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A Lei n. 12.403, de 4 de maio de 2011, reformulou o tratamento legislativo dado à prisão processual e instituiu, ao lado dela, medidas cautelares alternativas de natureza pessoal.
O texto aprovado teve como origem o Projeto de Lei n. 4.208, de 2001, encaminhado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo, juntamente com outros que visavam modernizar o Código de Processo Penal (CPP) por meio de reformas pontuais, adaptando-o à Constituição Federal de 1988 com vistas à promoção de uma Justiça Penal mais célere e eficaz.
No que se refere à prisão cautelar, o descompasso entre a regulamentação ordinária e a disciplina constitucional era gritante. As normas sobre a detenção provisória eram excessivamente autoritárias.
Tínhamos a Carta Magna proclamando, em seu art. 5.º, inc. LXI, que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei" e, de outro lado, o art. 319 do CPP, autorizando a prisão administrativa, entre outros, dos "remissos ou omissos em entrar para os cofres públicos com os dinheiros a seu cargo, a fim de compeli-los a que o façam" e do "estrangeiro desertor de navio de guerra ou mercante, surto em porto nacional".
Conviviam, ainda, o art. 5.º, inc. LVII, do texto maior, afirmando que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" e o CPP, até 2008, autorizando a decretação da prisão processual como efeito automático da sentença condenatória recorrível, verdadeira execução provisória da pena, salvo se o réu fosse primário e de bons antecedentes (art. 594, com a redação anterior à Lei n. 11.719, de 2008).
Nossos tribunais, de tempos pra cá, haviam notado a defasagem entre a legislação ordinária e os preceitos constitucionais, reconhecendo, em muitos casos, a incompatibilidade vertical de dispositivos do CPP em face da Lei Maior. Assim, por exemplo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que não mais admitia fosse a prisão preventiva tratada como forma de antecipação da pena, limitando sua decretação a casos excepcionais, nos quais a custódia do acusado se mostrasse justificada e necessária.
A respeito, conforme decidido, "a gravidade do crime não justifica, por si só, a necessidade da prisão preventiva", de tal modo que a "manutenção da custódia cautelar, sem justa causa, consubstancia antecipação do cumprimento da pena, vedada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal" (STF, 2.ª T., HC n. 100.572, rel. Min. Eros Grau, j. em 15.12.2009, DJe de 29.4.2010). Assim, para o Pretório Excelso, existia "constrangimento ilegal, a ser reparado pela via do habeas corpus, quando a decisão condenatória determina a expedição de mandado de prisão, independente de seu trânsito em julgado, sem, contudo, explicitar os pressupostos justificadores da segregação cautelar" (1.ª T., HC n. 97.318, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 6.4.2010, DJe de 6.5.2010).
O divórcio entre a realidade infraconstitucional e os preceitos contidos na Lei Fundamental, portanto, era expressivo, reclamando-se uma intervenção do Parlamento, silente, nesse setor, durante os primeiros anos de vigência da Constituição.
Fiança e pena cominada
Um assunto que está sendo debatido nas delegacias de polícia é a possibilidade de concessão de fiança, na fase investigatória, no caso de crime com pena detentiva máxima abstrata superior a 4 anos, incidindo uma causa de diminuição. Exemplo: tentativa. É possível considerar a diminuição de pena do parágrafo único do art. 14 do Código Penal, tornando admissível a aplicação do art. 322, caput, do Código de Processo Penal, à luz da Lei n. 12.403/2011, que só permite que a autoridade policial conceda fiança "nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade não seja superior a 4 (quatro) anos"? E havendo uma causa de aumento de pena ou uma qualificadora?
A resposta é afirmativa. Assim, devem ser consideradas, na compreensão da expressão legal "pena privativa de liberdade máxima" prevista na disposição, as causas de aumento e de diminuição da pena e as qualificadoras.
No tocante às causas de redução de pena, já tínhamos adotado essa posição em relação ao antigo art. 323, I, do CPP, ao cuidar da fiança (Código de Processo Penal anotado. São Paulo: Saraiva, 24.ª ed., 2010, p. 291). O mesmo entendimento aplicamos no tocante à competência dos Juizados Especiais Criminais (Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 12.ª ed., 2010, p. 28) e à admissibilidade da suspensão condicional do processo (op. cit., p. 148), havendo precedente jurisprudencial em termos de redução de dois terços (extinto TACrimSP, ACrim n. 1.019.113, 6.ª Câm., 19.6.96, rel. Juiz Mathias Coltro, SEDDG, rolo flash 1.043/300; extinto TACrimSP, HC n. 328.198, 15.ª Câm., rel. Juiz Décio Barretti, RT, 760:632).
Da mesma forma, são admissíveis, na questão inicialmente proposta, as causas de aumento de pena (jurisprudência anterior concernente aos Juizados Especiais Criminais: RT, 760:632).
De observar-se que a lei nova, retratando um princípio genérico de sua aplicação, dispõe, na nova redação do art. 282, II, do CPP, a observância da adequação das medidas à gravidade do crime e circunstâncias do fato, às quais se incluem, como resposta penal, as causas de aumento e de diminuição da sanção privativa de liberdade, e as circunstâncias qualificadoras. Como fundamento, anotamos que, em face da incidência da redução abstrata da pena, não podem ser tratados da mesma forma uma tentativa branca de homicídio e um homicídio doloso simples consumado. E a diminuição e o aumento, quando variáveis, para alcançar o patamar exigido, devem ser os que mais favoreçam o agente.
Jornal Carta Forense, terça-feira, 2 de agosto de 2011
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