EMENTA: PROCESSO DE “HABEAS CORPUS”. ASSISTENTE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO. INADMISSIBILIDADE. ATIVIDADE PROCESSUAL
DESSE TERCEIRO INTERVENIENTE SUJEITA A REGIME DE DIREITO ESTRITO.
ATUAÇÃO “AD COADJUVANDUM” QUE SE LIMITA, UNICAMENTE, À PARTICIPAÇÃO EM
PROCESSOS PENAIS DE NATUREZA CONDENATÓRIA. AÇÃO DE “HABEAS CORPUS” COMO
INSTRUMENTO DE ATIVAÇÃO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL DAS LIBERDADES.
ILEGITIMIDADE DO INGRESSO, EM REFERIDA AÇÃO CONSTITUCIONAL, DO
ASSISTENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. CONSEQÜENTE
DESENTRANHAMENTO DAS PEÇAS DOCUMENTAIS QUE ESSE TERCEIRO INTERVENIENTE
PRODUZIU NO PROCESSO DE “HABEAS CORPUS”.
DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, que, impetrado em favor de **, insurge-se contra acórdão emanado do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de idêntico processo, denegou, a esse mesmo paciente, o “writ” constitucional lá ajuizado.
DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, que, impetrado em favor de **, insurge-se contra acórdão emanado do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de idêntico processo, denegou, a esse mesmo paciente, o “writ” constitucional lá ajuizado.
O assistente do Ministério Público, ingressando, indevidamente, neste processo de “habeas corpus”, promoveu a juntada de diversos documentos aos presentes autos.
Passo a apreciar esse incidente processual. E, ao fazê-lo, determino o desentranhamento de referidas peças documentais.
É que a intervenção do assistente do Ministério Público, na presente causa, não se justifica, pois lhe falece legitimidade para atuar no processo penal de “habeas corpus”.
Sabemos que, na ação de “habeas corpus”, os sujeitos da relação processual penal, além do órgão judiciário competente para julgá-la, são, apenas, (1) o impetrante, (2) o paciente, (3) a autoridade apontada como coatora e (4) o Ministério Público.
Eles compõem o quadro dos elementos subjetivos essenciais da relação jurídico-processual do “habeas corpus”. São, por isso mesmo, os sujeitos processuais relevantes, principais e imprescindíveis da ação de “habeas corpus”, não obstante PONTES DE MIRANDA, em clássica monografia sobre o tema (“História e Prática do Habeas Corpus”, tomo II, p. 23/24, § 105, 7ª ed., 1972, Borsoi), e ao versar essa mesma questão, tenha acrescentado, ao rol, a figura, por ele reputada essencial, do detentor do paciente.
As vítimas de infração penal (desde que perseguível mediante ação pública), ou aquelas pessoas mencionadas no art. 268 do Código de Processo Penal, mesmo quando habilitadas como assistentes da Acusação - o que só ocorre nos crimes de ação penal pública (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 594, item n. 268.6, 7ª ed., 2000, Atlas; EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA e DOUGLAS FISCHER, “Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência”, p. 573, item n. 268.1, 2ª ed., 2011, Lumen Juris; EDILSON MOUGENOT BONFIM, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 518, 3ª ed., 2010, Saraiva, v.g.) - não possuem qualidade nem dispõem de legitimação, por ausência absoluta de previsão legal, para intervir no procedimento judicial de “habeas corpus”.
Na realidade, a atividade processual do assistente do Ministério Público não se revela ampla nem ilimitada, especialmente no que concerne à sua participação no processo de “habeas corpus”, eis que são de direito estrito as faculdades jurídicas a ele outorgadas pelo ordenamento positivo (CPP, art. 271, “caput”).
