DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por Antonio Nabor Areias Bulhões, em favor de Danny Carlos Pedrotti, Ivar José Pedrotti, Romaldo Cominetti e Rudemar Cominetti. Nestes autos, a defesa questiona acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça nos autos do HC 199.671/MT, relator Ministro Adilson Vieira Macabu, que denegou a ordem, nos termos da ementa transcrita:
“HABEAS CORPUS. CRIMES AMBIENTAIS. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PLEITO PELO RELAXAMENTO DA PRISÃO PREVENTIVA. CIRCUNSTÂNCIAS AUTORIZADORAS PRESENTES. 1. As Turmas componentes da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça já cristalizaram o entendimento de inexistir constrangimento ilegal quando a manutenção da custódia cautelar, suficientemente fundamentada, retratar a necessidade da medida para as garantia da ordem pública e aplicação da lei penal. 2. No caso concreto, a prisão dos pacientes encontra-se fundamentada na periculosidade e no desrespeito às normas legais, caracterizados pelo modus operandi do delito. 3. Ordem denegada”.
Na espécie, os pacientes foram presos preventivamente pela prática dos delitos previstos nos arts. 50-A e 51, ambos da Lei 9.605/98 (crimes ambientais), art. 12 da Lei 10.826/2003 (porte de arma) e 288 do CP (formação de quadrilha) - (Processo n. 22560-83.2010.4.01.3600). Segundo os autos, trata-se de uma organização criminosa composta por madeireiros, proprietários de empresas madeireiras receptadoras e proprietários rurais titulares de planos de manejos florestais, os quais, mediante o aliciamento de indígenas, adentravam a Terra Indígena Serra Morena para realizar atividades ilegais de extração, transporte e comércio de produtos florestais, tudo acompanhado de fraudes nos sistemas da SEMA (SISFLORA), com o fim de obstaculizar o controle e fiscalização ambiental e, ao mesmo tempo, conferir aparência de legalidade às madeiras legalmente extraídas, estocadas e comercializadas pelas empresas envolvidas.
Na descrição do MPF, Ivar José Pedrotti, Rudemar Cominetti e Romaldo Cominetti (Polaco) integram o 1º grupo, responsável pela extração (e coordenação das atividades de extração) e transporte da madeira: emprega motoristas, puxadores de toras, operadores de tratores e de motosserras. Atuam com planejamento e por etapas: 1ª) infiltram-se na TI Serra Morena; 2ª) aliciam indígenas, aproximam-se das lideranças e oferecem promessas de vantagens; 3ª) obtêm dos indígenas autorização para extração das madeiras; e 4ª) providenciam a retirada das toras rumo às madeireiras.
As apreensões realizadas, aliadas às informações coligidas, evidenciaram que os integrantes desse grupo costumam portar armas de fogo. Em atenção ao despacho que determinou a emenda da petição inicial, o impetrante requereu a inclusão do corréu Paulo Augustinho Wagner no feito. Paulo Augustinho Wagner e Danny Carlos Pedrotti, segundo o MPF, integram o 2º grupo, composto por proprietários de empresas madeireiras receptadoras das toras retiradas da TI Serra Morena, com função de adquirir, manter em estoque, beneficiar e vender os produtos florestais extraídos ilegalmente da mencionada terra indígena.
A defesa, então, impetrou HC perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que denegou a ordem. Irresignada, impetrou habeas perante o Superior Tribunal de Justiça, alegando ausência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva. A ordem também restou denegada pela Quinta Turma do STJ. No presente writ, o impetrante afirma que o Juízo de origem não apontou elementos concretos aptos a justificar a segregação cautelar do paciente. Sustenta, ademais, excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal. Liminarmente requer a expedição de alvará de soltura em favor dos pacientes.
Passo a decidir.
