Supremo Tribunal Federal (STF)

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Nélson HUNGRIA

"Ciência penal não é só interpretação hierática da lei, mas, antes de tudo e acima de tudo, a revelação de seu espírito e a compreensão de seu escopo para ajustá-lo a fatos humanos, a almas humanas, a episódios do espetáculo dramático da vida." (Hungria)

sábado, 24 de abril de 2010

INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO: UMA CRÍTICA AOS ARGUMENTOS PELA SUA INADMISSIBILIDADE

Em artigo muito bem elaborado (aspectos históricos, posição do STF e ampla consulta bibliográfica) sobre o poder investigatório do Parquet, o defensor público Manuel Sabino Pontes chegou às seguintes conclusões:

1. O debate sobre a titularidade da investigação criminal é mundial. Com a adoção cada vez mais generalizada do sistema acusatório e o respectivo abandono do juizado de instrução, os modelos prevalentes de persecução criminal são o inglês, onde há completa separação entre os poderes de investigar a acusar, e o europeu continental, onde a apuração fica a cargo do Ministério Público, que dispõe da polícia judiciária.

2. No Brasil, a Constituição de 1988 transformou o Ministério Público em uma espécie de ombudsman da sociedade, em um controle externo por excelência com a missão de lutar pela correta aplicação da lei e pela realização da Justiça.

3. No campo penal, a missão do Ministério Público é promover a acusação de forma eficiente, independente e desprovida de qualquer sentimento que não seja o de Justiça. Mesmo acusando crimes, o promotor não deixa de ser um fiscal da lei, apenas lhe sendo lícito promover denúncia se estiver convencido da criminalidade, bem como da existência de lastro probatório mínimo para fundamentar a acusação (justa causa). Da mesma forma, obtendo prova da inocência do acusado ou discordando da pena imposta pelo juiz, por exemplo, tem o dever de atuar no processo em benefício do réu, buscando a correta aplicação da lei.

4. Como o Ministério Público é um órgão imparcial, a quem interessa a busca da verdade e a realização da Justiça, beneficia ao acusado inocente que aquele possa investigar, já que, desta forma, aumentam as chances deste ser inocentado. A sociedade, que deseja que suas regras de convivência sejam respeitadas, também tem interesse que se investigue o máximo possível, justamente para aumentarem as chances de esclarecimento dos fatos. Na verdade, a investigação criminal ministerial apenas deve repulsar ao acusado culpado, àquele que não tem o mínimo interesse em ver a verdade revelada. 5. O titular do direito de ação deve ter a faculdade de colher diretamente, desde que sem ofensa aos direitos e garantias individuais, o conjunto probatório destinado a fundamentar sua demanda, sob pena de se ver suprimido o seu direito de ação. Ao se negar o poder investigatório do Ministério Público, este órgão encontrar-se-á na insólita situação, dentro do nosso ordenamento, de único titular de ação sem a faculdade de colher as informações e documentos necessários para supedanear a sua pretensão, vendo-se eventualmente na contingência de promover ações e arquivamentos temerários.

6. O Ministério Público é um órgão autônomo cujos membros gozam de garantias constitucionais e independência funcional, o que implica maior probabilidade de desenvolvimento e resultado útil de determinadas investigações, especialmente as que envolvem pessoas capazes de exercer pressão sobre a apuração.

7. O Inquérito Policial é peça meramente informativa com a única função de fornecer os elementos de convicção necessários à formação da opinio delicti do titular da ação penal – o Ministério Público – que não está adstrito às conclusões da autoridade policial e pode socorrer-se de quaisquer outros elementos idôneos para exercer seu mister. Se a ação penal pode ser deflagrada sem inquérito policial (art. 46, § 1º, do CPP), se o Ministério Público pode promover inquéritos civis (art. 129, III, da CF) e se, freqüentemente, nestes inquéritos civis surgem indícios da autoria de ilícitos penais (investigação direta derivada) suficientes para o ajuizamento de uma ação penal, soa incoerente e formalista em excesso negar-se a possibilidade daquele desenvolver investigações penais diretas.

8. Inexiste proibição constitucional ou legal a impedir que o Ministério Público atue na fase investigatória. De outra parte, os dispositivos do art. 129, I, II, e VII, CF, em conjunto com dispositivos da Lei Complementar 75/93 e da Lei Federal 8.625/93, consagram previsão implícita e explícita do poder investigatório do Ministério Público.

9. A investigação criminal direta levada a cabo pelo Ministério Público não afeta negativamente a equidade processual e, muito menos, da paridade de armas, já que o acusado também pode investigar e a desproporção é equilibrada pelo princípio do in dúbio pro reo.

10. Não existe monopólio da elucidação de crimes pela polícia. O princípio que rege a investigação criminal é o da não-exclusividade, até porque, desvendar os fatos e aplicar a lei é uma questão de interesse público, que não deve ser sacrificada em prol de corporativismo ou de interesses políticos escusos.

11. A vontade da sociedade ficou bem explícita em pesquisa do IBOPE onde o Ministério Público acabou avaliado como a 4ª Instituição mais acreditada do País, superada apenas pela Igreja Católica, Forças Armadas e Imprensa. Uma das conclusões da pesquisa foi a seguinte: Segundo a opinião de 68% das pessoas consultadas, os promotores e procuradores deveriam investigar todos os crimes, contra o entendimento de apenas 4% que defendem a exclusividade da investigação pela Polícia. (IBOPE, 2004, p. VII).

12. Além de se tratar de um desejo da população brasileira, conforme aponta a pesquisa referida, a investigação criminal direta pelo Ministério Público é uma forma da sociedade exigir respeito às suas regras de convivência, reprimindo e desestimulando a criminalidade, combatendo a impunidade e garantindo a independência e imparcialidade da apuração. Trata-se, pois, de uma questão de interesse público.


13. Por fim, cabe ainda registrar as palavras do Ministro CARLOS AYRES BRITO (2006, p. 2-3) quando, votando no referido Inquérito 1.968-DF, resumiu o sentimento de quem deseja um Ministério Público forte e atuante:

"Investigar fatos, documentos e pessoas, assim, é da natureza do Ministério Público. É o seu modo de estar em permanente atuação de custos legis ou de defesa da lei. De custos iuris ou de defesa do Direito. Seja para lavrar um parecer, seja para oferecer uma denúncia, ou não oferecer, ou seja ainda para pedir até mesmo a absolvição de quem já foi denunciado.

Privar o Ministério Público dessa peculiaríssima atividade de defensor do Direito e promotor da Justiça é apartá-lo de si mesmo. É desnaturá-lo. Dessubstanciá-lo até não restar pedra sobre pedra ou, pior ainda, reduzi-lo à infamante condição de bobo da Corte. Sem que sua inafastável capacidade de investigação criminal por conta própria venha a significar, todavia, o poder de abrir e presidir inquérito policial".

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