Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O momento consumativo nos delitos de furto e roubo no STF e no STJ (por: Érica Babini)

Os delitos de roubo e furto guardam semelhança no verbo indicativo da conduta delitiva: “subtrair”, com a diferença de que naquele há violência ou grave ameaça, ao passo que neste não existe ofensa à pessoa. Por esta razão é que a consumação de ambos os delitos se dá sob o mesmo parâmetrto.


Analisemos, portanto, as evoluções jurisprudenciais do STF e do STJ, levando em consideração queem um dos últimos informativos, o 520, o Supremo reiterou seu entendimento, conforme se observa:


A Turma reafirmou a orientação desta Corte no sentido de que a prisão do agente ocorrida logo após a subtração da coisa furtada, ainda que sob a vigilância da vítima ou de terceira pessoa, não descaracteriza a consumação do crime de roubo. Por conseguinte, em conclusão de julgamento, indeferiu, por maioria, habeas corpus no qual se pretendia a tipificação da conduta do paciente na modalidade tentada do crime de roubo, ao argumento de que o delito não se consumara, haja vista que ele, logo após a subtração dos objetos da vítima, fora perseguido por policial e vigilante que presenciaram a cena criminosa e o prenderam em flagrante, recuperando os pertences — v. Informativo 517. Reputou-se evidenciado, na espécie, roubo frustrado, pois todos os elementos do tipo se consumaram com a inversão da posse da res furtiva. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que concedia a ordem para restabelecer o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por reconhecer a hipótese de tentativa, reduzira a pena aplicada ao paciente.
HC 92450/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 16.9.2008. (HC-92450)


A consumação dos delitos de furto e roubo é permeada por quatro diferentes teorias: a) a teoria da “contrectatio”, para a qual a consumação se dá pelo simples contato entre o agente e a coisa alheia; b) a teoria da “apprehensio” ou “amotio”, segundo a qual se consuma esse crime quando a coisa passa para o poder do agente; c) a teoria da “ablatio”, que tem a consumação ocorrida quando a coisa, além de apreendida, é transportada (posse pacífica e segura) de um lugar para outro; d) a teoria da “illatio”, que exige, para ocorrer a consumação, que a coisa seja levada ao local desejado pelo ladrão para tê-la a salvo.


Em Roma prevalecia o entendimento de que o delito contra o patrimônio consumava-se no simples contato do agente com a res objeto de subtração. Adotava-se a teria da “contrectatio”. Contudo, tal entendimento não pode prevalecer mais nos dias de hoje, haja vista que o delito em apreço é de cunho material e não formal, requisitando, portanto a modificação no mundo exterior.


A jurisprudência pátria há muito tempo divergia sobre o assunto. Até meados de 1980 o Supremo Tribunal Federal adotava a Teoria da ablatio, segundo a qual os requisitos para a consumação seriam: apreensão da res, afastamento da disponibilidade da vítima e posse tranqüila do objeto.


Para tanto, baseava-se na doutrina clássica: “se após o emprêgo da violência pessoal não puder o agente, por circunstâncias alheias à sua vontade, executar a subtração, mesmo o ato inicial da apprenhensio rei , o que se tem a reconhecer é a simples tentativa” (HUNGRIA, 1955, p. 58) . Portanto a consumação se dava com o deslocamento da coisa, “mas de modo que esta se transfira para a posse exclusiva do ladrão” (HUNGRIA, 1955, p. 23).


Exatamente no ano de 1987, com o voto magistral do Ministro Moreira Alves, modificou-se o entendimento para se adotar a Teoria da Amotio:” Para que o ladrão se torne possuidor, não é preciso, em nosso direito, que ele saia da esfera de vigilância do antigo possuidor, mas, ao contrário, basta que cesse a clandestinidade ou a violência, para que o poder de fato sobre a coisa se transforme de detenção em posse, ainda que seja possível ao antigo possuidor retomá-la pela violência, por si ou por terceiro, em virtude de perseguição imediata. Aliás, a fuga com a coisa em seu poder traduz inequivocamente a existência de posse”(Resp 102.490-SP, 17.12.1987).