Ao converter a prisão temporária em preventiva, o Juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso, adotou os seguintes fundamentos:
“3) RUDEMAR COMINETTI, vulgo ‘Rudi’ ou ‘Rude’ Rudemar Cominetti, além de atuar no ramo empresarial madeireiro, é diretamente responsável pela exploração ilegal de madeira no interior da TI Serra Morena. É também sócio da empresa L PEDROTTI e CIA, cujo sócio administrador é Ivar José Pedrotti, primo de Rudemar Cominetti (…). Os elementos coligidos nos autos indicam que o grupo chefiado por Rudemar Cominetti e Ivar José Pedrotti utilizavam/utilizam as empresas Rio Furquim Ltda., L Pedrotti e Cia e Agroindústria Bela Vista (cujo sócio administrador é Ivar José Pedrotti) para serrar madeiras extraídas ilegalmente da Terra Indígena Serra Morena.
(…)
Segundo informações do IBAMA, RUDEMAR COMINETTI seria o aliciador e quem faz a negociação com os indígenas, já IVAR JOSÉ PEDROTTI seria o ‘cérebro’ do grupo, responsável pelos recursos financeiros, DANI PEDROTTI tem uma franqueadora no município de Juína/MT e recebe a madeira proveniente do esquema de extração ilegal na Terra Indígena dos Cinta-Larga, sendo que também financia a extração, VALDO seria o gerente do mato (possui um mercado perto do Motel Velho, ao lado de uma bicicletaria, na entrada de Juína/MT) e POLACO (irmão de RUDEMAR) é agiota e comprador de madeiras. Todos atuam na região há cerca de 20 (vinte) anos.
(…)
Trecho de carta escrita pelo cacique Bernardo Cinta Larga ao Adminiastrador da FUNAI, em 19 de julho de 2008, fls. 45 do Apenso I: “A morte do nosso parente da aldeia Pacovinha nos deixou muito abalados e queremos que você tiome providência sobre esse caso. Achamos que os culpados dessa tragédia ocorrida são os madeireiros que fornecem armas de fogo e balas para os índios daquela aldeia. Os culpados são: Ivor, Neri e Rude e outros demais associados que atuam nas aldeias pacovinha e cafezal.”
(…)
Paraguaio, que reside na Aldeia Furquim e passou algumas informações relevante do esquema criminoso à Polícia Federal, estaria temendo por sua integridade física e por sua vida, em virtude de de grande chance de o madeireiro Rudi executá-lo.
(…)
Outro importante relato foi o de Paulo Henrique Bernardes, prestado perante a Base da OAF em Juína (…), que ressaltou a periculosidade de Rudemar Cominetti, afirmando que ‘desde que chegou presenciou a entrada de madeireiros na reserva indígena, sendo o principal deles o madeireiro RUDIMAR COMINETTI, o Rudi (…): que Rudimar é o mais perigoso de todos, ameaça de morte a todos, ontem mesmo na aldeia, após a entrada da Polícia Federal, IBAMA, disseram que já tem pistoleiros contratados para matá-lo, eles já estariam na localidade da Filadélfia, o primeiro seria o depoente, o segundo Geraldo e o terceiro o Vadenildo, esses últimos funcionários da FUNAI (…); que essa serraria pertence a RUDIMAR e IVAR (irmão dele), está funcionando há cerca de seis meses dentro da reserva, os caminhões agora só vão buscar madeira serrada dentro da reserva (…); que sempre viu RUDIMAR e equipe eles estão armados, RUDIMAR está sempre com uma pistola na cintura e o depoente teme muito pela sua vida (…); que outro madeireiro bem perigoso que ameaça muito é o TIANZINHO, faz cerca de quatro anos que ele tira madeira da reserva; que os mais perigosos, os quais tem medo muito medo, são na ordem, o RUDIMAR, o TIANZINHO e o VALDO (da fazenda), esse o depoente tem certeza que são capazes de matar’.
