A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, considerou legítimas as interceptações telefônicas realizadas na Operação Veredas, assim como os pedidos de prorrogação das escutas. Os ministros entenderam que as autorizações estavam fundamentadas em elementos de investigações prévias e que não há restrições ao número de prorrogações possíveis. O habeas corpus que questionava a legalidade das interceptações foi negado.
A Operação “x” foi deflagrada em novembro de 2007 para desarticular uma quadrilha do setor de transporte que, segundo a Polícia Federal, usou de métodos ilegais para prejudicar empresas de ônibus concorrentes, como a corrupção de policiais rodoviários federais e fiscais de órgãos públicos estaduais.
O habeas corpus foi impetrado em favor de um funcionário de uma empresa de transportes, acusado, juntamente com mais 12 pessoas, de formação de quadrilha, corrupção ativa e concorrência desleal. Ele teria cooptado policiais rodoviários federais para determinar, de um lado, que as empresas concorrentes fossem fiscalizadas e, de outro, que as próprias atividades da empresa não fossem alvo da fiscalização.
A defesa alegou falta de fundamentação na autorização da quebra de sigilo telefônico da base da Polícia Rodoviária Federal em Ourinhos (SP). Argumentou que tal medida deve ser excepcional e a última a ser decretada, e que a autoridade policial não demonstrou outros meios que não violassem o sigilo para obter as provas necessárias à persecução penal.
Sustentou ainda serem ilegais as decisões que permitiram a prorrogação das interceptações telefônicas por cerca de 33 quinzenas (495 dias), por terem sido feitas mediante despachos padronizados, violando a Lei n. 9.296/1996, que estabelece o prazo de 15 dias para a produção da prova, renovável por igual tempo.
Quadrilha complexa
O relator, ministro Jorge Mussi, ao analisar os 36 pronunciamentos judiciais anexados aos autos, verificou que os magistrados que permitiram as escutas telefônicas indicaram as razões da indispensabilidade da medida de maneira adequada e suficiente.
O ministro constatou que a excepcionalidade da interceptação foi justificada pelas dificuldades encontradas para apurar os ilícitos que estariam sendo praticados, tendo sido prolongada no tempo em virtude do conteúdo das conversas monitoradas, que indicariam a existência de complexa quadrilha que estaria cometendo diversos ilícitos.
“Ao permitir a primeira prorrogação das escutas e autorizar a inclusão de novos números de telefone a serem interceptados, o juiz federal da 1ª Vara Federal de Ourinhos relatou que, com o monitoramento anteriormente autorizado, foi possível a identificação de outros terminais telefônicos relativos às pessoas investigadas, persistindo os motivos ensejadores do deferimento da medida”, considerou o relator.
Jorge Mussi frisou ainda que, ao contrário do alegado no habeas corpus, cabe à defesa demonstrar que existiam, de fato, meios investigativos alternativos às autoridades para a elucidação dos fatos à época na qual a medida foi requerida, sob pena de a utilização da escuta telefônica se tornar absolutamente inviável. “Isto porque o órgão responsável pelas investigações apresentou justificativas plausíveis para a excepcional utilização da interceptação telefônica”, completou.
Quanto à inobservância do limite de 30 dias de duração das interceptações, o relator explicou que, “apesar de prever o limite máximo de 15 dias, renováveis por mais quinze, não há qualquer restrição ao número de prorrogações possíveis, exigindo-se apenas que haja decisão fundamentando a dilatação do prazo”. No caso em questão, o ministro avaliou que não há que falar em ausência de motivação concreta, pois a prorrogação das escutas sempre foi devidamente fundamentada.
Por não vislumbrar algum constrangimento ilegal, o ministro Jorge Mussi concluiu serem legítimos os elementos de convicção reunidos por meio das interceptações telefônicas e utilizados para embasar a propositura da ação penal instaurada contra os acusados. Com isso, ele negou o habeas corpus, no que foi acompanhado pelo ministro Gilson Dipp e a ministra Laurita Vaz, vencido o desembargador convocado Adilson Vieira Macabu.
Nossos Comentários
A razão de existir das interceptações telefônicas é sua utilização como meio de se provar um fato.
A prova, nos dizeres de Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antonio Carlos de Araújo Cintra “constitui, pois, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo.”
Assim, a prova é o alicerce que demonstra o fato, que por sua vez, origina uma pretensão.
Os autores supracitados trazem o tratamento dispensado a prova, dado pelas Ordenações Filipinas: “A prova é o farol que deve guiar o juiz nas suas decisões (Liv. III, Tít. 63).
O código de processo penal, implicitamente, adota o principio da liberdade dos meios de prova, expresso no artigo 155, “caput”, do Código de Processo Penal:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas
Todavia, não é possivel a prova obtida por meio ilícito, conforme previsão Constitucional, artigo 5, inciso LVI:
Art. 5º(...)
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos
Não obstante, forçoso se faz esclarecer que, dentre tudo o que pode ser utilizado para provar algo, resta excluído aquilo que for fato notório; impertinente ou inoportuno; incontroverso; aquilo que a lei presume como verdadeiro; fatos impossíveis de ocorrer.
O ônus da prova, dentro do processo penal, disciplinado pelo artigo 156, recairá sobre aquele que alegar. Porém, o juiz poderá, no curso da instrução, ou antes, de sentenciar, determinar “ex officio”, diligências para sanar eventuais dúvidas sobre pontos relevantes:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
A interceptação de comunicações telefônicas, para prova em investigação criminal, desde que, observado os limites legais, passou a ser meio idôneo de prova.
O diploma que regula essa possibilidade é a Lei Nº 9.296, de 24 de julho de 1996:
Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
A referida lei traz as hipóteses em que não será possível a interceptação telefônica, conforme artigo 2º:
Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
Quando os limites legais não são observados, a referida lei traz a previsão da pena de reclusão, o que a torna, por trazer a sanção em seu bojo, mediante os ensinamentos de Hans Kelsen, norma primária:
Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Ainda, há que observar a teoria norte-americana "fruits of the poisonous tree" (Teoria da árvore Envenenada) é aquela que faz comunicar o vício da ilicitude da prova obtida com violação a regra de direito material a todas as demais provas produzidas a partir daquela.
Sobre provas ilícitas, não poderia se furtar a enfrentar a questão das teorias justificando ou não a sua utilização e, até mesmo, estipulando limites de contaminação de outras provas em face da produção de uma prova ilícita.
Fonte: www.lfg.com.br, originalmente em 15.07.2011
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