Muitas vezes, o que parece claro e simples é o que há de mais complicado. Essa afirmativa aplica-se perfeitamente à diagnose jurídica da intenção homicida.
Segundo os ditames da dogmática penal, constatada a morte de uma pessoa, por ação ou omissão, direta ou indiretamente, bem como verificado o nexo causal entre a conduta e o resultado morte, torna-se de rigor elucidar o requisito psíquico do agente, pois só se pode falar em assassinato, tentado ou consumado, quando evidenciado o animus necandi, a vontade de matar. Vale dizer, não haverá homicídio doloso quando ausente o intento assassino.
Assim, para a configuração dessa figura típica penal é necessário que o sujeito atue com o desiderato de causar a morte da vítima ou, ao menos, aceite-a como resultado provável e previsto (artigo 18, I, do CP).
Questão tormentosa no processo criminal, cujo objeto é o crime de homicídio, na sua forma tentada ou consumada, é a demonstração da vontade assassina, já que, ao tempo do crime, era ela albergada pelo claustro psíquico do agente.
Avulta, então, esta importante indagação: como constatar o dolo de matar?
Responde Nelson Hungria: "trata-se de um factum internum, e desde que não é possível pesquisá-lo no ''foro íntimo'' do agente, tem-se de inferi-lo dos elementos e circunstâncias do fato externo. O sentido da ação (ou omissão) é, na grande maioria dos casos, inequívoco. Quando o evento morte está em íntima conexão com os meios empregados, de modo que ao espírito do agente não podia deixar de apresentar-se como resultado necessário, ou ordinário, da ação criminosa, seria inútil, como diz Impallomeni, alegar-se que não houve animus occidendi: o fato atestará sempre, inflexivelmente, que o acusado, a não ser que se trate de um louco, agiu sabendo que o evento letal seria a conseqüência da sua ação e, portanto, quis matar. É sobre pressuposto de fato, em qualquer caso, que há de assentar o processo lógico pelo qual se deduz o dolo distintivo do homicídio" (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 1958).
Resposta semelhante é apresentada por Olavo Oliveira: "a vontade de matar, fenômeno interno, deve ser evidenciado pelos atos externos que o corporificam: a maneira da execução do fato, os motivos do crime, os instrumentos empregados, o número e a direção dos golpes vibrados, a distância entre o ofensor e a vítima, as relações existentes entre os dois, a importância das lesões causadas, a vida pregressa do réu, o seu posterior procedimento e a diagnose da sua personalidade" (OLIVEIRA, Olavo. O Delito de Matar. São Paulo: Saraiva, 1962).
Não é difícil compreender, assim, que a definição do elemento subjetivo do crime depende dos fatores objetivos que gravitam ao redor do evento delituoso, ou seja, torna-se imperiosa a análise do revolvimento fático-probatório residente nos autos.
Isso significa dizer que os fatos antecedentes (ex.: animosidade entre réu e vítima, ameaça etc.), concomitantes (ex.: arma utilizada, número de ações, área corpórea visada etc.) e supervenientes (ex.: fuga do local, omissão de socorro, ameaça etc.) ao crime devem ser bem examinados, tendo por parâmetro as provas pericial, testemunhal, indiciária et al.
Por conseguinte, é de suma importância ter em mente esta recomendação de René Descartes: "nunca nos devemos deixar persuadir senão pela evidência de nossa razão" (DESCARTES, René. Discurso Sobre o Método. São Paulo: Editora Vozes, 2006). Ou seja, incumbe à lógica humana, frente ao conteúdo processual, diagnosticar qual era o ânimo do agente ao tempo da conduta.
Nesse claro contexto, para o reconhecimento do homicídio doloso, na forma consumada ou tentada, é indispensável que se demonstre o dolo de matar do sujeito ativo por meio de elementos objetivos, muito bem delineados na fórmula que se extrai da lição de Francesco Carrara: "instrumento + número de golpes + sede das lesões = ânimo do agente" (CARRARA, Francesco. Programa de Direito Criminal: Parte Geral. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1956).
Assim, o elemento subjetivo pode ser representado pela potencialidade lesiva e letal do instrumento empregado na ação, número de golpes ou tiros, e o local do corpo da vítima atingido (zonas nobres e vitais).
Bem por isso, como informa o consensus humani generis et medicus, são mortais as lesões produzidas nas grandes cavidades: cabeça, tórax, dorso e abdome, porque aí, acima da linha de cintura, se situam os "órgãos de elevada hierarquia", na feliz expressão do professor Flamínio Fávero (FÁVERO, Flamínio. Medicina Legal. São Paulo: Martins, 1969).
Isso conduz inexoravelmente a seguinte conclusão: ordinariamente, o agente que desfere golpe de faca ou efetua disparo de revólver mirando o abdome, tórax, dorso, pescoço, flanco ou crânio do ofendido, evidencia com sua conduta a sanha assassina, incorrendo na prática de homicídio doloso (tentado ou consumado). Decorre daí que de duas, uma: ou almejou o resultado morte ou, no mínimo, assumiu o risco de produzi-lo. Tertium non datur. É dedução projetada da razão humana, que decorre do território da lógica.
