INDEPENDÊNCIA EM JOGO
Ao julgar o caso de um guardador de carro que estava com uma nota falsa de R$ 20, Mazloum constatou que a lei (11.719/2008) viola o princípio de independência do Judiciário por não permitir que o juiz desclassifique o crime pelo qual o réu foi denunciado.
“Pela nova regra, entendendo o Ministério Público não ser caso de aditamento, o juiz terá de se submeter à vontade do órgão acusador (...). A independência do juiz ficará comprometida caso tenha, no momento de aplicar o direito ao fato, submeter o seu entendimento à aprovação de outro órgão, parte no conflito”, afirma o juiz.
Na denúncia, o Ministério Público Federal qualificou o crime pelo §1º do artigo 289 do Código Penal, que trata sobre o uso consciente de nota falsa. No entanto, após ouvir o acusado e uma testemunha, o juiz concluiu que ele não sabia que a nota era falsa, até porque era uma boa falsificação. “Tanto que o acusado recebeu a cédula de boa-fé, passou o troco ao cliente, e somente no dia seguinte percebeu a falseta”, diz.
Diante das evidências, Mazloum entendeu que o crime deve ser enquadrado no §2º do artigo 289 do Código Penal, quando se recebe moeda falsa de boa-fé e a coloca em circulação depois de conhecer a falsidade. No primeiro caso, o réu pega de três a 12 anos de prisão, enquanto no segundo a pena varia de seis meses a dois anos.
“No curso da instrução processual surgiram circunstâncias elementares não contidas na denúncia, consistentes no recebimento de boa-fé da cédula por parte do acusado, ciência posterior da falsidade e guarda para introdução no meio circulante. Houve infração ao tipo penal em sua forma privilegiada, cuja pena é mais branda”, afirma o juiz.
Nesses casos, pela antiga redação do artigo 384 do Código de Processo Penal, o juiz poderia desclassificar o crime sem necessidade de aditamento da denúncia. “Para a desclassificação de um crime para outro de igual ou menor gravidade, não dependia de aditamento da denúncia pelo Ministério Público, o juiz não ficava submetido ao entendimento do órgão acusador”, diz Mazloum.
Com a redação dada pela nova lei, o juiz depende de autorização do MP para mudar o crime. “O juiz não tem mais liberdade jurídica para desclassificar o crime sem aditamento da denúncia, deverá ao final curvar-se ao entendimento do órgão acusador”, declara.
Para Mazloum, ao querer dar mais celeridade ao processo, a nova lei atropela direitos fundamentais. Ele diz que a norma segue a linha hoje em voga do “justiçamento e da espetacularização midiática da acusação”.
O juiz afirma que o novo Código do Processo Penal lei está afinado com os novos tempos do Judiciário, “cada vez menos independente e mergulhado em discursos demagógicos para agradar o decantado ‘clamor’ popular”.
Por isso, Mazloum diz que a nova lei não ser aplicada ao caso porque no processo penal não se pode retroagir em desfavor do réu. “É certo que, pela nova regra, não concordando o órgão acusador com o entendimento do juiz sobre a incidência de crime menos grave, deixando de aditar a denúncia, restariam ao julgador duas opções, ambas inadmissíveis: curvar-se à vontade do Estado-acusação e condenar o acusado por um crime que está convencido de sua inocência, o que constituiria rematado disparate e abuso encharcado de extrema covardia; ou absolver o acusado do crime mais grave capitulado na denúncia, permitindo a impunidade para o crime menor”, diz.
Ao declarar inconstitucional a nova lei, o juiz entendeu que o acusado pode ser enquadrado no delito mais brando e o condenou a um ano de prisão em regime aberto e multa de meio salário mínimo.
Fonte: Conjur.
O Processo Penal como sismógrafo da Constituição e o Supremo Tribunal Federal - teoria, análise crítica e práxis - por Júlio Medeiros.
Nélson HUNGRIA
"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)
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