O assistente do Ministério Público, bem por isso, somente pode intervir “ad coadjuvandum” no processo penal condenatório (CPP, art. 268), cabendo-lhe, no plano estrito das ações penais de condenação - com as quais não se confunde a ação de “habeas corpus” (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Elementos de Direito Processual Penal”, vol. 4/380-382, item n. 1.178, 1965, Forense) -, a prerrogativa de propor meios de prova, de formular perguntas às testemunhas, de participar do debate oral, de arrazoar os recursos interpostos pelo “Parquet” ou por ele próprio, inclusive extraordinariamente, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598 (CPP, art. 271, “caput”, e Súmula 210/STF), e de requerer, a partir de 04/07/2011, a decretação de prisão preventiva e a imposição ou a substituição, por outras, de medidas cautelares de natureza pessoal, quando descumpridas (CPP, art. 282, § 4º, e art. 311, na redação dada pela Lei nº 12.403/2011).
Vê-se, portanto, que a atividade processual do assistente do Ministério Público sofre explícitas limitações impostas pelo ordenamento positivo, a cuja disciplina está ela juridicamente sujeita. É por isso que o assistente do Ministério Público, mesmo nas estritas hipóteses legais que justificam a sua intervenção assistencial, “... não pode recorrer, extraordinariamente, de decisão concessiva de ‘habeas corpus’” (Súmula 208/STF - grifei); não pode recorrer da sentença de pronúncia (RTJ 49/344); não pode, ainda, interpor recurso extraordinário, para o Supremo Tribunal Federal, de decisão que absolve o condenado em revisão criminal (RTJ 70/500).
A inadmissibilidade da participação do assistente do Ministério Público na relação processual instaurada com a impetração do “habeas corpus” tem sido reconhecida por prestigiosa doutrina (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 225, 23ª ed., 2009, Saraiva; EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA e DOUGLAS FISCHER, “Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência”, p. 580, 2ª ed., 2011, Lumen Juris; MARCELLUS POLASTRI, “Manual de Processo Penal”, p. 534, 5ª ed., 2010, Lumen Juris; REINALDO ROSSANO ALVES, “Direito Processual Penal”, p. 178, 7ª ed., 2010, Impetus, v.g.), valendo referir, quanto a esse tema, a lição de JULIO FABBRINI MIRABETE (“Código de Processo Penal Interpretado”, p. 595, 7ª ed., 1999, Atlas), para quem não se justifica a intervenção do assistente do Ministério Público no processo de “habeas corpus”:
“Prevendo a lei a intervenção do assistente apenas na ‘ação pública’, ou seja, ação condenatória, não se tem admitido, com razão, sua participação nos processos de ‘habeas corpus’, em que não há acusação nem contraditório.” (grifei)
Tem-se reconhecido, por isso mesmo, em face da estrita disciplina que rege a atuação processual do assistente do Ministério Público, a ilegitimidade de sua intervenção no processo de “habeas corpus”, ainda quando formalmente habilitado como terceiro interveniente. Essa posição tem prevalecido na jurisprudência dos Tribunais (RT 376/230 - RT 545/307 - RT 546/318 - RT 557/350 – RT 598/325 – RT 685/351), inclusive na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 56/693-695, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI – RTJ 126/154, Rel. Min. MOREIRA ALVES - HC 79.118-RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):
“No processo de ‘Habeas Corpus’ não é admissível a intervenção do Assistente da Acusação, mesmo que este haja sido admitido no processo da ação penal pública condenatória. Pela mesma razão não tem direito a sustentar oralmente suas razões contrárias à concessão do ‘writ’.