Fonte: Confraria do Júri
O autor é promotor de justiça em Cuiabá/MT
Segundo os ditames da dogmática penal, constatada a morte de uma pessoa, por ação ou omissão, direta ou indiretamente, bem como verificado o nexo causal entre a conduta e o resultado morte, torna-se de rigor elucidar o requisito psíquico do agente, pois só se pode falar em assassinato, tentado ou consumado, quando evidenciado o animus necandi, a vontade de matar. Vale dizer, não haverá homicídio doloso quando ausente o intento assassino.
Assim, para a configuração dessa figura típica penal é necessário que o sujeito atue com o desiderato de causar a morte da vítima ou, ao menos, aceite-a como resultado provável e previsto (artigo 18, I, do CP).
Questão tormentosa no processo criminal, cujo objeto é o crime de homicídio, na sua forma tentada ou consumada, é a demonstração da vontade assassina, já que, ao tempo do crime, era ela albergada pelo claustro psíquico do agente.
Avulta, então, esta importante indagação: como constatar o dolo de matar?
Responde Nelson Hungria: "trata-se de um factum internum, e desde que não é possível pesquisá-lo no ''foro íntimo'' do agente, tem-se de inferi-lo dos elementos e circunstâncias do fato externo. O sentido da ação (ou omissão) é, na grande maioria dos casos, inequívoco. Quando o evento morte está em íntima conexão com os meios empregados, de modo que ao espírito do agente não podia deixar de apresentar-se como resultado necessário, ou ordinário, da ação criminosa, seria inútil, como diz Impallomeni, alegar-se que não houve animus occidendi: o fato atestará sempre, inflexivelmente, que o acusado, a não ser que se trate de um louco, agiu sabendo que o evento letal seria a conseqüência da sua ação e, portanto, quis matar. É sobre pressuposto de fato, em qualquer caso, que há de assentar o processo lógico pelo qual se deduz o dolo distintivo do homicídio" (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 1958).
Resposta semelhante é apresentada por Olavo Oliveira: "a vontade de matar, fenômeno interno, deve ser evidenciado pelos atos externos que o corporificam: a maneira da execução do fato, os motivos do crime, os instrumentos empregados, o número e a direção dos golpes vibrados, a distância entre o ofensor e a vítima, as relações existentes entre os dois, a importância das lesões causadas, a vida pregressa do réu, o seu posterior procedimento e a diagnose da sua personalidade" (OLIVEIRA, Olavo. O Delito de Matar. São Paulo: Saraiva, 1962).
Não é difícil compreender, assim, que a definição do elemento subjetivo do crime depende dos fatores objetivos que gravitam ao redor do evento delituoso, ou seja, torna-se imperiosa a análise do revolvimento fático-probatório residente nos autos.
Isso significa dizer que os fatos antecedentes (ex.: animosidade entre réu e vítima, ameaça etc.), concomitantes (ex.: arma utilizada, número de ações, área corpórea visada etc.) e supervenientes (ex.: fuga do local, omissão de socorro, ameaça etc.) ao crime devem ser bem examinados, tendo por parâmetro as provas pericial, testemunhal, indiciária et al.
Por conseguinte, é de suma importância ter em mente esta recomendação de René Descartes: "nunca nos devemos deixar persuadir senão pela evidência de nossa razão" (DESCARTES, René. Discurso Sobre o Método. São Paulo: Editora Vozes, 2006). Ou seja, incumbe à lógica humana, frente ao conteúdo processual, diagnosticar qual era o ânimo do agente ao tempo da conduta.
Nesse claro contexto, para o reconhecimento do homicídio doloso, na forma consumada ou tentada, é indispensável que se demonstre o dolo de matar do sujeito ativo por meio de elementos objetivos, muito bem delineados na fórmula que se extrai da lição de Francesco Carrara: "instrumento + número de golpes + sede das lesões = ânimo do agente" (CARRARA, Francesco. Programa de Direito Criminal: Parte Geral. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1956).
Assim, o elemento subjetivo pode ser representado pela potencialidade lesiva e letal do instrumento empregado na ação, número de golpes ou tiros, e o local do corpo da vítima atingido (zonas nobres e vitais).
Bem por isso, como informa o consensus humani generis et medicus, são mortais as lesões produzidas nas grandes cavidades: cabeça, tórax, dorso e abdome, porque aí, acima da linha de cintura, se situam os "órgãos de elevada hierarquia", na feliz expressão do professor Flamínio Fávero (FÁVERO, Flamínio. Medicina Legal. São Paulo: Martins, 1969).
Isso conduz inexoravelmente a seguinte conclusão: ordinariamente, o agente que desfere golpe de faca ou efetua disparo de revólver mirando o abdome, tórax, dorso, pescoço, flanco ou crânio do ofendido, evidencia com sua conduta a sanha assassina, incorrendo na prática de homicídio doloso (tentado ou consumado). Decorre daí que de duas, uma: ou almejou o resultado morte ou, no mínimo, assumiu o risco de produzi-lo. Tertium non datur. É dedução projetada da razão humana, que decorre do território da lógica.
Fonte: Confraria do Júri
O autor é promotor de justiça em Cuiabá/MT
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