posição intermediária se colocaria entre os dois sistemas, obtendo as vantagens de um —resolução rápida de casos criminais— com as do outro —controle externo dos acordos).

5 — Apresentação de Projeto de Lei que permita utilizar as custas judiciais para contratação de serviços de taquigrafia ou estenotipia para degravação de audiências. Com a Lei 11.719, de 2008, o Código de Processo Penal foi alterado para permitir a gravação em audiovisual das audiências. Com isso, evitou-se a perda de tempo, pois antes mais da metade da audiência era gasta com os ditados feitos pelo juiz ao assessor para registrar em ata —sem contar a perda da fidelidade ao que foi dito pelas testemunhas. Porém, foi criado o problema da necessidade de os advogados, promotores, juízes e desembargadores terem de rever todos os vídeos em momentos posteriores. Cobriu-se um santo para descobrir outro. Logo, para manter a eficácia e ganho de tempo, é necessário adoção de serviços de transcrição imediata das audiências que não sejam o simples deslocar servidores dos cartórios judiciais para fazer a tarefa.

6 — Criação de um rito ordinário imediato para os casos de prisão em flagrante. Atualmente, o réu é preso, levado ao delegado, nas hipóteses em que existe prisão em flagrante. Por que não substituir o inquérito policial, com testemunhas e diligências que depois terão de ser refeitas, por um processo judicial imediato? Neste caso, o preso teria contato imediato com um advogado, seu ou da defensoria, e o Ministério Público, no ato da apresentação do flagrado, já apresentaria uma denúncia com base nos elementos que lhe foram trazidos, sendo, então, realizada audiência imediata pelo juiz, para recebimento da denúncia, oitiva das testemunhas do flagrante, interrogatório do réu, decisão sobre liberdade provisória ou manutenção da prisão e designação de nova audiência para eventuais testemunhas de defesa. Isso abreviaria o processo em vários meses, quiçá anos, e evitaria diligências repetitivas, ou pior, a falta de memória das testemunhas vários anos depois em juízo.

7 — Alteração da forma dos recursos contra sentenças, para que, em todos os processos, vigorassem os mesmos princípios que funcionam nos crimes contra a vida, ou seja, a decisão só é reformada ou anulada se for manifestamente contrária à prova dos autos. O juiz de primeiro grau que atuou no processo teve contato imediato com as provas e testemunhas e conhece a realidade dos fatos da localidade; logo, se a sua interpretação dos fatos for razoável e dentro daquilo que está nos autos, não há motivo para que seja reformada anos depois, por desembargadores do Tribunal, que não acompanharam as audiências; por outro lado, tal como ocorre com os jurados nos crimes contra a vida, se a decisão for fora do razoável, isto é, contrária às provas dos autos, então a decisão seria cassada para que outra seja dada).

8 — Ampliação das penas para os crimes que atentam contra o próprio sistema criminal, tais como falso testemunho ou homicídio de policiais. Não adianta haver um sistema criminal estruturado, se ele for frágil e sem respostas contra ataques que sofre. Um sistema que não se valoriza e não exerce sua autoridade só gera a impunidade e a violação às suas normas. Atualmente, o falso testemunho tem pena branda, que incentiva chicanas processuais. A fraude processual e os favorecimentos real e pessoal, crimes que impedem a apuração de delitos ou incentivam a prática de outros, têm penas irrisórias e sequer são investigados. O crime de perjúrio não existe —e, lembrando o sistema norte-americano, o famoso caso envolvendo as investigações contra o ex-presidente Bill Clinton não decorreram da suposta relação sexual negada, mas sim da suposta falsidade desta negação. Além das centenas de policiais militares que perderam a vida na luta contra o crime, há casos de vários juízes que pagaram com a vida o preço pela atuação firme e correta, dentre eles a Patrícia Acioli, do RJ, Alexandre de Castro Martins Filho, do ES, e Antônio José Machado Dias, de SP.

9 — Valorização da experiência do juiz e do promotor, com apoio e aprovação da PEC que restabelece o ATS para integrantes de carreiras públicas remuneradas por subsídio e que não disponham de progressão funcional horizontal em face do tempo de serviço. Além das medidas práticas e legislativas, há necessidade de motivação para os magistrados. Como qualquer instituição ou empresa, além da estrutura material, é importante haver preocupação com as pessoas que a compõem. Curiosamente, os juízes e promotores são uma das poucas carreiras jurídicas do país cujos vencimentos são os mesmos ao entrar e sair do serviço público, pouco valendo a experiência na frente de batalha. Não é à toa que, recentemente, um conselheiro do CNJ teve de apontar aos demais a preocupação com o êxodo de magistrados, que, nos últimos cinco anos, 120 solicitaram exoneração para buscar outra carreira, 328 aposentaram-se antecipadamente e 83 candidatos aprovados em concurso para juiz não tomaram posse para optar por outra carreira.

10 — Criação de uma comissão plural no CNJ, com participação dos juízes, por suas associações, dos promotores e procuradores do Ministério Público, delegados e advogados para discussão de outros decálogos com sugestões envolvendo os demais agentes do Sistema Criminal, inclusive com relação aos projetos de Códigos Penal e Processo Penal que tramitam no Congresso Nacional.

Vilian Bollmann é juiz federal em Lages (SC), mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí e autor dos livros Novo código civil: princípios, inovações na parte geral e direito intertemporal, Juizados Especiais Federais: comentários à legislação de regência, Hipótese de Incidência Previdenciária e temas conexos e Justiça e Previdência.

Revista Consultor Jurídico, 7 de março de 2013.

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