Daí em diante foram reiterados os julgamentos neste sentido, tornando-se pacífico o entendimento em sede do Supremo.

“A jurisprudência do STF dispensa, para a consumação do furto ou do roubo, o critério da saída da coisa da chamada “esfera de vigilância da vítima” e se contenta com a verificação de que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da “res furtiva“, ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata” (HC 89958-SP, rel. Sepúlveda Pertence, 03.04.2007, v.u., DJ 27.04.2007, p. 68).

“Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pleiteava a tipificação da conduta dos pacientes na modalidade tentada do crime de roubo, ao argumento de que não houvera a cessação da ameaça/violência a legitimar a sua consumação, uma vez que foram surpreendidos no instante em que a ação ocorria e sofreram interceptação imediata. Esclareceu-se, inicialmente, que, após a subtração da coisa, os pacientes deixaram o local caminhando, e que a vítima, percebendo a direção que tomavam, informara à autoridade local, que, por sua vez, efetivara a prisão dos mesmos. Aplicou-se o entendimento firmado pelo STF, que dispensa, para a consumação do roubo, o critério de saída da coisa da chamada “esfera de vigilância da vítima” e se contenta com a verificação de que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da res furtiva, ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata. Vencido o Min. Marco Aurélio que, salientando a transcrição do depoimento da vítima a revelar que não perdera os agentes de vista, considerou que o recurso especial, ao restabelecer a sentença que condenara os pacientes por roubo consumado, não tinha condições de ser conhecido. Precedentes citados: RE 102490/SP (DJU de 16.8.2001); HC 89958/SP (DJU de 27.4.2007); HC 89653/SP (DJU de 23.3.2207). HC 89959/SP, rel. Min. Carlos Britto, 29.5.2007. (HC-89959)” – Informativo 429.

Neste sentido, é possível se resumir que para a consumação dos delitos de furto e roubo é necessária apenas a posse do bem com o agente, independentemente de vigilância da vítima ou posse tranqüila, de modo que a fuga logo após o furto já é fuga com posse, e o furto está consumado mesmo que haja perseguição imediata e conseqüente retomada do objeto.

Contudo, apesar da formação perene no STF, o STJ guardava sérias divergências, pois a Quinta Turma seguia o entendimento firmado pelo STF, ou seja, não requer a posse tranqüila para consumação do delito de furto (teoria da amotio), ao passo que a Sexta Turma entendia conforme a doutrina clássica (teoria da ablatio):

Portanto, em termos de conclusão, pode-se afirmar que atualmente os delitos de roubo e furto, segundo as duas cortes do país, seguem a teoria da amotio, o que significa que o crime se consuma quando o bem é apossado pelo agressor, não importando se a vítima permanece com a vigilância ou se há posse tranqüila.

Assim seguindo a mesma concepção da teoria da amotio:

“A Turma, por maioria, entendeu que o delito de roubo consuma-se quando o agente retira a res furtiva da esfera de vigilância da vítima, mesmo que, imediatamente após a subtração da coisa, haja perseguição e aqueles venham a ser presos. Adotou-se a teoria da amotio. Precedente citado do STF: HC 70.095-1-SP, DJ 26/11/1993. REsp 407.162-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 18/6/2002”.

“A Seção, ao prosseguir o julgamento, acolheu os embargos por maioria, considerando que o crime de roubo se consuma no momento em que o agente se torna possuidor da coisa subtraída, independente de ser a posse tranqüila ou não. Precedentes citados: EREsp 197.848-DF, DJ 15/5/2000, e EREsp 78.434-SP, DJ 6/10/1997. EREsp 229.147-RS, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 9/3/2005”

“Prosseguindo o julgamento, a Seção, por maioria, entendeu que se considera consumado o crime de roubo no momento em que o agente se torna possuidor da res furtiva mediante grave ameaça ou violência, ainda que não obtenha a posse tranqüila do bem, sendo desnecessário que saia da esfera de vigilância da vítima. Precedentes citados: EREsp 197.848-DF, DJ 15/5/2000; REsp 605.268-SP DJ 17/5/2004; REsp 311.088-SP, DJ 10/3/2003; REsp 299.135-DF, DJ 22/3/2004, e REsp 403.253-SP, DJ 22/9/2003. ERESP 235.205-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgados em 25/8/2004.”

