LUIZ FLÁVIO GOMES*
Áurea Maria Ferraz de Sousa**
O caso Edmundo está prescrito (de acordo com nossa opinião). As famílias das vítimas certamente estão estarrecidas. O mau funcionamento da Justiça, como regra, precisa ser discutido seriamente pela sociedade brasileira. Nosso País, sendo a sétima economia mundial, não pode ter um Poder Judiciário tão falho.
Os juízes trabalham muito, as decisões da Justiça, especialmente do STF, são relevantes, mas de um modo geral a percepção da população é muito ruim, em razão (segundo pesquisa recente do IPEA) da morosidade, da falta de imparcialidade dos juízes e da venalidade (corrupção).
Os crimes culposos no trânsito cometidos por Edmundo aconteceram em dezembro de 1995: três homicídios e três lesões corporais. Em março de 1999 ele foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão. O juiz aplicou a pena máxima para os crimes. Considerando-se que todos foram cometidos em razão de uma só conduta (um só acidente), manda o código que o juiz aplique a pena mais grave (3 anos), aumentada até metade (isso se chama concurso formal de crimes). Três anos mais metade significa quatro anos e seis meses. Essa foi a pena final.
Como se conta a prescrição nesse caso? Por força do art. 119 do CP a prescrição se conta pela pena de cada crime, não se levando em conta o aumento do concurso formal. Três anos prescreve em oito, não em doze anos. Logo, em 2007 deu-se a prescrição (visto que a sentença é de 1999).
A prisão de Edmundo, por um dia, em 1999, não tem nenhuma relevância para a contagem da prescrição, porque se trata de prisão cautelar (não definitiva). Não incide (na prisão cautelar) o art. 117, V, do CP (que manda interromper a prescrição pela prisão). Esse dispositivo só vale para a prisão após o trânsito em julgado final.
O juiz do caso (que mandou prender Edmundo) errou na conta da prescrição, na interpretação da lei, na fundamentação da sentença e, além disso, determinou a expedição do mandado respectivo antes do trânsito em julgado final, visto que ainda existe recurso pendente no STF. Erro sobre erro.
Vencida a questão da prescrição (para nós já não há o que discutir) vem o tema da morosidade da Justiça: o STJ demorou 12 anos para julgar todos os recursos impetrados (de 1998 a 2010). Esse prazo não é nada razoável. O caso Edmundo comprova que a Justiça, em geral, funciona muito mal e contribui para a impunidade.
O caso Edmundo passa a ser emblemático. A Justiça brasileira precisa de ruptura, não de reforma. Não adiante reformar o que não funciona a contento. É melhor reconstruir tudo e mudar de paradigma: do processo conflitivo (burocrático, moroso, custoso) temos que passar para o modelo da conciliação, do acordo, da negociação, resolvendo-se a absoluta maioria dos casos em menos de trinta dias (por procedimento de via rápida).
O Brasil já é o 3º no ranking mundial dos países que mais matam em decorrência de acidentes no trânsito. Com 38.273 mortes em 2008[1] (dados oficiais do Datasus – Ministério da Saúde), fica atrás apenas da Índia (118 mil pessoas/ano) e da China (73.500 pessoas/ano)[2], ultrapassando até mesmo os Estados Unidos, com 37.261 mortes/ano[3] (embora sua frota de veículos seja quatro vezes maior que a brasileira).
(...)A contagem do prazo prescricional depois de passada em julgado a condenação (para a acusação) se dá pela pena aplicada (art. 110, §1º, CP), mas no caso de concurso de crimes, a contagem da prescrição incide sobre a pena de cada crime, isoladamente (art. 119). Assim, a pena de três anos aplicada em 1999, prescreveu em 2007 (art. 109, IV, CP).
Desde o trânsito em julgado para a acusação o réu vem interpondo recursos no STJ:
Primeiro agravo no STJ distribuído em 26/06/1998
Última decisão em recurso do réu no STJ: 29 de junho de 2010, publicada em 25.08.10.
O réu interpôs 21 recursos no STJ, que demorou 12 anos para apreciá-los. Eis os recursos:
Ag 979067; Ag 979066; Ag 781474; AG 613463; AG 591232; AG 591228; AG 591223; AG 613463; AG 596939; AG 513903; AG 454779; AG 326283; AG 248462; Ag 1.113.252 – último; AG 189244 – primeiro; RESP 302636; REsp 728299; REsp 727118; EDcl nos EREsp 302636; EREsp 302636; EREsp 1.021.688
A morosidade do Judiciário, em muitos casos, é fator essencial da impunidade, que não desestimula ninguém de cometer novos delitos.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.
**Áurea Maria Ferraz de Sousa – Advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal. Pesquisadora.
[1] Fonte: Dados extraídos do DATASUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde) do Ministério da Saúde
[2]Fonte: New York Times- http://www.nytimes.com/2010/06/08/world/asia/08iht-roads.html?_r=1&pagewanted=1&em
[3] Fonte: NHTSA – National HIghway Traffic Safety Administration: http://www.nhtsa.gov
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