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(…)
Trecho de carta escrita pelo cacique Bernardo Cinta Larga ao Adminiastrador da FUNAI, em 19 de julho de 2008, fls. 45 do Apenso I: “A morte do nosso parente da aldeia Pacovinha nos deixou muito abalados e queremos que você tiome providência sobre esse caso. Achamos que os culpados dessa tragédia ocorrida são os madeireiros que fornecem armas de fogo e balas para os índios daquela aldeia. Os culpados são: Ivor, Neri e Rude e outros demais associados que atuam nas aldeias pacovinha e cafezal.”
(...)
Com efeito, a teor do depoimento dos índios da etnia Cinta Larga (fls. 956/957, IPL 587/2009) depreende-se que ‘ (…) a serraria móvel instalada dentro da reserva, efetivamente pertence aos madeireiros RUDI e IVAR: que a serraria foi colocada na reserva há mais de dois meses, a madeira serrada era sempre tirada por uma carreta vermelha e uma branca, quase sempre de noite; que todos os índios tem conhecimento dessa serraria, não sabem porque não falaram a verdade hoje de manhã, acham que foi errado; que todos conhecem muito bem o RUDI e o IVAR, todos eram muito jovens quando começaram a explorar madeira na serra morena; que os líderes não falam bem a verdade porque tem dúvida da ajuda da FUNAI e IBAMA e não querem desagradar os madeireiros’.
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5) DANNY CARLOS PEDROTTI Danny Carlos Pedrotti, diante das provas constantes dos autos, também é responsável pela exploração de madeiras na Terra Indígena Serra Morena, associando-se diretamente ao seu irmão Ivar José Pedrotti e a Rudemar Cominetti e ‘Polaco’. Atua na Terra Indígena Serra Morena desde o ano de 2006, conforme informações prestadas por Levi Paim Nunes, o qual denunciou ao Ministério Público Federal a atuação de Danny Carlos Pedrotti na Terra Indígena Serra Morena em fevereiro e julho de 2006 (…). Danny Carlos Pedrotti também seria proprietário da Madeireira São Valentim juntamente com Ivar Pedrotti. Afirmou, outrossim, que Danny Pedrotti, Ivar Pedrotti e o terceiro irmão conhecido como ‘Polaco’ seriam sócios da Madeireira Rio Furquim.
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Segundo a referida informação, Rudemar Cominetti estaria aliciando os índios e Ivar José Pedrotti seria o ‘cérebro’ do grupo, responsável pela negociação com os indígenas e pelos recursos financeiros. Danny Pedrotti foi citado como proprietário de uma franqueadora no município de Juína/MT, que recebe a madeira proveniente do esquema de extração ilegal na TI Serra Morena”.
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6) PAULO AUGUSTINHO WAGNER Paulo Augustinho Wagner é o sócio administrador das empresas Madeireira Wagner Ltda. e Minuano Exportadora de Madeiras Ltda, ambas citadas por testemunhas como sendo responsáveis pelo beneficiamento e comércio de madeira na Terra Indígena Serra Morena.
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Verifica-se, portanto, dos dados colhidos pelos peritos, que guias florestais emitidas e recebidas pelas empresas de Paulo Wagner têm servido para dar aparência de legalidade às madeiras extraídas de áreas não autorizadas, incluindo a Terra Indígena Serra Morena. O conjunto probatório dos autos revela que tais produtos florestais foram ilegalmente transportados e estocados no pátio da empresa de propriedade de Paulo Wagner, sendo ilegalmente comercializados.
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Os documentos constantes nos Apensos VII e VIII demonstram que, de fato, Paulo Wagner é um grande fornecedor de guias florestais para burlar a fiscalização, vez que foi ele o responsável pela emissão de grande parte das guias florestais irregulares/inconsistentes levantadas pelos peritos.
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10) ROMALDO COMINETTI, vulgo POLACO Romaldo Cominetti, o ‘Polaco’, Alceri Cominetti, Rafael Agusto da Silva e Valdir Pereira da Costa estão diretamente ligados à empresa madeireira Rio Furquim Ltda. Conforme o contrato social de fls. 166/173, Romaldo Cominetti, irmão de Rudemar Cominetti, foi o fundador da empresa madeireira Rio Furquim Ltda. juntamente com Danny Carlos Pedrotti em março de 1998. Em 2005, Danny Carlos Pedrotti cedeu a sua parte na empresa a Rafael Augusto da Silva e Romaldo Cominetti, por sua vez, a Alceri Cominetti.
