Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A influência de Roxin na condenação de Fujimori

Paralelamente às já tradicionais e exaustivamente estudadas constelações da autoria mediata (mittelbare Täterschaft), escoradas no conceito de domínio do fato (Tatherrschaft) particularizado no domínio da vontade (die Willensherrschaft) – uma delas sujeita à invariável incerteza quanto à delimitação de seu alcance frente à instigação (Anstiftung) (1) -, Roxin propôs em Autoria e Domínio do Fato (Täterschaft und Tatherrschaft, 1963) a inclusão de uma nova e radicalmente díspare modalidade cujo centro de gravidade repousaria na subordinação do autor direto a uma estrutura organizada de Poder fortemente hierarquizada (Organisationshierarchie). Tratar-se-ia de um domínio organizacional do fato (Organisationsherrschaft), revelado tanto pela subordinação funcional quanto pela fungibilidade do executor, e constatável não só no interior das organizações criminosas do tipo mafioso – aí incluídas, por aproximação, os “comandos” e “facções” do tráfico de drogas brasileiro -, mas também nas frias e distantes engrenagens burocráticas dos Estados nacionais – ex: crimes de guerra, assassinatos ordenados por regimes ditatoriais, etc.

Não cabe descer a minúcias – haverá um artigo especificamente sobre os aspectos mais relevantes do tema. Mas é indispensável frisar que, apesar do inegável mérito de conferir apropriado destaque à obscura e esquecida figura do “autor” ou “assassino de escrivaninha” (Schreibtischtäter) -, não houve adesão incondicional à proposta de Roxin, que permanece no fogo cruzado (Kreuzfeuer) do debate científico. De fato, em qualquer avaliação criteriosa que se pretenda realizar objeções de peso à teoria de Roxin deverão ser atentamente consideradas:

α) não seria um paradoxo assumir um domínio da vontade do “homem de trás” (Hintermann) sobre um instrumento responsável e culpável – “homem da frente” (Vordermann) -, quando já é altamente duvidosa a existência da autoria mediata no tocante ao agente que atua sem culpabilidade?

β) essa “influência” filtrada e diluída da vontade de um agente sobre o outro não se deixaria encaixar melhor nos extremos da instigação – dada a ausência de certeza quanto à eficácia da determinação – ou da coautoria (Mittäterschaft), como propõe Jakobs – à vista do compartilhamento “igualitário” do domínio do fato?

γ) guardaria coerência e harmonia com o sistema uma modalidade de autoria mediata cuja aceitação não implicasse a exclusão automática da responsabilidade do instrumento “doloso”?

Um importante passo rumo à aplicação prática da Organisationsherrschaft foi dado pela Sala Penal da Corte Suprema do Peru, no julgamento do ex-Presidente Alberto Fujimori. Na longa e detalhada sentença condenatória, cuja consistência vem colhendo numerosos e insuspeitos elogios, o Tribunal expõe brevemente a teoria e a ajusta à minuciosa descrição factual do caso.


Por: André Lenart

Fonte: Reserva de Justiça

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