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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

sábado, 24 de setembro de 2011

Fiança não pode ser aplicada como antecipação da pena (por: Pierpaolo Bottini)

21 setembro 2011

Direito de defesa

Fiança não pode ser aplicada como antecipação da pena

Por Pierpaolo Cruz Bottini

Uma das propaladas novidades da nova lei de cautelares pessoais penais — Lei 12.403/11 — é a revalorização da fiança. Pela redação anterior, as hipóteses do pagamento de fiança eram regulada pelos artigos 321 e seguintes do Código de Processo Penal, relacionadas aos casos de prisão em flagrante. Assim, o agente preso em flagrante pagava fiança — nas hipóteses admitidas — e obtinha a liberdade provisória para responder o processo.

Ocorre que o marco legal do instituto da fiança padecia de um problema: o artigo310, especialmente seu parágrafo único — acrescentado em 1977 — que dispunha que, diante da prisão em flagrante, o juiz concederia liberdade provisória quando verificasse a inocorrência de qualquer das hipóteses da prisão preventiva (CPP, art. 312), mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo.

Em outras palavras: se após a prisão em flagrante fosse constatado algum dos requisitos do artigo 312, era decretada a prisão preventiva do agente sem possibilidade de pagamento da fiança para liberdade. Por outro lado, se ausentes os elementos do artigo312, o sujeito era libertado independente do pagamento da fiança.

Logo, a fiança era inviável ou desnecessária, a depender da situação do preso. Em suma, era um instituto atrofiado e inútil.

Com a nova lei de cautelares pessoais penais (Lei 12.403/11) a fiança recuperou sua força. Agora é uma cautelar penal, que pode substituir a prisão preventiva ou outras cautelares caso seja constatada sua necessidade para preservar a ordem do processo e garantir a participação do réu nos atos de instrução. Passa a ser possível a determinação do pagamento de fiança em qualquer delito, medida que valoriza o instituto, fazendo com que recupere o prestígio de instrumento cautelar processual apropriado.

Os valores da fiança foram bastante alterados. O novo art. 325 fixa teto de 100 salários mínimos para infrações até 4 anos e de 200 para infrações acima deste patamar. Os valores podem ser — de acordo com a situação econômica do réu — dispensados, reduzidos até 2/3 ou aumentados em até 1000 vezes.

Em suma, o valor da fiança pode chegar ao máximo de 110 milhões de reais.

O valor da fiança — no entanto — não pode ser aplicado sem critério, ou como forma de antecipação da pena, como tem acontecido em algumas situações. A fiança é uma medida cautelar, ou seja, tem o escopo preciso de garantir a participação do réu nos atos processuais e evitar a frustração da aplicação da lei. Portanto, somente é admissível se houver fundado receio de que o réu turba o processo, viola provas, planeja fuga, ou em casos similares.

Nesses casos, o valor da fiança será proporcional à situação econômica do réu e poderá alcançar alto patamar caso o agente desfrute de situação econômica abastada.

Por outro lado, a ordem de fiança com base apenas na gravidade do crime e na situação econômica do réu, sem indicação das razões processuais que indicam a aplicação da cautelar não parece adequada ao nosso sistema, que tem a presunção de inocência como fundamento. O simples fato de ser réu e rico não é suficiente para aplicação de fianças milionárias.

A fiança não é instrumento para prestigiar a jurisdição frente ao clamor público, ou mecanismo de justiça social, mas meio para salvaguardar o processo diante de indícios concretos de desordem, tumulto, ou de subtração do agente às determinações judiciais.

Assim, se bem aplicada, nos casos previstos em lei, a fiança pode cumprir um papel tão ou mais relevante que outras medidas cautelares, como a própria prisão, desde que observados os princípios da razoabilidade e adequação.

Em suma, como qualquer outro instituto jurídico, a fiança depende do bom senso e da prudência do juiz, elementos que asseguram uma atuação judicial racional, legitima e coerente.

Prioridade
Foi publicada em 8 de setembro a Lei 12.483, que prevê a prioridade na tramitação do inquérito e do processo criminal em que figura indiciado, acusado, vítima ou réu colaborador, ou testemunha protegida pelos programas de proteção.

Leia o texto da nova lei:
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI Nº 12.483, DE 8 DE SETEMBRO DE 2011.
Acresce o art. 19-A à Lei no 9.807, de 13 de julho de 1999, que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º A Lei no 9.807, de 13 de julho de 1999, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 19-A:
“Art. 19-A. Terão prioridade na tramitação o inquérito e o processo criminal em que figure indiciado, acusado, vítima ou réu colaboradores, vítima ou testemunha protegidas pelos programas de que trata esta Lei.
Parágrafo único. Qualquer que seja o rito processual criminal, o juiz, após a citação, tomará antecipadamente o depoimento das pessoas incluídas nos programas de proteção previstos nesta Lei, devendo justificar a eventual impossibilidade de fazê-lo no caso concreto ou o possível prejuízo que a oitiva antecipada traria para a instrução criminal.”

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 8 de setembro de 2011; 190º da Independência e 123º da República.

DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Maria do Rosário Nunes
Este texto não substitui o publicado no DOU de 9.9.2011 e retificado em 14.9.2011

Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.

Revista Consultor Jurídico, 21 de setembro de 2011

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