(…)
É preciso que se diga que a atuação de ‘Polaco’ é intensa, sendo citado em várias ocasiões em atuações com outros madeireiros também identificados apenas por alcunhas: Zé Confidelis, Valdo Neri, Patrício e Nene, mas a atuação deles na organização criminosa em comento é inegável”.
Para fundamentar o pedido de liberdade, tendo em vista o excesso de prazo na formação da culpa, a defesa anexou certidão de objeto e pé, datada de 16.8.2011, por meio da qual a Diretora de Secretaria atesta que a denúncia formalizada nos autos da ação penal foi recebida em 7.12.2010 e que, após a apresentação das defesas prévias, o processo foi concluso ao magistrado, para exame das preliminares da defesa e designação de data para a oitiva das testemunhas.
Todavia, em consulta ao sítio da Justiça Federal, Seção de Mato Grosso, verifica-se que o Magistrado proferiu diversos despachos com a finalidade de dar celeridade à ação penal, tendo inclusive desmembrado a ação, considerados alguns corréus que ainda não haviam apresentado defesa prévia. E, em 15.9.2011, determinou a expedição de diversas cartas precatórias para a oitiva das testemunhas de acusação e de defesa.
Os pacientes realmente encontram-se presos desde dezembro de 2010, perfazendo mais de nove meses de prisão cautelar, cujos crimes imputados são os previstos no art. 50-A e 51, ambos da Lei 9.605/98 (crimes ambientais), art. 12 da Lei 10.826/2003 (porte de arma) e 288 do CP (formação de quadrilha), cujas penas são, respectivamente, detenção de 3 meses a 1 ano; detenção de 3 meses a 1 ano; detenção de 1 a 3 anos; e reclusão de 1 a 3 anos. Assim, a pena mínima, cumulada, seria de 2 anos e 6 meses.
Contudo, os pacientes RUDEMAR COMINETTI e IVAR JOSÉ PEDROTTI, integrantes do 1º grupo, têm contra si elementos concretos e individualizados, apontados pelo Juízo de origem, aptos a demonstrar a necessidade da prisão para garantir a instrução criminal. No decreto constritivo restou consignado que os acusados, permanecendo soltos, poderiam forjar provas, em especial intimidando testemunhas, ato que vinha sendo reiteradamente praticado.
Assim, com relação aos pacientes RUDEMAR COMINETTI e IVAR JOSÉ PEDROTTI, indefiro o pedido de medida liminar, sem prejuízo de um exame mais aprofundado no mérito.
Nesse sentido, cito os precedentes: HC 74.666/RS, Min. Celso de Mello, DJ 11.10.2002 e HC 91.386/BA, da minha relatoria, DJ 16.5.2008. Assim, defiro o pedido de medida liminar para suspender os efeitos da ordem de prisão preventiva decretada em desfavor dos pacientes Danny Carlos Pedrotti, Romaldo Cominetti, e Paulo Augustinho Wagner, pelo Juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso, sem prejuízo de que o Magistrado analise a aplicação de medidas cautelares previstas na nova redação do art. 319 do Código de Processo Penal.
Por fim, determino que o Juízo de origem atue efetivamente com celeridade na instrução criminal. Solicitem-se, com urgência, informações pormenorizadas sobre a demora no processamento da ação penal ao Juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso.
Comunique-se com urgência. Com a juntada das informações, abra-se vista ao Procurador-Geral da República. Publique-se. Brasília, 27 de setembro de 2011. Ministro GILMAR MENDES Relator Documento assinado digitalmente.
(HC 110120, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 27/09/2011, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-188 DIVULG 29/09/2011 PUBLIC 30/09/2011)
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