Já na seara da teoria da ablatio:

“Caso de tentativa, e não de crime consumado – “em nenhum momento o réu deteve a posse tranqüila da res furtiva, porquanto foi imediatamente perseguido pela vítima” (REsp 678.220-RS, 6.ª T., rel. Nilson Naves, 07.06.2005, v.u., DJ 13.03.2006 p. 391).

“Na hipótese em que o agente do crime não teve, em nenhum momento, a posse tranqüila dos bens, pois foi preso logo em seguida à prática do delito, houve apenas tentativa” (REsp 197.848-DF, 6.ª T., rel. Vicente Leal, 11.05.1999, v.u., DJ 31.05.1999, p. 198)”

“Em tal moldura, a mim também se me afigura tratar-se de crime tentado. O roubo, assim como o crime de furto, relativamente à subtração da coisa móvel alheia, somente se consuma, segundo o meu convencimento, quando o agente, uma vez transformada a detenção em posse, tem a posse tranqüila da coisa subtraída. Nesse quadro, a posição que adoto, mais consentânea com a visão que tenho do Penal, aproxima-se da teoria da illatio. Segundo ela, entende-se por tentado o roubo quando o autor tem apenas fugazmente a posse da coisa subtraída, em razão da contínua perseguição sofrida. Assim, por dela não dispor tranqüilamente o agente, visto que a coisa móvel alheia não foi por ele transportada, como se supõe por ele desejado, para um local no qual estivesse a salvo, não há falar em roubo consumado. Isto é, em casos tais, o agente responde pela tentativa, não responde pela consumação.“ (REsp-724.093 (DJ de 14.11.05)/ Min. Nilson Naves)

Roubo (momento da consumação). Fixação da pena abaixo do mínimo legal (impossibilidade). Súmula 231 (aplicação). Reincidência (reconhecimento). Bis in idem (não-ocorrência). 1. A consumação do delito de roubo exige posse tranqüila da coisa subtraída, não bastando a posse, ainda que breve, tal e qual o caso dos autos (ponto de vista do Relator). 2. O entendimento do Superior Tribunal é no sentido de que a incidência de circunstâncias atenuantes não podem reduzir a pena privativa de liberdade a patamar aquém do mínimo legal (Súmula 231). 3. O agravamento da pena pela reincidência não configura bis in idem, mas reflete a necessidade de maior reprovabilidade do réu voltado à prática criminosa. (REsp 810407 / RS ; Ministro NILSON NAVES/ 6º Turma: 25/02/2008)

Entretanto em meados de 2003, com a mudança da formação da corte, a maioria, com exceção do Ministro Nilson Naves, conforme visto acima, passou a entender conforme o STF, e finalmente ambas as Cortes seguem o mesmo entendimento:

“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. ROUBO. CONSUMAÇÃO. POSSE TRANQÜILA DA RES. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. REEXAME DE FATOS E PROVAS. DESNECESSIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. INOCORRÊNCIA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (…). 2. Considerando que o art. 157 do CP traz como verbo-núcleo do tipo penal do delito de furto a ação de “subtrair”, podemos concluir que o direito brasileiro adotou a teoria da apprehensio ou amotio, em que os delitos de roubo/furto se consumam quando a coisa subtraída passa para o poder do agente, mesmo que num curto espaço de tempo, independente da res permanecer sob sua posse tranqüila. Dessa forma, a posse tranqüila é mero exaurimento do delito, não possuindo o condão de alterar a situação anterior. O entendimento que predomina no STJ é o de que não é exigível, para a consumação dos delitos de furto ou roubo, a posse tranqüila da res. 3. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no REsp 859952 / RS . Min. Jane Silva – 6º Turma, 27/05/2008 )”

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