Precedentes.” (HC 72.710/MG, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – grifei)
Também o E. Superior Tribunal de Justiça - apreciando essa mesma questão – tem perfilhado igual orientação, rejeitando a possibilidade de intervenção do assistente do Ministério Público no processo penal de “habeas corpus”:
“Processo penal. ‘Habeas corpus’. Assistente de acusação. Inadmissibilidade. Não cabe intervenção do assistente da acusação no processo de ‘habeas corpus’, visto como a função do assistente é restrita à parte acusatória (art. 271 do CPP), enquanto que, no ‘habeas corpus’, onde não existe sequer acusação, o Ministério Público não desempenha o papel de acusador, e sim de fiscal da lei. Precedentes jurisprudenciais.” (RT 666/352, Rel. Min. ASSIS TOLEDO - grifei)
O assistente da acusação, portanto, é um “extraneus” na formação da relação processual penal instaurada com o ajuizamento da ação de “habeas corpus”. Não ostentando a condição jurídico-formal de litigante nesse processo não condenatório, não há como invocar a regra consubstanciada no art. 268 do Código de Processo Penal, cuja incidência restringe-se ao plano das ações penais condenatórias.
Não custa enfatizar, desse modo, que, no processo penal de “habeas corpus”, o assistente da acusação não é parte nem ostenta a condição de litigante. Parte adversa ao impetrante/paciente é o próprio Estado, cuja atuação administrativa ou jurisdicional enseja o ajuizamento do “writ”. Compõem, destarte, a relação processual penal instaurada com a impetração do “habeas corpus”, como litigantes - e, portanto, como destinatários da garantia do contraditório proclamada pelo art. 5º, LV, da Constituição - o impetrante/paciente, de um lado, e a autoridade coatora, de outro. Daí a observação de JOSÉ FREDERICO MARQUES (op. cit., vol. 4/406), no sentido de que o conteúdo do processo de “habeas corpus” “é uma lide ou litígio entre o que sofre a coação ou ameaça ao direito de ir e vir, e o Estado, representado pela autoridade coatora”.
O assistente da acusação, na realidade, é terceiro formalmente estranho à discussão, que, sob a égide do contraditório, se estabelece no processo penal de “habeas corpus” entre o paciente e o Estado. Não há como se lhe aplicar a garantia inscrita no art. 5º, LV, da Constituição, pois, não sendo parte litigante nesse procedimento penal não condenatório, não pode, o assistente do Ministério Público, pretender o amparo da cláusula constitucional mencionada.
Cumpre assinalar, ainda, que pertence, ao Estado, de modo absoluto, o direito de punir.
A circunstância de o Ministério Público poder intervir no processo de “habeas corpus”, nas condições referidas na legislação processual (CPP, art. 654, “caput”), não traduz, só por si, situação jurídica invocável pelo assistente da acusação para legitimar o seu ingresso na relação processual instaurada com a impetração do “writ”. Tais situações são absolutamente inassimiláveis.
O Ministério Público, no processo de “habeas corpus” - que configura processo penal de caráter não condenatório -, desempenha a típica função institucional de “custos legis”. Ressalvada a hipótese legal de ser, ele próprio, o impetrante do “writ” (situação inocorrente neste caso), o Ministério Público atua como órgão interveniente, velando pela correta aplicação das leis.
Daí o já haver sido proclamado que o Ministério Público, na ação penal de “habeas corpus”, exerce, ordinariamente, a função de “custos legis”. Em sendo assim, e “(...) não havendo, no processo de habeas corpus, quem acuse, não se pode falar em assistente do Ministério Público, pois tal assistência não diz com todas as funções daquela Instituição, já que a interferência do particular na ação penal pública é de conteúdo específico” (RT 590/359-361, 360, TACRIM/SP, Rel. Juiz Adauto Suannes).
Em suma: o assistente da acusação não ostenta a situação jurídica de parte nas ações de “habeas corpus”, cujos sujeitos processuais, como já ressaltado, são, unicamente, o impetrante, o paciente, a autoridade coatora, o Ministério Público e o próprio Juiz.
Sendo assim, e em face das razões expostas, determino a devolução, ao assistente do Ministério Público, da petição protocolada sob nº 86555/2008-STF (fls. 115) e dos documentos que a instruem (fls. 116/195), acompanhados de cópia da presente decisão.
Publique-se.
Brasília, 1º de agosto de 2011.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
Brasília, 1º de agosto de 2011.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
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